Sob ameaça de cortes orçamentários na Defesa devido à crise econômica, o primeiro modelo do novo caça brasileiro, o Gripen, foi apresentado nesta terça-feira (10) em Linköping, na Suécia.
— As previsões iniciais não são boas para todos os programas, mas estamos trabalhando. Tenho a expectativa de reverter o quadro — disse o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, presente ao evento.
Dos R$ 1,1 bilhão previstos para o programa neste ano, R$ 642 milhões foram liberados. O número inferior será repetido em 2020, segundo a expectativa inicial da Defesa.
— Não há atrasos por enquanto — disse Azevedo.
Outro programa estratégico da Força Aérea Brasileira (FAB), o do cargueiro KC-390, sofreu três anos de atraso devido às dificuldades orçamentárias e também a dois incidentes com protótipos. A compra de 36 aviões, feita em 2014, totaliza 39,6 bilhões de coroas suecas (quase R$ 17 bilhões) e conta com financiamento do governo sueco. Serão 28 modelos de um lugar e oito de dois lugares.
A Saab foi diplomática ao comentar a questão.
— Entendemos a questão, mas não estamos preocupados — afirmou o chefe do setor aeronáutico da empresa, Jonas Hjelm.
— Vamos renegociar com a empresa, se for preciso — disse o brigadeiro Valter Malta, responsável pela aquisição de aviões de combate da FAB.
O comandante da Força, brigadeiro Antônio Bermudez, ressaltou questões orçamentárias como um problema recorrente para militares do Brasil, defendendo o menor custo operacional do Gripen. Ele disse, contudo, que o governo fará o possível para manter o investimento no projeto.
O Gripen E brasileiro voou pela primeira vez em 26 de agosto.
— Foi um voo perfeito, todos os parâmetros atendidos — disse o gerente do projeto na Saab, Mikael Franzén.
O modelo voou nesta terça, sendo apresentado a autoridades dos dois países. Ele ficará em teste na Suécia até o ano que vem, quando irá para continuar em campanha de ensaio até 2024. Há outras três unidades em teste, destinadas para o lote de 60 aeronaves encomendado pela Força Aérea Sueca.
Contratempos na escolha
O avião deve ser entregue para uso pela FAB em 2021, e as entregas continuarão até 2026. O Gripen vai substituir os antigos F-5 e AMX em operação no país. O processo de compra do novo caça brasileiro foi uma novela que se arrastou desde 2001, após estudos que haviam começado em 1995.
Em 2009, o governo Lula chegou a anunciar a escolha do francês Dassault Rafale, só para recuar dado que a FAB havia pré-selecionado o modelo sueco.
— Disseram para eu não ir ao Brasil depois que assumi a Saab, pois a solução de Lula seria francesa. Felizmente não sou bom em ouvir conselhos — brincou Hakan Bukshe, executivo-chefe da fabricante sueca.
No começo da gestão Dilma Rousseff, o americano Boeing F-18 ganhou a preferência, mas o escândalo no qual a NSA (Agência de Segurança Nacional) dos Estados Unidos grampeou a própria presidente derrubou as chances do modelo. Assim, no fim de 2013 o governo escolheu o Gripen.
O ponto principal para a escolha foi o fato de que o projeto de desenvolvimento era aberto, em comparação com o dos concorrentes. O modelo F, de dois lugares, está sendo feito em conjunto com a Embraer e outras empresas. Em 2014, o contrato foi fechado, e no ano seguinte foi assinado o financiamento.
De lá para cá, 200 engenheiros e técnicos brasileiros, a maioria da Embraer, foram treinados para montar o avião no Brasil -15 unidades serão feitas na unidade da empresa em Gavião Peixoto (SP), a primeira delas entregue em 2023.
Fusão prejudicou programa sueco
A negociação entre Boeing e Embraer causou turbulência no programa do Gripen. Como a intenção inicial dos americanos era comprar toda a fabricante brasileira, os suecos deixaram claro que não aceitariam que o processo de transferência tecnológica ocorresse para uma empresa controlada por uma concorrente no mercado de caças.
A pressão, apoiada pelos militares, ajudou a manter uma Embraer remanescente brasileira, na área de defesa e aviação executiva. Houve também questionamentos sobre a escolha da AEL, empresa com executivos ligados à FAB, para desenvolver uma tela única para o cockpit do caça. O caso foi arquivado pelo Ministério Público Federal (MPF) e o display acabou sendo adotado como padrão também pelos suecos, substituindo as antigas três telas com dados de voo.
Também é apurado se o ex-presidente Lula, por meio de um lobista, tentou pressionar Dilma a escolher o Gripen. A Saab não é acusada de nada neste caso. Participam do projeto do Gripen a Saab, a Embraer e outras quatro empresas.
— Esse é um caso real de engenharia simultânea — disse Marcelo Lima, gerente-geral da unidade que a Saab vai abrir ano que vem em São Bernardo do Campo (SP) para a produção de partes da fuselagem do avião.
A Saab espera que o Gripen brasileiro ajude a promover o modelo em outros países, em especial na América Latina. A Colômbia, por exemplo, negocia a compra de 15 caças. Segundo o chefe de vendas da Saab, Richard Smith, "a fábrica no Brasil é um fator", embora não necessariamente para produzir eventuais Gripens colombianos.
Compete com o sueco o americano F-16. A proximidade entre Bogotá e Washington hoje dá vantagem ao modelo. O Gripen ainda concorre para ser adquirido em outros oito países. Seis Forças Aéreas operam o modelo hoje, que tem cerca de 250 aviões voando em suas duas gerações até aqui.