Cinco anos depois do fim dos contratos com as concessionárias privadas, o debate em torno dos pedágios segue longe do consenso no Rio Grande do Sul. Criada pelo governo do Estado para ocupar o vácuo deixado pelas antigas administradoras e atender aos anseios por obras nunca executadas, a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) ostenta finanças em dia e estrutura enxuta, mas patina para dar conta das demandas represadas.
Desde que começou a operar, em 2013, a estatal fez reparos em 2.085 quilômetros de asfalto – média de 417 por ano, em uma malha de 908. Concluiu acessos, travessias urbanas e obras em pontes, mas só duplicou 4,2 quilômetros.
O início dessa história remonta à década de 1990, quando o então governador Antônio Britto (à época no PMDB) concedeu sete polos. Nos 15 anos seguintes, o negócio motivou debates políticos históricos – a começar pela campanha de 1998, quando, no auge do embate, Olívio Dutra (PT) venceu a eleição com o slogan “Britto é o pedágio, Olívio é o caminho”.
Os anos passaram e a controvérsia nunca cessou, nem quando Tarso Genro (PT), à frente do Piratini entre 2011 e 2014, decidiu acabar com as concessões e criar a EGR. A nova era teve início com a extinção da praça de Farroupilha, na Serra. Desde então, a estatal assumiu três postos comunitários e herdou 11 estruturas da iniciativa privada. Surgiu com a promessa de baixar tarifas, ser ágil e capaz de aplicar 85% da receita em obras. A redução dos valores aconteceu, mas a mudança não foi o que se esperava.
– Havia esperança de melhora, porque as concessionárias deixaram muito a desejar, mas logo veio a decepção – recorda Giovane Wickert (PSB), prefeito de Venâncio Aires, sede de uma das praças.
Duelo de versões entre gestões atual e anterior
Sem estrutura, a EGR começou do zero. No início, apelou a contratos emergenciais para tapar buracos e conter reclamações.
– Após 15 anos de concessões problemáticas, as pessoas achavam que tínhamos de resolver tudo da noite para o dia. Não foi fácil – lembra o ex-presidente da empresa Luiz Carlos Bertotto.
De lá para cá, a estatal investiu R$ 485,6 milhões nas estradas. A soma corresponde a 57,4% da arrecadação líquida no período, o que, para o Sindicato das Empresas de Transporte de Carga e Logística no Estado (Setcergs), é pouco.
– As concessionárias aplicavam cerca de 30%. Como a EGR teria imunidade tributária, esperávamos, no mínimo, 80%. Isso nunca ocorreu. Resultado é péssimo – conclui Frank Woodhead, vice-presidente de Logística do Setcergs.
Mesmo onde a EGR acaba de entregar a maior obra de sua história, há críticas. Em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, representantes da comunidade querem a volta dos pedágios privados para dar continuidade à duplicação da RS-287.
Secretário de Infraestrutura e Logística na gestão do PT, João Victor Domingues diz que o plano para atender as demandas incluía buscar verba no BNDES e parcerias público-privadas. Tarso foi derrotado por José Ivo Sartori (MDB), a EGR foi mantida, mas a ideia não vingou.
– Com a mudança de governo, a EGR foi enfraquecida. Sartori assumiu pensando em privatizar. Extinguiu o controle social, adotou uma gestão conservadora e não deu sequência ao nosso plano de modernização. As pessoas têm razão em reclamar – sustenta Domingues.
À frente da EGR desde 2015, Nelson Lidio Nunes rebate. Alega ter recebido a empresa com tarifas desatualizadas, planejamento deficiente e excessiva interferência ideológica, o que, na avaliação dele, prejudicava a administração.
O percentual de investimentos, segundo Nunes, foi limitado pela defasagem dos preços nos pedágios. Mesmo assim, o índice vem crescendo: no primeiro trimestre do ano, superou 70% da receita. Com o aumento das tarifas em setembro de 2017, o executivo projeta crescimento nos aportes. Para 2018, o compromisso do presidente da estatal é aplicar ao menos R$ 180 milhões em obras, mais do que nos anos anteriores:
– Só não temos resultados melhores devido às ações equivocadas do governo passado.
Sabemos que há muito por fazer, mas obra boa é a que começa e termina. Conseguimos economizar nas licitações e sabemos exatamente que intervenção precisa ser feita a cada quilômetro. Quem vier depois de nós, vai receber a empresa com saldo em caixa e planejamento.
A EGR
-Começou assumindo, no início de 2013, três praças comunitárias do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
-Depois, entre junho e dezembro de 2013, herdou 11 praças de cobrança antes geridas pelas concessionárias privadas.
-Desde sua criação, a principal fonte de receita é a arrecadação com pedágios, cujos valores são investidos nas rodovias nas quais são arrecadados.
- Os serviços e as obras da EGR são feitos por empresas terceirizadas, contratadas por licitação.
Tarifas x Infraestrutura
- Quando a EGR assumiu as 11 praças herdadas da iniciativa privada, em 2013, as tarifas de pedágio foram reduzidas a patamares de 2007, o que foi comemorado pelos usuários.
- Até 2017, não houve reajuste, mas isso restringiu a capacidade de obras, frustrando expectativas (especialmente por duplicações).
-Com defasagem média de 81% nos valores cobrados (considerando a redução e a variação do IPCA no período), a companhia decidiu, então, elevar em 34,6% os valores cobrados em setembro de 2017.
-Desde então, na maioria das praças, a tarifa básica para veículos de passeio é de R$ 7. O valor mais baixo da tarifa básica para veículos de passeio é de R$ 3,25, na praça da RS-239, em Campo Bom. O mais alto é cobrado nos postos de Três Coroas (RS-115), Gramado e São Francisco de Paula (ambos na RS-235): R$ 7,90.
- Em 2018, isso deve representar incremento de R$ 50 milhões na arrecadação anual, mas, ainda assim, o ganho não é suficiente para garantir as obras reivindicadas.
-A título de exemplo, o custo médio para duplicar um quilômetro de rodovia, segundo a EGR, é de R$ 5 milhões. Com o valor extra seria possível duplicar 10 quilômetros.
Principais obras concluídas pela EGR em cinco anos de atuação
Travessia urbana em Santa Cruz
Construção de viaduto e duplicação de 4,2 quilômetros no trevo da cidade, na RS-287, começou em 2015 e foi concluída em maio deste ano.
Custo total: R$ 27,5 milhões
Recuperação da RS-115
Dois trechos entre Gramado e Três Coroas foram reconstruídos após rompimentos causados por temporal, em 2015. A recuperação foi finalizada em maio de 2016.
Custo total: R$ 14 milhões
Restauração em ponte sobre o Rio Caí
Em Bom Princípio (RS-122), a ponte foi recuperada em 2015, após quase dois anos de interdição.
Custo total: R$ 3,5 milhões
Ponte em Candelária
Obra emergencial de construção de travessia na RS-287, entre os municípios de Candelária e Novo Cabrais, foi inaugurada no ano passado.
Custo total: R$ 706 mil
Ciclovia em Rolante
Com 3,6 quilômetros, a via para ciclistas foi construída em 2015, na RS-239, e bancada com recursos do pedágio de Campo Bom.
Custo total: R$ 1,8 milhão
Novos trevos de acesso
Entre 2014 e 2017, foram feitas obras em Boa Vista do Sul (R$ 898,6 mil), Capela de Santana (R$ 859,9 mil), Encantado (R$ 2,52 milhões), Novo Cabrais (R$ 831 mil) e Westfália (R$ 648,6 mil).
Obras licitadas, prestes a começar
Viaduto na RS-040 com RS-118
Início da obra previsto pela EGR até primeira quinzena de junho.
Custo total: R$ 16 milhões
Duplicação de 2,6 quilômetros da RS-239
Obra entre o entroncamento da RS-020 e Arroio Tucanos, em Taquara, com início previsto para os próximos dias.
Custo total: R$ 10,1 milhões
Obras reivindicadas
Duplicações
A demanda inclui rodovias como: RS-115 (Taquara-Três Coroas), RS-287 (Tabaí-Paraíso do Sul) e RS-122 (Flores da Cunha-Caxias do Sul). A EGR estima que só o trabalho na RS-287 custaria R$ 500 milhões.
Recuperação total da RS-287
Estrutura da via em trecho de 150 quilômetros entre Tabaí e Paraíso do Sul precisa ser refeita do zero para reduzir gasto de manutenção. Custaria R$ 150 milhões.
Instalação de passarelas
Municípios solicitam novas travessias em áreas urbanas, entre os quais Sapiranga (edital foi lançado em março), Campo Bom e Parobé. Custo estimado: R$ 1 milhão por passarela.
Restauração total da RS-135
A recuperação estrutural dos 78,3 quilômetros entre Passo Fundo e Erechim é considerada urgente pela EGR. Seriam necessários pelo menos R$ 55 milhões.