Atrás de uma mata densa, para quem a olha a partir da barragem Santa Bárbara — uma das duas do Estado incluídas em relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) que apontou comprometimento importante nas estruturas —, está a bicentenária Pelotas, na região sul do Estado. O crescimento populacional — a área urbana passou de 155 mil pessoas em 1970 para 306 mil em 2010 — levou a cidade para os arredores do reservatório que abastece 60% do município e fez da barragem um vizinho temido.
Há quem jure de pés juntos que a única comporta precisou ser aberta mais de uma vez para aliviar a pressão da água e, assim, evitar que a estrutura arrebentasse. Porém, o diretor-presidente do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep), Alexandre Garcia, rebate:
— Essa comporta nunca foi usada. A água que eles enxergam sai sozinha pelo vertedor sempre que a barragem enche — explica.
Tanto é verdade que a comporta está no relatório da ANA como "inoperante". No documento, consta ainda "percolação excessiva no maciço", que é infiltração demasiada no talude, e "deterioração do canal de fuga", consertado há 30 dias. O levantamento não cita, mas também há infiltração no vertedor. Garcia garante que um mergulhador está contratado para fazer análise do problema.
Está na categoria de dano potencial pelo tamanho, por estar dentro da zona urbana e por que merece a atenção que, em determinado momento, não foi dada.
ALEXANDRE GARCIA
diretor-presidente do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep)
Mais do que abastecer as torneiras dos pelotenses, a barragem serve como controle de cheia. Ela retém a água que chega na cidade pelo Arroio Santa Bárbara e a distribui em menor quantidade pelo vertedor. No canal de fuga foram colocadas pedras para reduzir a velocidade da água que escoa e para mantê-la no curso. Em média, o manancial tem quatro metros de profundidade, mas chega a sete em alguns pontos. A um quilômetro dali, rio abaixo, estão as primeiras residências.
Das falhas apontadas no relatório, duas não foram sanadas. Para resolver a infiltração, a mais preocupante delas, 20 piezômetros (aparelhos que medem quantidade e pressão de água infiltrada) foram instalados há 15 dias. Laudos saem em um mês.
— Vai parecer que a gente está fazendo por conta de todo aquele problema em Minas Gerais, mas já estava previsto para o próximo mês asfaltar todo o coroamento do maciço (parte superior da barragem) para a água não ficar parada em cima — comenta Alexandre Garcia.
Análises preventivas são feitas periodicamente, como verificação de buracos, de água escorrendo, de obstrução dos drenos e existência de plantas inadequadas. Até que os laudos apontem soluções definitivas, os consertos continuarão sendo paliativos. Garcia afirma que o talude está estável justamente pela existência do vertedor e que, se aquele mecanismo de segurança for insuficiente, há uma opção extrema para garantir a estabilidade do dique: abrir a comporta estragada.
Embora conste como inoperante no relatório, ela pode ser aberta, afirma o diretor-presidente do Sanep. O problema está em fechá-la novamente antes que toda água da barragem escoe. Por nunca ter sido utilizada, ela se fixou no cimento, e puxá-la à superfície causaria danos ao compartimento.
— O que eu posso dizer é que, se houver pressão no talude, a gente consegue abrir a comporta. Mas fechá-la, não — pontua.
Como esse conserto pode provocar risco de desabastecimento, o serviço não tem data para acontecer. Quem tem ansiedade para que a barragem siga operando sem sustos é o serralheiro Aroldo Leal dos Anjos, 60 anos, 25 deles morando no bairro Fragata.
— Sempre ouço falar que, se der zebra, a gente, aqui do bairro, pode ser atingido. Dá até medo, porque aqui sempre alaga — conta o morador da Avenida Theodoro Müller.
O amigo e pintor Ildo Petter, de 65 anos, acrescenta que o bairro fica em uma baixada e, por isso, a tendência é que um possível rompimento leve parte da água para lá.
— Teve uma vez que deu enchente, que eu saí de casa com água batendo no peito — recorda.
Conforme o Sanep, o possível rompimento atingiria, além do Fragata, bairros e vilas como Colina do Sol, Farroupilha e Castilho. O secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Artur Lemos Júnior, pretende visitar a barragem ainda neste mês.
— Na Santa Bárbara não podemos trabalhar com a hipótese de rompimento. Eu já conversei com a prefeita Paula (Mascarenhas) e vamos nos deslocar até a barragem em uma ou duas semanas com alguns técnicos para que possamos identificar se há necessidade de novas intervenções — enfatiza.
Ficha técnica
- Cidade: Pelotas
- Construção: 1968
- Tamanho: 359 hectares
- Área alagável: 352 hectares (352 estão alagados)
- Capacidade: 10 milhões de metros cúbicos
- Volume atual: 10 milhões de metros cúbicos
- Utilização: controle de cheias e fonte de abastecimento da cidade.
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