Conhecida como Estrada da Produção, responsável por escoar do noroeste gaúcho em direção a Porto Alegre grande parcela da produção agropecuária do Estado, a BR-386 teve uma manhã atípica nesta quarta-feira (30), mesmo diante dos sinais de arrefecimento da greve dos caminhoneiros.
Habituada ao fluxo intenso de veículos pesados, a via propiciava momentos de solidão por longos percursos, tamanha a ausência de tráfego. Até mesmo os carros particulares eram escassos em um trecho de cerca de 300 quilômetros entre Canoas e Carazinho, percorrido pela reportagem ao longo de quatro horas, das 7h às 11h desta quarta-feira.
A greve dos caminhoneiros, contudo, mostrou sua força em pontos de paralisação em Nova Santa Rita, Estrela, Lajeado, São José do Herval, Soledade e Tio Hugo. Em todos estes municípios, havia concentrações de caminhões, homens e mulheres, e muitas faixas pedindo "intervenção militar já". Em outras localidades, como Mormaço, indicativos de batida em retirada: restaram só os cones no meio das duas faixas de rolamento e uma faixa de protestos com os dizeres "por um Brasil melhor".
Não havia bloqueios. Em Nova Santa Rita e Estrela, os raríssimos condutores ainda recebiam acenos para aderir ao movimento, estivessem eles em veículos de passeio ou de carga. Uma loja de caminhões em Estrela, na margem da BR-386, anunciava que o pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro tem "a cura" para o Brasil. Também nesta cidade, no ponto de paralisação, os manifestantes contavam com equipe própria de segurança, que se comunicavam via rádios.
Os piquetes mais numerosos estavam em São José do Herval, Soledade e Tio Hugo. Todas elas com mais de uma centena de caminhões e máquinas agrícolas de grande porte estacionadas às margens da Estrada da Produção, em meio às faixas reivindicatórias, slogans contra a corrupção e desejos de intervenção militar.
Em São Jose do Herval e Tio Hugo, era notória a retenção de dezenas de caminhões carregados de botijões de gás de cozinha (GLP). O clima era pacífico. Em diversas localizações, montes de borracha derretida, produto de pneus incendiados, ainda fumegavam.
Ao contrário da sensação de presença do Estado causada pela ação conjunta entre Comando Militar do Sul, Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Brigada Militar na BR-285, que escoltou caminhoneiros que queriam voltar a trabalhar em segurança, a presença de policiamento na BR-386 era praticamente nula na manhã desta quarta. Nas quatro horas de percurso, a reportagem avistou apenas duas viaturas da Polícia Rodoviária Estadual — uma estacionada em Tabaí e a outra em Estrela, ambas em frente a piquetes, com os policiais em absoluta minoria de força —, além de um veículo da PRF que estava em deslocamento na altura de Lajeado, mas trafegando sem fazer escolta.
A rodovia corta diversas cidades de produção rural, mas que são desenvolvidas economicamente e que contam com meios urbanos. Exemplo disso é Lajeado. Nesta cidade, pequenos grupos de jovens vestindo calças e casacos jeans, de posturas mais metropolitanas, distintos da simplicidade dos caminhoneiros e agricultores, se concentravam em alguns pontos, com carros particulares. Um desses coletivos queimava pneus no trecho de Lajeado da BR-386. São retratos de uma greve que começou pela mão dos caminhoneiros e ganhou adesão de diversos outros setores da sociedade, o que acarretou mudanças em boa parte das pautas originais da categoria.