Miriam Ortuño, 25 anos, aguarda para abril o nascimento de sua primeira filha, incerta sobre o lar em que amamentará o bebê. Ela, o marido, Juan Carlos Santamaria, 19, e os demais refugiados venezuelanos correm risco de ter de deixar, no fim de março, os abrigos em que estão morando em Canoas.
Formada em Engenharia Informática na Venezuela, a grávida está desempregada, enquanto Santamaria conseguiu trabalho em um supermercado. O salário mínimo ainda não foi suficiente para que o casal comprasse a cama, a geladeira e o fogão novos que desejam para melhorar o apartamento em que vivem, no abrigo Farroupilha.
– É um sentimento de angústia, porque não temos certeza do que vamos ter. Vimos diversos tipos de imóveis para alugar, mas todos têm um custo muito alto. Temos de tentar ficar equilibrados e resolver – conta Miriam.
Jorleidis Thellis, 25 anos, também desempregada, tem uma filha sorridente de cinco anos, Sofia. Mãe solteira, ela não conseguiu trabalho desde que chegou no Rio Grande do Sul com os demais, em setembro. Diante da realidade, imagina que a alternativa será morar na rua.
– Sinto angústia. É muito difícil pensar que terei de dormir na rua com uma menina de cinco anos – diz a jovem, lembrando que lhe falta dinheiro para mandar para outras duas filhas e a mãe, que ficaram na Venezuela.
Segundo dados da prefeitura de Canoas, Miriam e Jorleidis fazem parte dos 30% de adultos venezuelanos que moram nos abrigos e estão desempregados. Dos 305 que chegaram em Canoas em setembro, apenas 29 deixaram a moradia gratuita, conforme a prefeitura. Os locais são pagos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur/ONU). Já os alimentos são fornecidos pelas Forças Armadas. O deslocamento ao Rio Grande do Sul foi viabilizada pelo governo federal, enquanto a assistência social e médica é dada pelo município.
É muito difícil pensar que terei de dormir na rua com uma menina de cinco anos
JORLEIDIS THELLIS
25 anos
Caso seja renovado, o convênio entre as entidades e as instâncias de governo permitiria a continuidade da moradia gratuita para os refugiados. Até o fechamento desta edição, nem governo federal nem a Acnur deram explicações sobre a possibilidade de encerrar o contrato em Canoas e se a decisão impacta os demais municípios gaúchos em que houve parcerias para interiorização de venezuelanos que aguardavam ajuda humanitária em Roraima.
Enquanto a data-limite não chega, Edismel Rojas, 37 anos, segue a rotina de busca de trabalho. Debaixo do braço, na pasta azul, carrega documentos e o currículo profissional, que conta que o homem já trabalhou como eletricista, pedreiro, vigilante, socorrista, operador de empilhadeira e estoquista. Ele gostaria de voltar a pilotar empilhadeira, mas os possíveis empregadores, em Canoas, têm dito a Edismel que é necessário, antes, um curso – que ele desconhece a natureza. Sua esposa cuida dos três filhos do casal, com idades entre seis meses e três anos.
– Em 31 de março vai todo mundo para rua, disseram. (A expectativa) é dormir debaixo de uma ponte, por aí. Nunca dormi na rua antes. Se soubesse que era para acabar na rua, tinha ficado em Boa Vista – conta Rojas, que tem mais três filhos morando na Venezuela, lembrando que em seu país a situação está cada vez pior.
Quem está empregado tem ideias para resolver o iminente problema de moradia. Yellis Valezca, 41 anos, conseguiu vaga como faxineira em uma clínica de idosos, há pouco mais de um mês. Seu marido, Carmelo Carrillo, 39, começou na sexta-feira a ser testado para um emprego em uma borracharia. Com os olhos marejados, mas sorrindo, ela conta que o ideal seria que todos os venezuelanos pudessem comprar um terreno, conjuntamente, e construir casas.
– O que faremos depois de 31 de março? É uma pergunta difícil. Estão caros os aluguéis. A nossa ideia era locar um terreno para todos, mas não temos dinheiro. Estamos entre família, é como uma grande família. Aqui (no abrigo) não há dificuldades – afirma Yellis, orgulhosa dos móveis e eletrodomésticos que conseguiu comprar para o espaço que ela, ainda, pode chamar de casa.