A investigação que apontou indícios de diversas irregularidades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) chegou ainda no começo de julho ao gabinete da juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal de SC, em Florianópolis. Desde então, foram quase dois meses analisando os pedidos de prisão e buscas feitos pela Polícia Federal (PF) e referendados pelo Ministério Público Federal (MPF), até assinar o despacho que deu respaldo legal para sete prisões temporárias, incluindo a do reitor Luiz Carlos Cancellier, cinco conduções coercitivas e diversas buscas e apreensões no dia 14 de setembro, quando a PF deflagrou a Operação Ouvidos Moucos.
Ausente do gabinete desde terça-feira (12) por motivos de saúde, a magistrada conversou com a reportagem do jornal Diário Catarinense e não escondeu a surpresa e o descontentamento com a decisão, assinada pela juíza que a substituiu nos dias de licença, Marjôrie Freiberger — da Vara Ambiental da JFSC, de liberar os presos temporários um dia após a operação no campus da UFSC na Capital.
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Sobre o principal argumento apresentado pela delegada Erika Marena, da PF, para as prisões, citando a possibilidade de obstrução das investigações, a juíza foi taxativa:
— Se há risco de interferência na investigação, é uma conclusão a mim lógica. Existe. Tanto que esse foi um dos fundamentos para a minha decisão.
Por meio da assessoria de imprensa da Justiça Federal de SC, a juíza Marjôrie Friberger, citada na entrevista, informou que não iria se manifestar.
A partir de que momento a Justiça Federal toma conhecimento da investigação da operação Ouvidos Moucos, iniciada em 2014, e começa a analisar os autos do inquérito?
A Justiça toma ciência da investigação na data que o procedimento é apresentado. Neste caso, foi dia 5 de julho (de 2017). Além do pedido específico da Polícia Federal que fundamenta os pedidos de prisão e buscas, que tem quase 130 páginas, são cerca de 15 ou 16 anexos que compõem o inquérito policial e são consultados de acordo com o que é citado no documento principal.
Quanto tempo a senhora demorou para analisar esses documentos e como foi esse processo?
O procedimento foi encaminhado pela PF com sigilo número 5, então apenas eu tinha acesso aos autos. Eu abri acesso para outros dois servidores da 1ª Vara que me ajudaram a analisar as informações. Como o documento era da PF, também solicitei um posicionamento do Ministério Público Federal, como de praxe, por ser uma das partes que investigam. Demorei um pouco mais de 50 dias até assinar o despacho que determinou as prisões temporárias e buscas e apreensões, incluído no sistema eletrônico no dia 28 de agosto. A partir dessa data, a PF e o MPF são informados e se preparam para realizar a operação de fato.
A PF notificou a senhora da data da deflagração da operação?
Eu soube na quarta-feira (13) que a operação seria deflagrada, não me recordo do horário. Mas a PF não é obrigada a avisar o juiz. Eles têm autonomia para realizar a operação, pois já tinham os mandados de prisões e buscas em mãos.
São 55 dias desde a data de entrada do pedido da PF até o despacho em que a senhora aceita os argumentos apontados na investigação. A senhora acredita que esse foi um tempo razoável para analisar um inquérito que tem quase 1000 páginas, além de vídeos e outros dados?
O tempo que se levou para construir essa decisão e analisar todos os pedidos e provas documentadas no inquérito eu entendo como sendo razoável. Foi o mínimo necessário daquilo que eu vejo como um período de maturação da decisão, que não pode ser feita de um dia para o outro.
Houve um debate sobre a necessidade das prisões temporárias, principalmente por envolverem um reitor de universidade. Quais provas a senhora considerou para determinar essas prisões?
Eu tenho uma limitação legal sobre comentários sobre o processo. Os elementos que eu levei em consideração são aqueles que estão na decisão, que está aberta. Faço um paralelo entre os argumentos o que estabelecem a Constituição e a Lei Processual Penal, pois eu estou tratando da restrição da liberdade, que é o direito de ir e vir. A prisão temporária é uma medida que eu entendi como adequada nesse caso concreto. Os motivos estão na minha decisão.
A sua decisão, e também os posicionamentos da PF e do MPF, que são os órgãos investigadores da operação, apontam que há fortes indícios de interferência na auditoria interna na UFSC que apurava irregularidades no pagamento de bolsas do programa de Ensino à Distância (EaD). Um desses indícios é um ofício do reitor em que ele avoca o procedimento que está sob a responsabilidade da Corregedoria-Geral. Além disso, a PF argumenta que as prisões temporárias evitariam possíveis constrangimentos ou assédio a professores e servidores que ainda iriam prestar depoimento, além do risco de destruição de provas. Com a soltura dos presos no dia seguinte à operação, a Justiça Federal tem como garantir que não ocorrerão todos os riscos levantados pela PF e pelo MPF, que inclusive se manifestaram na sexta-feira pela manutenção das prisões?
Eu entendi pela decretação e determinação das prisão temporária de cinco dias, podendo ser prorrogada. Se há risco de interferência na investigação, é uma conclusão a mim lógica. Existe. Tanto que esse foi um dos fundamentos para a minha decisão. Cada magistrado tem a sua leitura de acordo com os documentos que analisa. Mas é possível a renovação de medidas, assim como é possível a revogação, se entendermos que a situação se justifica. Tanto a PF quanto o MPF podem renovar pedidos. Não há como prever, mas existe um mecanismo processual à disposição.
A senhora estava de licença médica entre quarta-feira e domingo, então foi substituída pela juíza Marjôrie Freiberger em quase toda a semana passada. Houve algum tipo de conversa com ela antes de a magistrada determinar a soltura dos presos temporários, apesar das manifestações da PF e do MPF por manter as prisões?
Eu não dialogo com colega a respeito de decisão que eu tenha que prolatar. Há um princípio da independência, eu ainda não atuo em corte, onde existe um colegiado. A regra é não ter diálogo, até para manter a independência do juiz que está julgando o caso.
É normal um juiz que está substituindo em um período curto, de três dias, devido a uma licença médica, decidir algo tão importante como a soltura de prisões temporárias em um inquérito longo e delicado como esse?
Decidir de maneira contrária ao MPF e à PF é algo normal. Pelo prazo e pelo tempo, eu não conseguiria tomar uma medida como essa. Isso é uma postura minha. O magistrado tem independência para isso. A colega analisou. Ela entendeu dessa maneira e que havia urgência.
Apesar da senhora estar de licença, ainda assim determinou na quinta-feira a quebra de sigilo de alguns documentos do processo sobre a investigação na UFSC, como o despacho determinando as prisões e buscas. A senhora acompanhou o andamento do processo no dia seguinte, quando a juíza Marjôrie Freiberger decidiu pelo relaxamento das prisões temporárias?
Na terça-feira (12), participei de uma audiência com o rosto inchado e problemas de saúde, então tirei licença média nos dias seguintes. Fui avisada da operação na quarta-feira. No dia seguinte, o da deflagração da operação, apenas acessei o sistema processual para retirar o sigilo sobre o decisão que já tinha sido minha. Isso é comum na Justiça. A partir daí, me informei sobre o caso apenas através da imprensa. Só soube da soltura dos presos lendo o jornal impresso no sábado de manhã.
A senhora ficou surpresa quando soube da liberação dos presos?
Sim. Estou na Vara Criminal desde outubro do ano passado e foi a primeira vez que vi uma decisão ser feita dessa forma.
Quais os próximos passos desse processo sobre os desvios de verba para bolsas de Ensino à Distância (EaD) na UFSC ?
Eu cheguei agora (às 14h30 de segunda-feira, 18) na Vara e vou analisar os documentos anexados desde a quarta-feira e aguardar os procedimentos regimentais normais. O MPF e a PF têm 90 dias, a contar da assinatura da minha decisão em 28 de agosto, para se manifestarem sobre as buscas e apreensões realizadas na UFSC. Quando fizerem isso, vou analisar.