A principal organização responsável por evitar o desmatamento, preservar espécies de animais em extinção e barrar a poluição de rios no Rio Grande do Sul sofre com o menor número de efetivo dos últimos 10 anos.
Em 2018, quando se completam 20 anos da lei que tornou mais rígidas as penas a crimes ambientais, dados obtidos por GaúchaZH via Lei de Acesso à Informação mostram que o Comando Ambiental da Brigada Militar (CABM) tem 275 policiais. O número representa apenas 38% da tropa prevista, de 720 agentes, tendo como base as necessidades do ano de 2005 — estimativa oficial mais recente disponível.
O efetivo atual não chega nem perto do considerado ideal por autoridades da área e ex-comandantes do próprio batalhão, que projetam que seriam necessários para o pleno funcionamento do CABM pelo menos 1,2 mil agentes.
Em apenas cinco anos, 168 policiais deixaram o Comando Ambiental da Brigada Militar, uma baixa que faz a defasagem chegar aos 62%. A média de saída de agentes no período é de 34 a cada ano, quase três por mês.
O motivo encontrado para a baixa histórica no Comando, que é dividido em três batalhões com 38 quartéis espalhados por todas as regiões do Rio Grande do Sul, é a aposentadoria em massa de policiais. A incerteza sobre possíveis alterações previdenciárias para servidores públicos durante a gestão de José Ivo Sartori (MDB) impulsionou PMs a largarem a farda.
Além disso, em crise financeira, o governo do Estado preferiu investir os poucos recursos para focar no combate a latrocínios (roubos com morte), crime que em 2016 teve o maior registro dos últimos 15 anos e, desde então, vem apresentando redução.
O comandante do policiamento ambiental, coronel Vitor Hugo Cordeiro Konarzewski, reconhece que o número de policiais é tão baixo que sequer funções de rotina são superadas. Ele admite que "há locais do Estado em que se faz força-tarefa até para atender as demandas (cotidianas)".
— O problema do Comando Ambiental hoje é o problema da Brigada. A Brigada ao longo da história nunca esteve com um efetivo tão baixo. Então, é um lugar comum. E o governo sempre tem que escolher prioridades, se é combater homicídio e latrocínio, ou outras ações — afirma Konarzewski.
Com o número menor de policiais, menos patrulhas fiscalizam as áreas rurais e, por consequência, é reduzida a produtividade do batalhão em prisões e apreensões. Em 2011, quando mais de 400 agentes trabalhavam exclusivamente na fiscalização do meio ambiente, 537 pessoas foram presas pelo CABM. No ano passado, foram 354. A queda é de 34%.
Outros números do batalhão também demonstram que o menor efetivo está diretamente ligado a um menor índice de resultados de fiscalizações. Tendo como base os mesmos anos, 2011 e 2017, a apreensão de armas brancas pelo CABM diminuiu 60%, o de armas de fogo, 30%, e o número de termos circunstanciados assinados caiu 6%.
Konarzewski defende, no entanto, que o batalhão voltou suas forças a fiscalizar propriedades rurais. Somente até novembro de 2018, 5.150 sítios e fazendas foram vistoriados por policiais, mais do que que o dobro do fiscalizado em 2015. O comandante também afirma que desde que assumiu a unidade melhoraram os resultados deste índice, mas "curva já está na descendente por causa da perda de policiais".
Sem reforço
O problema é ainda pior para o combate aos crimes ambientais porque desde 2015 nenhum policial foi destacado para o CABM. O oficial responsável pelo comando tinha a esperança, em novembro, de receber efetivo com os 2 mil novos PMs formados no último concurso da BM. No entanto, o presidente da Associação dos Sargentos Subtenentes e Tenentes (ASSBM), Aparício Santellano, revela que foi cancelada a destinação de policiais:
— Estava previsto duas turmas irem lá pro CABM, inclusive eles têm estrutura operacional e de formação, sala de aula, campo de futebol. Não sei por que motivo, se eleitoreiro ou por questão de critério, não se destinou nenhuma turma dos soldados novos para lá — afirma.
O próprio CABM já foi informado de que não serão enviados novos agentes para a tropa. A definição, agora, ficará para o governo de Eduardo Leite (PSDB), já que os novos PMs se formarão em maio de 2019.
Um dos motivos para que não fosse confirmado o envio de novos policiais foi informado pelo próprio secretário Cezar Schirmer. O responsável pela segurança no Estado entende que não há como focar no combate aos crimes ambientais com a atual situação financeira.
— Na hierarquia das atividades da SSP, primeiro vida, depois patrimônio. Nessa hierarquia de prioridades, os crimes ambientais são importantes, mas não estão nas primeiras ações pelas quais existem a Brigada Militar. O novo efetivo distribuímos para cidades com grandes (índices de) homicídios e em pequenas cidades onde há muitos crimes contra patrimônio — pondera Schirmer.
Baixo efetivo preocupa
O Ministério Público (MP) vê com preocupação a queda de efetivo do Comando Ambiental. O coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, promotor Daniel Martini, afirma que a BM tem um papel "histórico e fundamental na defesa do meio ambiente".
De acordo com Martini, a defasagem do Comando Ambiental é amplamente percebida pelo MP, que trabalha em parceria com o órgão. O promotor diz que vem recebendo com frequência pedidos de promotores do Interior para impedir a extinção de quartéis do CABM. Segundo ele, ainda assim, o principal órgão a realizar a fiscalização de áreas rurais, rios e matas é a Brigada Militar.
— É claro que nós percebemos esse déficit, essa deficiência, mas ainda assim eu posso te afirmar com toda a segurança: hoje a principal instituição que exerce a fiscalização no dia a dia, em campo, a fiscalização ambiental, é o Comando Ambiental da Brigada Militar. O órgão ambiental estadual, a Fepam, tem todas as suas limitações porque não tem condições de exercer poder de polícia em todo o Estado, não tem a mínima condição — declara.
Os demais órgãos de fiscalização em nível estadual também apresentam números baixos de servidores. A Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam) conta com apenas nove servidores para a fiscalização. O Departamento de Biodiversidade (DBio), órgão ligado ao governo do Estado, tem três.
Já o Ibama no Rio Grande do Sul tem 31 funcionários exclusivos para a função. De acordo com a superintendente do Ibama no RS, Claudia Pereira da Costa, é comum os servidores do Estado serem chamados para atuar contra o desmatamento na Amazônia, diminuindo ainda mais seu efetivo.
Com equipamento, mas sem PMs
O responsável pelo Comando Ambiental da Brigada Militar diz que o órgão foi equipado nos últimos anos com tecnologia de ponta. Segundo Konarzewski, foram adquiridas recentemente 25 caminhonetes com tração nas quatro rodas, além de drones e fuzis. O material de ponta foi comprado a partir da destinação do fundo de recursos hídricos à Brigada Militar, que somou R$ 3,6 milhões somente em 2018.
O MP também costuma repassar as verbas arrecadadas com multas ambientais para o CABM. Com esse montante, já foram comprados barcos e decibelímetros — equipamentos utilizados para medir a poluição sonora, também de responsabilidade do Comando Ambiental.
— É muito comum promotores de Justiça destinarem recursos de termos de ajustamento de conduta, aquelas multas ambientais, indenizações, em parte para suprir a enorme deficiência da Brigada Militar. Só o Ministério Público não consegue suprir, infelizmente, a deficiência de pessoal. Esse é um problema grave, um problema crucial — critica Martini.