Treze metros de altura tem o talude que separa arrozais a perder de vista da água represada na barragem do Capané, em Cachoeira do Sul. Além de delimitar o fim dos 1,3 mil hectares de área alagada, o barranco de pedra, argila e terra compactadas forma uma travessia de 2,3 quilômetros de extensão por onde passam de motos a caminhões. Em formato trapezoidal, a barreira de contenção tem 10 metros de largura no topo e 100 metros na base.
O relatório de Segurança de Barragens da Agência Nacional de Águas (ANA), que incluiu em novembro a barragem do Capané entre as duas do Estado com algum comprometimento importante em suas estruturas, pontua que a barreira tem "percolação excessiva pelo maciço", ou seja, infiltração que pode comprometê-la. Além disso, ao apontar a "insuficiência de vertedor e canal de fuga", o documento alerta para inexistência de alternativa adequada para vazão da água caso as comportas não deem conta do escoamento. Tanto vertedor quanto canal de fuga são instrumentos de segurança que combatem o transbordamento e até o rompimento da barragem. A água em excesso escapa pelo vertedor, cai no canal de fuga e segue até algum corpo receptor — no caso da barragem do Capané, o Rio Jacuí.
Por conta desses problemas e de outros danos menores constatados pelo Instituto Riograndense do Arroz (Irga), autarquia do governo estadual responsável pela barragem, o volume represado tem sido mantido em oito metros de profundidade, e não em 12 metros, como projetado há 70 anos, quando a estrutura foi construída. Coordenador regional da Fronteira Oeste do Irga, o engenheiro agrônomo Ivo Mello explica que vertedor e canal de fuga existem, mas que a exigência da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Semai) é de que sejam em concreto em vez de chão batido, como hoje. Já o dique começou a dar sinais de baixa compactação — o que permite ingresso de água acima do aceitável — na década de 1990:
— Mais de 15 anos que o Instituto tenta e não tem conseguido licitar (os consertos) pela burocracia e falta de recurso do Estado. Também não conseguimos fazer a adequação do vertedor por estes mesmos motivos — lamenta Mello.
Não posso dizer que não vai acontecer algum tipo de rompimento, porque está provado que existe problema.
IVO MELLO
coordenador regional da Fronteira Oeste do Irga
O engenheiro agrônomo garante que é feito monitoramento semanal da infiltração em cinco pontos e que, nos próximos meses, será lançado edital para contratação de estudo para apontar a melhor forma de garantir a estabilidade da barragem. Por enquanto, manter a oferta de água aos arrozeiros reduzida é a maneira de combater a infiltração. A estimativa do instituto é de que a medida cause, por ano, prejuízo de R$ 750 mil — 50% da produção.
— Deixamos o nível baixo para evitar problemas. Técnicos fazem medições e, quando há previsão de chuva, a gente tem a ferramenta das comportas para extravasar a água antes que chegue a patamares perigosos. Mas eu não posso dizer que não vai acontecer algum tipo de rompimento, porque está provado que existe o problema — pontua o engenheiro.
Nas plantações à sombra da barragem transitam dezenas de tratores e trabalha uma centena de pessoas, como o marido de Isadora de Oliveira, 28 anos. A dona de casa mora há sete anos em uma comunidade de aproximadamente 15 trabalhadores rurais — dois quilômetros para baixo da represa. Caso o talude arrebente, essas poderiam ser as primeiras residências atingidas.
— Tenho muito medo. Os amigos falam para eu me mudar, que emprego a gente arruma outro, mas vida é uma só — comenta.
O vizinho Alexsandro de David, 42 anos, é mais cético. Ele, a mulher e o filho moram há 12 anos ali sem qualquer preocupação.
— Deus não vai tirar toda a taipa de uma vez só. Se acontecer alguma coisa, a água vai se espalhar por aí. Aqui é quase plano — argumenta.
O secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Artur Lemos Júnior, admite o risco, e o Irga reconhece a necessidade de criação de um sistema de alarme para evacuação. A implantação deste sinal de emergência será levada a discussão.
— O dano potencial associado do rompimento leva em conta as famílias posicionadas próximas da barragem. Em um extravasamento, a água chegaria até o Rio Jacuí — diz o secretário.
Ao todo, 2,5 mil hectares são abastecidos por 87 quilômetros de canais interligados com a barragem. Conforme o instituto, há aproximadamente 20 casas entre a barreira de contenção e o Jacuí.
Ficha técnica
- Cidade: Cachoeira do Sul
- Ano de construção: 1948
- Tamanho: 2.127 hectares
- Área alagável: 1.700 hectares (atualmente, 1.300 estão alagados)
- Capacidade: 107 milhões de metros cúbicos (8 vezes a barragem de Brumadinho)
- Volume atual: 33 milhões de metros cúbicos
- Utilização: irrigação de lavouras
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