A defasagem histórica de policiais no Comando Ambiental da Brigada Militar (CABM) faz com que outros órgãos também responsáveis pela fiscalização do meio ambiente procurem alternativas para amenizar a lacuna no combate aos crimes contra a natureza. Queimadas em matas na Serra, animais machucados na orla marítima e poluição de rios são problemas corriqueiros do Rio Grande do Sul que estão ficando em segundo plano por causa da crise na segurança.
Enquanto o maior órgão de fiscalização do Estado, o CABM, perdeu 168 policiais num período de apenas cinco anos, ficando com um efetivo de apenas 275 servidores, outros órgãos passaram a atuar nesta área e a usar a tecnologia.
Um sistema criado em setembro de 2017 pela Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam) fez com que fossem integrados em plataforma online todos os documentos de constatação de problemas ambientais, antes separados. Nas mãos dos técnicos da fundação, os casos passam a ser averiguados e, em grande parte, resultam em multas. Dessa maneira, os processos se tornaram mais ágeis, o que disparou a arrecadação. Conforme dados do Sistema Online de Licenciamento (SOL), a arrecadação com multas ambientais triplicou nos primeiros 11 meses de 2018, na comparação com 2010. O número passou de R$ 1,5 milhão para R$ 6,4 milhão.
— Nós não temos condições de estabelecer qual efetivo vai ter a Brigada Militar, nossa parceira em várias fiscalizações. Então, a gente procurou ser criativo e usar esses métodos para superar isso. A arrecadação recorde e a consciência atual da sociedade demonstram que sim, superamos esse obstáculo que é a diminuição do efetivo do Comando Ambiental — sustenta Ana Pellini, secretária estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, responsável pela Fepam.
A Fepam tem apenas nove agentes destinados exclusivamente a fiscalização. O Departamento de Biodiversidade possui outros três.
Prefeituras criam guardas ambientais
Em Gravataí, desde 2012 há um grupamento ambiental dentro da Guarda Municipal. São agentes municipais treinados exclusivamente para atender questões envolvendo crimes ambientais. O município tem cerca de 463 quilômetros quadrados, grande parte em área rural, com rios, morros e grande trecho de Mata Atlântica.
Nos últimos três anos, com a defasagem do Comando Ambiental da BM atingindo seu recorde, os agentes ambientais de Gravataí viram sua média de atendimento disparar e a população procurar cada vez mais seus serviços. Até novembro de 2018, foram acionados 460 vezes para atender ocorrência, contra 108 em todo ano de 2012 — demanda três vezes maior.
Os agentes trabalham cinco dias por semana, em regime de 12 horas de trabalho. Todos foram treinados para autuar em conformidade à lei de crimes ambientais e possuem o porte de arma. Para o trabalho, estão disponíveis ao menos quatro barcos, sendo um deles com capacidade de navegar em áreas rasas, caminhonetes com tração nas quatro rodas e drones.
Em uma de suas maiores operações, em dezembro de 2017, os agentes ambientais da Guarda Municipal descobriram uma quadrilha que capturava jacarés de papo-amarelo na Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande, no Rio Gravataí. Após cerca de dois anos monitorando o grupo, os agentes entregaram um dossiê ao Ministério Público sobre o grupo. À época, se descobriu através de imagens localizadas em um pen-drive que o grupo havia capturado ao menos 32 animais — que aparece em listas do Ibama por risco de extinção.
Na Região Metropolitana, além de Gravataí, só São Leopoldo possui também um grupamento ambiental dentro de sua Guarda Municipal. O destacamento foi criado em 2012 e desativado em 2016. Em agosto de 2018, foi novamente retomado, tendo como foco principal cuidar da área do Rio do Sinos.
Ocorrências não atendidas
GaúchaZH, em um período de cinco meses, acompanhou cinco flagrantes de crimes e problemas envolvendo questões ambientais no Litoral Norte, na Serra e na Região Metropolitana que poderiam ser facilmente resolvidos pelo Comando Ambiental da Brigada Militar (CABM) se houvesse efetivo disponível. Se durante os dias já é difícil para a corporação atender a demanda, durante os fins de semana e feriados fica praticamente impossível.
O primeiro caso flagrado foi uma série de queimadas registradas na região dos Aparados da Serra em setembro. Em apenas um dia, durante um fim de semana, GaúchaZH flagrou 13 focos de incêndio, alguns deles com as chamas na beira de estradas e de córregos, perigosamente próximos de residências. A fumaça encobria parte das rodovias RS-020 e RS-235, diminuindo a visibilidade dos motoristas. Ao longo do caminho, a equipe tentou ligar para prefeituras e para o CABM, mas ninguém atendeu às cinco tentativas. Apenas uma ONG foi solícita à questão. Durante as mais de duas horas em que permaneceu no local, a reportagem não constatou a presença de agentes para monitorar os crimes ambientais.
GaúchaZH também acompanhou a dificuldade de várias pessoas em acionar o Comando Ambiental para atender ou recolher filhotes de lobo-marinho na orla marítima. Os episódios ocorreram nas praias de Capão da Canoa, no dia 21 de agosto, em Rondinha e Arroio do Sal, no dia 7 de setembro, e em Cidreira, no dia 22 de setembro. Em dois casos, os animais estavam exaustos na orla, devido à migração que fazem entre o litoral brasileiro e os da Argentina e Uruguai. No terceiro caso, o animal estava ferido. A recomendação à população sempre é acionar o CABM, que, depois de avaliação inicial, encaminha ou não o animal ao Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), em Imbé.
Em um dos casos, seis moradores de Capão da Canoa encontraram um lobo-marinho ferido na área central da cidade, e cercaram o animal para evitar a aproximação de cães. A primeira ligação para a Brigada Militar e para o Comando Ambiental foi às 8h, mas ninguém atendia aos telefonemas. Somente uma hora depois um PM atendeu a ligação, informando que não havia efetivo disponível.
— Só depois das 13h que chegaram para recolher o animal. É um descaso enorme com os bichinhos. Isso ocorreu com qualquer tipo de animal e a gente ficou muito chateado, principalmente pelo fato de que o lobo-marinho poderia ser morto por cães ou ser atropelado, já que foi em direção à avenida Beira-Mar — diz Belchior Jaques, 35 anos, um dos moradores que socorreram o animal.