Enquanto o Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina analisa o relatório final do inquérito da Polícia Federal (PF) que indiciou 23 pessoas dentro da investigação batizada de Ouvidos Moucos, a reportagem vai esmiuçar nos próximos dias os detalhes da participação dos seis principais suspeitos de comandarem as supostas fraudes na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Não há prazo para que o MPF decida se acolherá na íntegra, parcialmente ou rejeitará os indiciamentos da PF.
As supostas lideranças atuavam, segundo a PF, no eixo da investigação que envolve recursos de bolsas pagas pelo Ministério da Educação (MEC) para profissionais do Ensino a Distância (EaD) e no eixo que envolve recursos do MEC pra custeio de atividades do EaD, em contratos via fundações de apoio.
Eles são desde professores até ex-docentes da universidade, servidores da instituição e funcionários de fundações de apoio que atuam dentro da UFSC. Os suspeitos seriam responsáveis por gerir pagamentos de bolsas e despesas de custeio relativos à criação, desenvolvimento e manutenção de cursos de EaD. O destaque dado aos envolvidos deriva da relevância do papel ocupado no esquema, segundo a PF, e os crimes pelos quais foram indiciados.
Nesta quarta-feira (2), a reportagem vai detalhar as suspeitas que recaem sobre Gilberto de Oliveira Moritz, professor da UFSC impedido de entrar no campus desde setembro do ano passado por determinação judicial, e seu sobrinho, Roberto Moritz da Nova, funcionário celetista da Fundação de Amparo à Pesquisa Universitária (Fapeu), que atuava no EaD.
Gilberto de Oliveira Moritz, coordenador do Lab Gestão
Apesar de estar impedido de entrar na UFSC desde setembro do ano passado, Gilberto de Oliveira Moritz ainda aparece no site do Lab Gestão como coordenador do laboratório ligado ao curso de administração, que ele chefia desde 2013. Indiciados pelos crimes de peculato, concussão e lavagem de dinheiro, Gilberto é professor da UFSC desde 1974.
No relatório, a Polícia Federal diz que Gilberto repartia esses recursos entre membros do grupo investigado, na forma de bolsas, muitas delas por serviços nunca prestados. Também alega que Gilberto concedia gratificações ilegais para uma funcionária do laboratório, e comandava o esquema de bolsas fictícias para beneficiar a si próprio e a terceiros.
O relatório afirma ainda que Gilberto era quem comandava o esquema recorrente de pagamento só da metade do valor das bolsas, o que é irregular. E que teria ainda participado da abertura de uma empresa fantasma para se apropriar de recursos dos projetos mediante produção de notas frias. Para sustentar as acusações, a PF lista indícios como uma conversa em que a funcionária supostamente beneficiada, Denise Bunn, menciona o esquema com o marido:
A PF relata que Gilberto também recebia de volta metade dos valores das bolsas pagas pelo MEC a professores do Ensino a Distância. Sob a justificativa de que faltavam recursos, professores eram cobrados a devolver parte das bolsas que recebiam:
Para comprovar a suspeita de que Gilberto participou da abertura de uma empresa fantasma para se apropriar de recursos de projetos, o relatório da PF aponta a empresa de serviços gráficos em nome de uma parente, Andreza de Moraes. Um documento comprova o cadastro da conta pessoal de Gilberto como favorecido para receber transferências da empresa acima do limite diário permitido pelo banco, dias depois da empresa ser aberta. Outro comprovante ainda demonstra pagamento de bolsa Capes feitos por Andreza, que não tem nenhuma ligação com a universidade.
Contraponto
A defesa de Gilberto Moritz não quis se manifestar.
Roberto Moritz da Nova, funcionário da Fapeu
O relatório da Polícia Federal também destaca a participação do sobrinho de um sobrinho de Gilberto, que tem ligação com a UFSC, e chama-se Roberto Moritz da Nova, funcionário contratado via CLT pela Fapeu. Roberto foi indiciado pelos crimes de concussão, que é exigir vantagem indevida, lavagem de dinheiro, organização criminosa e utilização indevida de acesso restrito.
De acordo com o relatório final da PF, Roberto era o braço operacional e financeiro do grupo indiciado. Ele controlava, de forma paralela, as bolsas concedidas irregularmente, assim como cedia a conta bancária da esposa, Andreza de Moraes, e da empresa de serviços gráficos aberta em nome dela, para movimentar recursos provenientes de bolsas irregulares e serviços fictícios.
Para sustentar as acusações, a PF lista indícios como este e-mail em que Roberto cobra de um professor a devolução de parte do valor da bolsa paga pelo MEC.
Ele indica a conta do coordenador do curso, que está na lista dos indiciados agora. E ainda diz: "Peço a gentileza do amigo de informar quando efetuar a transferência, para que eu possa baixar esse valor em minha planilha".
A prática é proibida pelo MEC, mas nessa conversa com um dos professores cobrados, Roberto diz:
Na lista de provas anexadas pela PF ao inquérito, ainda consta um extrato da conta da empresa de serviços gráficos aberta em nome da esposa de Roberto. O documento mostra a entrada de um valor pago pela Fepese, fundação de apoio da UFSC, e no mesmo dia, a saída do valor, em transferências para a esposa de Roberto e até para um funcionário do Lab Gestão.
Roberto chegou a ser preso temporariamente durante as investigações, em setembro do ano passado, e segue impedido de Justiça de acessar à universidade.
Contraponto
A defesa de Roberto Moritz da Nova também não quis se manifestar.