Na tentativa de desarticular a greve dos caminhoneiros, o gabinete de crise – grupo de trabalho que trata de assuntos relacionados à manifestação – partiu para ações mais enérgicas no Rio Grande do Sul nesta quarta-feira (30). O chefe da Casa Militar e coordenador do grupo, coronel Alexandre Martins, declarou que o uso da força seria aumentado gradativamente, medida percebida logo pela manhã na Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas, na Região Metropolitana.
Por todo o Estado, caminhoneiros iniciaram a desmobilização dos pontos de concentração. Também começaram a ser utilizados os corredores de segurança, eixos rodoviários que garantem o tráfego de caminhoneiros que não querem ficar parados nas margens das estradas.
Três trajetos foram elencados como prioritários, todos interligando Capital e Interior: Porto Alegre-Jaguarão, pela BR-116; Porto Alegre-Passo Fundo, pela BR-386; e Porto Alegre-Uruguaiana, pela BR-290. Conforme o Comando Militar do Sul, aproximadamente 400 caminhões aderiram aos corredores nesses três eixos.
Entre domingo e o começo da tarde desta quarta-feira, a Brigada Militar e os Bombeiros escoltaram 887 veículos, sendo 504 de combustíveis, 147 de ração, 114 de alimentos, 67 de gás, oito de grãos, entre outros materiais e insumos. No total, 106 municípios gaúchos foram atendidos. Em Porto Alegre, 86 cargas foram transportadas.
Conforme o general Carlos José Penteado, chefe do Centro de Coordenação de Operações do Comando Militar do Sul, com as cidades reabastecidas se espera que os menores municípios do Interior também passem a receber combustível e demais produtos.
Na prática, os comboios do Exército passam pelos pontos de concentração de caminhoneiros e os motoristas que desejam voltar ao trabalho se misturam aos veículos oficiais. Em pontos estratégicos, como trevos e áreas urbanas, há reforços de viaturas estacionadas da BM ou da Polícia Rodoviária Federal.
— Estamos atuando com mobilização total, será possível ver isso em todos os Estados do Sul. Ocupamos a frente da distribuidora de Canoas para entrada e saída dos caminhões. Nossa obrigação é fazer isso andar. A obrigação dos caminhoneiros, que tiveram diversas reivindicações atendidas, é voltar a rodar — detalha o general.
São 13 mil homens do Exército e forças de segurança estadual e federal agindo em parceria nos três Estados do Sul. Segundo o general, o Exército decidiu por uma ação mais incisiva após 10 dias de greve por perceber pessoas de fora do movimento dos caminhoneiros envolvidas:
— Há limite para tudo. Estamos vendo gente que está se aproveitando de uma situação inicialmente lícita, legal e necessária, mas que agora está se encaminhando para uma crise na garantia da lei e da ordem, e isso não iremos permitir.
Nessas ações estavam depositadas as esperanças de atacadista como Hermes Bitencourt, comerciante da Ceasa de Porto Alegre que espera desde terça-feira da semana passada a chegada de dois caminhões carregados com alho, ambos trancados em um dos bloqueios feitos pelos caminhoneiros. Estacionados em São Borja, na Fronteira Oeste, os veículos transportam 50 mil quilos do alimento colhido na província de Mendoza, na Argentina. As tratativas para fazer o alimento chegar a Porto Alegre começaram nos primeiros dias de paralisação, diretamente com as duas transportadoras, uma brasileira e outra argentina.
— Disseram que não podiam fazer nada, que se os motoristas tentassem furar o bloqueio, haveria risco de agressão, de os caminhões serem apedrejados, de incendiarem a carga, de tomarem tiro. Há pessoas ruins infiltradas, por isso está todo mundo em pânico, atordoado — argumentou.
Martins explica que, inicialmente, foram elencadas prioridades para deslocar as escoltas. Havia uma força-tarefa concentrada em combustíveis e insumos hospitalares, mas, com o fortalecimento da greve, a atuação foi ampliada para todos os segmentos. Porém, relata o militar, nem todos os caminhoneiros estão dispostos a deixar os locais de concentração, mesmo com a presença de escolta.
— Chegam pedidos de empresas dizendo que seus caminhoneiros querem deixar o movimento, mas que estão com medo de sair sem escolta. Então deslocamos as viaturas até lá, mas eles se negam a sair. Dizem que está bom e que vão ficar. Quando a gente vai ver, aquela situação relatada de pressão não se configura. Para a gente atuar, é preciso colaboração deles. É preciso querer deixar o movimento — explicou.
O presidente dos atacadistas da Ceasa de Porto Alegre, Sérgio Di Salvo, perdeu 10 mil quilos de pimentão, carga avaliada em R$ 20 mil e que estava retida em Ponta Grossa, no Paraná. Outros três caminhões, que juntos somam 45 mil quilos de tomate, também estavam bloqueados até a tarde desta quarta, em Tubarão (SC). Esses três carregamentos custaram R$ 100 mil.
— Não sei a quantidade perdida de tomate, mas se não chegar em dois dias vou perder 100% — disse.
Carregados em São Paulo no primeiro dia da greve, os três caminhões deveriam ter chegado em Porto Alegre na quarta-feira da semana passada.
— Os meus motoristas estão sendo ameaçados. Se autorizar, eles saem do bloqueio, mas é perigoso. Precisava de uma escolta que tirasses eles daquele miolo e os colocasse para rodar — comentou.
Os prejuízos para o atacadista Guilherme Gehlen podem passar de R$ 2 milhões. Ele tinha dois caminhões frigoríficos parados em Tio Hugo, na Região Norte, e em Três Cachoeiras, no Litoral Norte, ambos carregados com carne vinda de São Paulo e Santa Catarina. Os veículos deveriam ter chegado a Porto Alegre no máximo terça-feira da semana passada.
— Está no limite do consumo. Vou ver a qualidade da carne quando chegar aqui. Já pedi para os motoristas não abrirem os baús para não perder temperatura — comentou.