Adultos com doenças graves abrigados na Fundação de Proteção Especial do Estado (FPE) estão sendo gradativamente transferidos para uma clínica privada em Porto Alegre ao custo mensal de R$ 13.950 cada. São 183 pessoas com distúrbios mentais e vítimas de violência, maus-tratos, negligência, abuso sexual e abandono que entraram na instituição ainda crianças ou adolescentes, atingiram a maioridade e permaneceram acolhidas.
Descontentes, 45 servidores protestaram em frente ao abrigo José Leandro de Souza Leite, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, na manhã desta sexta-feira (4). Levaram faixas com dizeres como "não à transferência de nossas crianças. Eles não podem se defender, então nós faremos". O grupo é contra o remanejo por considerar o novo lar impróprio para o atendimento.
— Seria um retrocesso histórico — pontua a servidora Letícia Mendes, 36 anos, afirmando que o local não seria apropriado.
Presidente da Associação dos Funcionários da FPE e da Fase (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo), Andrea Escandiel lembra que as duas entidades foram criadas em 2002 após extinção da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem). Neste processo, os menores infratores foram recebidos na Fase, e os demais, na FPE.
— Há quem esteja internado há 30 anos. Defendemos que permaneçam onde estão ou, se não for possível, que sejam levados para algum órgão do Estado. Não podem ficar sendo transferidos de tempos em tempos. É isso que vai acabar acontecendo em clínicas privadas — avalia Andrea.
O secretário estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Catarina Paladini, que acumula também o cargo de presidente interino da FPE, diz que, entre outras vantagens, a reestruturação permitirá abertura de 120 vagas e, assim, cumprir determinação judicial. Em novembro de 2018, o Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre impôs à entidade receber 120 menores da Fase ameaçados de morte e com conduta grave – aqueles que colocam em risco os demais acolhidos e funcionários.
— Não é função da FPE acolher adultos. Então, depois de 17 anos, estamos enfrentando este problema ao fazer o remanejamento. Vamos conseguir diminuir as horas extras e receber mais crianças e adolescentes — disse Paladini, lembrando que, além dos adultos, a fundação atende 140 menores em 29 abrigos.
A economia se dará, segundo o secretário, porque os 183 adultos que estão sendo removidos apresentam quadro clínico agravado, muitos deles acamados, situação que requer monitoramento ininterrupto por equipe multidisciplinar. Custam ao Estado cerca de R$ 22 mil cada. Ele explica que 90% do orçamento de R$ 140 milhões da FPE é gasto com pessoal. Nos nove primeiros meses do ano, o governo desembolsou R$ 7 milhões com horas extras dos 740 servidores.
— Perfil que não é agravado requer menos profissionais. E, esses que virão, pelo contexto e pela minha experiência, dificilmente serão casos graves. Além do mais, os adultos estão indo para um lugar muito melhor. É pertinente destacar que os trabalhadores não serão demitidos, mas realocados nos abrigos da FPE — assegura Paladini.
Contraponto
A Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul enviou nota à GaúchaZH:
Com relação à matéria veiculada por GaúchaZH, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul reitera, em primeiro lugar, que não se trata de uma clínica particular, e sim de um residencial terapêutico. Também pondera que o valor mensal de R$ 13.950,00 representa um custo bem menor para o Estado, que gasta hoje R$ 22 mil por acolhido.
Além disso, ao contrário do que afirma a servidora Letícia Mendes na reportagem, o local está sim apropriado para o atendimento, em qualidade muito superior ao lugar onde eles estavam acolhidos anteriormente. Trata-se de um residencial moderno, com toda a estrutura exigida para um serviço desse porte, e não de um galpão.
Além de economia para o Estado, estamos regularizando a situação para a qual a FPE foi criada, cumprindo uma determinação judicial e viabilizando, desta forma, a continuidade dos serviços prestados pela Fundação, e também dando condições dignas para os acolhidos.