Humberto Trezzi / Brasília
Fraude pode matar? A Polícia Federal (PF) desconfia que sim. Isso porque alguns agricultores vítimas de desvio de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), endividados em decorrência do prejuízo sofrido, cometeram suicídio.
Durante três dias, ZH percorreu municípios do Vale do Rio Pardo, onde vivem 6,3 mil plantadores de fumo que financiaram recursos no total de R$ 79 milhões. Algumas pessoas, desesperadas, teriam decidido se matar quando descobriram estar com débitos que juravam não ter contraído. É provável que tenham optado pela morte não apenas por esse motivo, algumas eram deprimidas, outras tinham problemas de alcoolismo.
Leia todas as últimas notícias de Zero Hora
Associação suspeita de operar fraude é descredenciada do Pronaf
MPF tem mais de 2 mil investigações sobre o Pronaf
TCU alerta governo sobre fragilidades no Pronaf desde 2008
Uma das que deram fim à vida, em maio de 2013, é Selíria Roesch, 46 anos, que morava num morro em Linha Chaves, no distrito de Monte Alverne, município de Santa Cruz do Sul. Ela sofria de depressão e piorou, segundo familiares e amigos, quando descobriu que o marido, Reneu, 56 anos, não conseguia saldar um débito de R$ 20 mil relativo ao Pronaf.
- Uma dívida irreal, inexistente - assegura Reneu.
A operação que endividou a família foi feita por meio da Associação Santa-Cruzense dos Agricultores Camponeses (Aspac), entidade ligada ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e apontada pela PF como líder do esquema fraudulento.
Conforme inquérito, a Aspac intermediava contratos dos filiados com o Banco do Brasil (BB), para obter financiamentos do Pronaf. O dinheiro liberado, em alguns casos, parava nas contas da própria associação, e parte seria repassada a contas particulares de dirigentes da entidade - sem que os agricultores soubessem.
Reneu afirma ter financiado R$ 5 mil para custeio do plantio de milho, enquanto Selíria financiou quantia inferior a essa. Um dia, foram ao BB e descobriram que tinham débito de R$ 20 mil, referente a empréstimos que não teriam pedido. Reclamaram ao próprio banco e foram até o MPA fazer o mesmo.
- Dissemos que não estava certo, nos mostraram a nossa assinatura numa autorização de débito. Neguei conhecer os contratos. Minha mulher discutiu três vezes. Na terceira, a Selíria voltou para casa chorando e, 14 dias depois, se matou - fala Reneu, que só dorme com tranquilizantes.
Ireno dos Santos, 44 anos, se matou em janeiro de 2011. Ele morava no cume de um morro em Linha Almeida, interior de Sinimbu, no qual só é possível chegar a cavalo, de moto ou a pé, em meio a uma densa mata nativa. Plantava fumo numa pequena área de seis hectares. Nem telefone tinha. Só foi encontrado três meses depois da morte.