Faz décadas que as discussões em Cachoeira do Sul e Pelotas são alimentadas por rumores de que duas barragens nestes municípios estão propensas a ruir. O desastre em Brumadinho (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, há pouco mais de uma semana, fez borbulhar o debate que já vinha quente desde novembro do ano passado, quando as represas do Capané, em Cachoeira do Sul, e Santa Bárbara, em Pelotas, apareceram na lista, feita pela Agência Nacional de Águas (ANA), das barragens brasileiras com algum comprometimento importante na estrutura.
Para o secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Artur Lemos Júnior, é "pequeno" o risco de acidentes nas duas barragens:
— Risco sempre há, mas, com as medidas que estamos tomando, estão reduzidos.
Lemos projeta apresentar, neste mês, um "plano de ação ao estilo força-tarefa" para "aprofundar" as fiscalizações nas barragens gaúchas e categorizá-las por grau de risco. Na terça-feira (29), a ANA apresentou uma nova lista de 3.387 barragens consideradas com risco ou dano potencial alto que terão fiscalização prioritária. Só no Rio Grande do Sul estão 886 delas. As ações começarão pelas barragens com rejeitos minerais, inexistentes no Estado, conforme a pasta.
— Nosso trabalho vai ser aplicar a lei. Quando deparamos com essa situação, o governador nos pediu um plano de ação. Medidas corretivas precisam ser feitas, é consenso. Não podemos deixar é que, passada a comoção, siga tudo como está.
Diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul e do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, o engenheiro civil Carlos André Bulhões Mendes integrou equipe técnica que investigou o rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015, atuando como perito junto ao Ministério Público Federal do Espírito Santo e Minas Gerais. Corroborando a retórica do secretário, diz que "toda obra de engenharia tem possibilidade de falhar".
— Isso não quer dizer que irá falhar. Com projeto adequado, construção adequada e manutenção adequada, os riscos são mínimos — sentencia.
Bulhões puxa da memória um episódio de 1966, quando uma chuva extrema teria exigido funcionamento pleno do vertedor da Barragem do Capané, 18 anos após sua inauguração.
— A água não saiu na proporção devida pelo vertedor e houve transbordamento da caixa. Teve até escorregamento do talude. A reconstrução foi feita e novas medidas de segurança, adotadas — explica.
Sobre a infiltração presente nas duas barragens, diz que a consequência extrema é a desestabilização do corpo da barragem.
— Pode transformar o maciço em uma lama e arrebentar. Foi o que aconteceu em Brumadinho. Mas tanto Irga quanto Sanep têm condições de explicar para a sociedade as medidas que estão tomando.
"Quando acontece uma catástrofe é que se vai atrás"
Professor do curso de engenharia hídrica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Gilberto Collares alerta que todas as barragens exigem atenção, mas que a de Pelotas, em especial, precisa de um olhar permanente por ter mais de 50 anos e estar em meio à área urbana.
— Quando foi construída, era para atender a uma demanda. O município mudou de lá pra cá e a demanda cresceu. Hoje, o reservatório está no meio da cidade e, se estourar, vai causar um dano do cão — avalia, embora não acredite nesta possibilidade.
Para ele, além de o Sanep estar fazendo os reparos, a tragédia em Brumadinho serviu de alerta.
— Os piezômetros (equipamentos que medem quantidade e pressão de água) já deveriam estar instalados, é verdade, mas que bom que instalaram agora. A percepção que a gente tem é que, no Brasil, quando acontece uma catástrofe é que se vai atrás. A gente olha todas as marquises, mas só depois que caiu a primeira — compara.
E complementa:
— Não sou o fiscal da barragem, mas essa não vai estourar. Não consigo imaginar que o poder público não esteja controlando isso.
O Rio Grande do Sul é o Estado com o maior número de barragens, segundo a ANA. Das cerca de 24 mil cadastradas, em todo o Brasil, mais de 10 mil ficam aqui.
— Temos profissionais suficientes para dar conta desta fiscalização, e o corpo técnico da Semai é capaz disso. Há estruturas que podem apoiar o poder público, como as universidades. O nosso Estado é formador de gente para este trabalho — sublinha Collares.
Bulhões, diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, acrescenta que, mais do que monitorar, é preciso tomar atitudes:
— Se não há avanço, não serve. Estou monitorando e vi que o nível de infiltração está aumentando. Estou monitorando e percebi que o sistema de drenagem não está funcionando. E daí? O que eu faço com essas informações? Essa consequência do monitoramento é necessária — destaca.
A Semai explica que realizou recentemente oito cursos sobre inspeção visual em barragens de terra, capacitando cerca de 400 profissionais em todo Estado. A pasta garante que vai intensificar as atuações e políticas públicas na gestão das barragens no Rio Grande do Sul e que mantém contato permanente com a ANA, enviando informações que permitem identificar quais reservatórios estão em situação de atenção.
Barragem do Capané
Arrozeiros trocam prejuízo por segurança em Cachoeira do Sul. Leia a reportagem completa.
Barragem Santa Bárbara
Em Pelotas, crescimento da cidade levou urbanização ao pé da represa. Leia a reportagem completa.