Jair Bolsonaro avalia conceder graça, uma espécie de indulto individual, a policiais condenados. A possibilidade está em estudo pelo Palácio do Planalto e foi confirmada por assessores presidenciais. A ideia é que o benefício seja publicado até o final do ano.
Em agosto, o presidente havia afirmado que pretendia indultar policiais "presos injustamente" no país "por pressão da mídia". Dois dias depois, em almoço com jornalistas, citou como exemplos agentes envolvidos nos massacres do Carandiru, em São Paulo, e de Eldorado dos Carajás, no Pará. E mencionou também policiais acusados — e absolvidos — pela morte de Sandro do Nascimento, responsável pelo sequestro do ônibus 174, no Rio.
Bolsonaro disse que daria o indulto aos que se enquadrassem nos critérios previstos em lei, sejam subordinados ou comandantes policiais condenados por crimes.
Diante das declarações do presidente, especialistas jurídicos e assessores palacianos viram ao menos dois problemas: em primeiro lugar, o indulto é um benefício de aplicação coletiva concedido a presos que tenham esgotado todas as possibilidades de recursos à sua condenação.
No caso do ônibus 174, não haveria por que conceder o indulto, considerando que os policiais foram absolvidos. No Carandiru, o julgamento que condenou os policiais foi anulado e um outro júri ainda está para ser marcado.
Há outro porém: os massacres de Carandiru e Carajás foram considerados homicídios qualificados, o que os torna crimes hediondos, não passíveis de ser indultados.
A saída encontrada pelo Palácio do Planalto foi estudar a concessão da graça presidencial, o que evitaria também uma terceira questão identificada: o indulto não poderia ser aplicado a categorias. Assim, todos que eventualmente se enquadrassem nos parâmetros estabelecidos pelo texto seriam beneficiados, até mesmo condenados por violência contra policiais.
Graça presidencial
Segundo a Lei de Execução Penal, a graça pode ser requisitada por presos, pelo Ministério Público, por conselho penitenciário, ou pela autoridade administrativa. Ela é de competência do presidente e não pode ser concedida a condenados por crimes hediondos.
Assim, policiais que não se enquadrassem em critérios para a concessão de indultos coletivos, com cumprimento de parte da pena em crimes sem grave violência, poderiam solicitar o benefício.
Dentro do governo, a possibilidade é vista como um experimento que pode dar certo, principalmente pela falta de regulamentação do benefício. Os indultos natalinos, por exemplo, são fixados por decretos.
Especialistas avaliam que, ainda assim, a concessão do indulto individual (a graça) poderia ser contestada no STF (Supremo Tribunal Federal).
— É preciso que os critérios tenham como base a razoabilidade e valores éticos. O STF poderia derrubar graças concedidas que ferissem esses princípios — afirma o advogado Marcio Sotelo Felippe, ex-procurador-geral do Estado de São Paulo.
— (O texto) não pode afrontar valores que fundamentam a República.
Outro risco apontado é de a concessão da graça beneficiar milicianos, ou que seja vista como incentivo a abusos de autoridade por policiais, afirma o advogado Luciano Santoro, sócio do Fincatti & Santoro.
— É uma carta branca a policiais. E há dúvidas sobre a quais policiais se aplicaria: entraria a Polícia Legislativa? A Polícia Rodoviária Federal? — indaga Santoro.
Indulto por decreto
Apesar de a graça ser mais factível, uma ala dentro do governo ainda se debruça sobre a ideia do indulto, mesmo com as restrições legais já identificadas por especialistas.
Para eles, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, sobre o indulto concedido pelo ex-presidente Michel Temer, no final de 2017, beneficiando condenados por crimes do colarinho branco, ampararia os planos de Bolsonaro.
Na decisão, Moraes, que foi acompanhado por seis ministros, reforçou a competência do presidente na concessão do indulto. Para o ministro, não cabe ao STF reescrever o decreto, pois se o presidente tiver extrapolado as restrições previstas em lei, o texto se torna inconstitucional.
Assessores do presidente avaliam que o voto de Moraes dá lastro para o governo defender que o poder de conceder indultos e comutação de penas é absoluto. As limitações seriam as previstas na Constituição, como crimes hediondos, tortura, terrorismo e tráfico de drogas.
Outros pontos da decisão são menos pacificados, como o entendimento de que a Constituição não limita o momento em que o presidente pode conceder o indulto, "sendo possível isentar o autor de punibilidade, mesmo antes de qualquer condenação criminal". No próprio governo, e parte da jurisprudência reforça a visão, há quem avalie que a graça ou indulto poderiam ser concedidos mesmo sem trânsito em julgado.
Isso porque, durante o processo, o magistrado pode entender que o acusado pode ser enquadrado em outros tipos penais. A concessão do benefício antes de condenação eliminaria a possibilidade.
O presidente da comissão especial de direito processual civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), Gustavo Badaró, considera que as declarações do presidente são "mais fumaça para gerar polêmica."
— Com muita boa vontade, talvez ele pudesse indultar a pena antes do trânsito em julgado — diz.
— Ou ele poderia aprovar um projeto de lei que tirasse de determinado crime a natureza de hediondo. Deixando de ser hediondo, ele poderia indultar
Com a medida em estudo, Bolsonaro se alinharia a uma prática adotada pelo presidente norte-americano, Donald Trump. Ele concedeu graças e indultos que já beneficiaram, por exemplo, um comentarista político, um xerife e, a pedido da socialite Kim Kardashian, uma condenada à prisão perpétua por narcotráfico.
Mesmo sem ser um perdão, a decisão abreviou a pena de Alice Marie Johnson, detida no Alabama sem direito a condicional após condenação por lavagem de dinheiro e venda de cocaína.