A condenação dos primeiros réus pelo ataque a três judeus, ocorrido há 13 anos, é considerada marco jurídico pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, que se tornou figura conhecida nos país por lutar contra a ditadura militar no Brasil. Na madrugada de 8 de maio de 2005, os três jovens foram atacados a facadas e socos na Cidade Baixa. Na quarta-feira à noite, foi proferida a sentença a Thiago Araújo da Silva, Fábio Roberto Sturm e Laureano Vieira Toscani. As condenações oscilaram de 12 anos e oito meses a 13 anos de prisão. Além deles, outros 11 réus ainda vão a julgamento. Confira trechos da entrevista com Krischke.
O que essa condenação significa?
Trabalhei neste caso desde o primeiro minuto com o delegado Paulo Jardim. Então, o conheço perfeitamente. É uma vitória, a condenação desses rapazes. Vitória da sociedade, porque este tipo de ideologia, se assim se pode dizer, que determina comportamento agressivo e antissocial dessas pessoas, é muito importante que sejam coibidos, punidos, para que desestimule outros mais. A condenação chega em momento oportuno, porque têm crescido os grupos de neonazistas no Brasil. Hoje, no Brasil, o número de sites que promovem essa ideologia já chega a mais de 23 mil. É incrível. E está especialmente atraindo pessoas jovens, ainda mais no panorama brasileiro de falta de emprego, especialmente para essa população. Essa condenação é justa e oportuna, que sirva de exemplo para os demais grupos.
Qual a importância do julgamento para a luta contra o racismo e a perseguição religiosa?Nós, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, fomos os primeiros a estabelecer luta contra uma editora neonazista que existiu em Porto Alegre, a chamada Editora Revisão. Ela começa na década de 1980 a publicar livros neonazistas. E começamos imediatamente a combatê-los e essa foi uma disputa que foi até o Supremo Tribunal Federal, que manteve a condenação ao editor e proprietário, Siegfried Ellwanger Castan, já falecido, e proibiu a publicação desses livros. Essa sentença foi a primeira na América Latina que condena a publicação de livros com esse viés neonazista. É muito interessante que ainda hoje, quando a polícia faz buscas, encontra livros dessa editora, que servem como inspiração ideológica para esse pessoal. Não basta condenar editoras — e é muito importante esse tipo de decisão — mas também criar sanções a aqueles que militam dessa forma.
Que lições ficam de caso?
Fica um marco jurídico, que certamente vai ajudar muito em futuros episódios, que gostaríamos que não acontecessem, mas inevitavelmente acontecerão. Em episódios semelhantes, já vamos ter o princípio de uma jurisprudência. Isso não se tinha. Havia conseguido outras condenações, mas não por agressão física. Nada de crime contra a pessoa. Havia conseguido, por exemplo, contra um grupo de rock chamado Zurzir. Esses grupos neonazistas, para atrair militantes, se utilizam de da música, do rock pesado. O grupo gravou um CD e, entre tantas músicas, tinha uma com o título 88, que significa Heil Hitler. Esse número, 88, é muito usado. E as letras dessas músicas são absolutamente racistas, pregando a supremacia branca. Esse caso que tivemos a condenação agora é por violência física, de crime contra a pessoa e um atentado. A partir de agora, temos condenação, e é pesada, contra pessoas que cometeram crime por motivação racista, antissemita. Então, é um marco. Até então, não tínhamos nenhuma sanção junto ao Judiciário sobre esse tipo de comportamento. Se houver um próximo caso, temos antecedente. Isso é fundamental.
A condenação dos três réus ocorreu 13 anos após o caso. Como avalia essa demora?
A sentença chega muito tempo depois do episódio. Demorou muito. Claro que o número de réus é grande. No nosso rito, os prazos, em caso de muitos réus, vão se prolongando. E tenho muito medo, porque sempre digo: "justiça que tarda é injustiça". Demorou demais. Gostaria que fosse em tempo muitíssimo menor, que houvesse essa sanção, que acabou acontecendo porque, nesse período, muitos jovens certamente imaginaram: "A gente pode fazer, que não dá nada". E acabou dando. É importante que tenha acontecido (a condenação), lamento muito a demora. Mas a justiça tem de ser mais célere sob pena de se tornar injustiça. Mas deu, funcionou.