Na tarde de quarta-feira (4), dois funcionários de uma empresa de segurança percorriam a BR-290, quando, no km 58, em Glorinha, a correia do carro estragou. Era necessário um guincho para retirar o Corsa empenhado do local.
Gelson Pinto e Mauro da Silva tentaram acionar o interfone em um recuo da rodovia. Sem sucesso, telefonaram para um serviço privado que levou uma hora para chegar e cobrou R$ 150. Foi um dos primeiros impactos que o encerramento do contrato com a Concepa deve provocar nos usuários — durante a concessão, o socorro levaria 11 minutos.
— O pedágio precisa ser cobrado para termos manutenção e assistência quando precisarmos. Já utilizamos algumas vezes, foi rápido. Dessa vez, ficamos na mão — reclamou Mauro.
À meia-noite de terça-feira, o convênio chegou ao fim porque a Concepa negou o adiamento emergencial proposto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) devido à queda no preço dos pedágios.
Motoristas comemoram a interrupção da cobrança e a consequente economia na viagem, mas a saída da empresa já causa incertezas sobre os serviços prestados e a manutenção da estrada.
Pelos cálculos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), são necessários R$ 40 milhões para custeá-la, garantir a segurança e a iluminação das praças de pedágio e operar o vão móvel da ponte do Guaíba durante os próximos sete meses. O governo federal prevê que nova concessionária chegará à estrada em fevereiro de 2019, em contrato que abrange também as BRs 101, 386 e 448.
— É uma situação bastante peculiar, uma rodovia cedida voltar para o órgão. Estamos buscando a estrutura necessária para manter os níveis de qualidade e segurança, mas alguns serviços prestados pela concessionária param de funcionar, como o atendimento de ambulâncias e guincho. Em contrapartida, a cobrança de pedágio fica suspensa — resumiu Allan Machado, superintendente do Dnit no Estado.
Na autarquia, o principal impasse está no orçamento mirrado. Nos últimos anos, os valores repassados pela União vêm caindo significativamente, levando inclusive à paralisação de obras. Hoje, essa verba não existe.
Por isso, o departamento busca repasse extra do governo federal. Em Brasília, o Palácio do Planalto sinalizou positivamente, mas ainda sem apresentar garantias. É um montante expressivo — mais de 13% de toda a verba destinada para manter rodovias federais no Estado em 2018 e 80% do orçamento destinado à nova ponte do Guaíba no ano.
— Não há mais orçamento. Sem suplementação, será inviável — admitiu um servidor da autarquia.
Com o suporte, o Dnit pretende lançar licitação para os consertos emergenciais na BR-290. Em paralelo, contratou uma empresa para operar o vão móvel, em Porto Alegre. O primeiro dia, porém, foi marcado por imprecisões — o departamento anunciou que o serviço seria às 13h, mas ocorreu somente às 14h15min.
Fim da concessão gera apreensão em prefeitos
Habituados a um serviço privado em uma rodovia classificada como "ótima" em pesquisas da Confederação Nacional do Transporte (CNT), usuários irão se deparar com as carências do atendimento público. A Concepa mantinha disponíveis quatro ambulâncias e 11 guinchos para operar de Eldorado do Sul a Osório. Agora, o trabalho será da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) dos municípios.
— As pessoas terão de se acostumar com a demora no atendimento de ocorrências — afirmou um agente da PRF.
Entre as sete cidades cortadas pelo antigo trecho concedido da BR-290, há temor sobre a sobrecarga do Samu. O serviço médico de Gravataí, por exemplo, terá de se dividir entre os acidentes na rodovia e na deficitária RS-118. O receio ainda passa pela queda na receita dos municípios. Devido ao pedágio, oito cidades recebiam o Imposto Sobre Serviços (ISS) — no ano passado, R$ 13,6 milhões foram divididos entre Cachoeirinha, Eldorado do Sul, Glorinha, Gravataí, Guaíba, Osório, Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre.
— É um caos para os municipios no que se refere ao desemprego, à assistência à saúde e ao retorno dos buracos. Já atendemos de forma precária a nossa população, como conseguiremos atender acidentes ao longo de toda a rodovia? — questionou o prefeito de Santo Antônio da Patrulha, Daiçon Maciel da Silva, que planeja ingressar na Justiça com outros municípios.
No primeiro dia de contrato rompido, o clima era de despedida na Concepa. Cerca de 400 funcionários serão demitidos, e os avisos-prévios já começaram a ser assinados. O cenário de adeus refletia-se também na rodovia — placas de pedágio tiveram os valores tapados, cancelas permaneceram abertas e cabines ficaram abandonadas. Pelo telefone de atendimento, o usuário desavisado ouvia uma nova mensagem: "O contrato da Triunfo Concepa foi concluído. Por isso, não estamos mais prestando serviços no trecho rodoviário que administrávamos no Rio Grande do Sul".
Efeito cascata
Com o fim do pedágio, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) decidiu reduzir entre R$ 0,20 e R$ 0,62 o valor das passagens de ônibus intermunicipal. Os novos valores de 200 linhas administradas por 11 empresas entram em vigor no final de semana.