Maior programa habitacional da história do país, o Minha Casa Minha Vida é também uma usina de problemas, compatíveis com seu gigantismo. Duas auditorias divulgadas no ano passado pela Controladoria-Geral da União (CGU), vinculada ao Ministério da Transparência, apontaram uma série de irregularidades.
A principal ocorre antes mesmo da ocupação dos prédios por parte dos mutuários: são os defeitos construtivos. Em segundo lugar, concluiu o órgão do governo federal, está a revenda ilegal dos imóveis.
Ambas as situações já tinham sido objeto de reportagem de Zero Hora, em 2015, na série Minha Casa Minha Fraude. Nova averiguação, feita na última terça-feira (6), comprovou: três anos depois, as irregularidades continuam. Uma situação preocupante diante do anúncio, feito na quinta-feira (8) pelo ministro das Cidades, Alexandre Baldy, de que a meta do Minha Casa Minha Vida para 2018 é contratar 650 mil novas unidades.
Uma das análises da CGU, feita em 2015 em construções das faixas 2 e 3 do programa – que atendem famílias com renda de bruta de até R$ 4 mil, na 2, ou de até R$ 7 mil, na 3 – apontou falhas estruturais em obras ainda dentro do prazo de garantia em 56,4% das unidades visitadas no país.
Outra vistoria, em residências construídas com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), voltadas à população com renda de até R$ 1,8 mil (faixa 1) e cujos beneficiários são sorteados pelo poder público, apontou que 48,9% tinham erros construtivos.
No grupo das unidades direcionadas a famílias de maior poder aquisitivo (faixas 2 e 3), foram auditados 77 condomínios que englobam, ao todo, 1.472 unidades habitacionais em 12 Estados – Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. São imóveis financiados com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Os principais problemas identificados nos empreendimentos das faixas 2 e 3 são infiltrações (46% dos imóveis visitados), imperfeições no piso (35%) e falta de prumo e de esquadros (32%). Os técnicos da CGU ainda detectaram incorreções em instalações elétricas (19%), hidráulicas (17%) e sanitárias (11%), trincas (23%) e vazamentos (24%). Com relação à área externa das edificações, 18% dos beneficiários informaram problemas com alagamento, 11%, com iluminação deficiente e 10%, defeitos na pavimentação.
A auditoria em imóveis da modalidade FAR, destinados a famílias de baixa renda, analisou 195 condomínios em 110 municípios de 20 Estados, entre os quais o Rio Grande do Sul. Conforme a CGU, os resultados dessa amostra se aplicam a um universo total de 688 imóveis.
Em quase metade das avaliações, realizadas entre janeiro de 2012 e fevereiro de 2014, apareceram divergências entre o que estava projetado e o que foi executado pelas construtoras. As falhas mais frequentes foram trincas e fissuras (30,8%), infiltrações (29%), vazamentos (17,6%) e defeitos de cobertura (12,3%). Em alguns casos, as residências apresentavam mais de um problema.
Maioria aprova moradias
Conforme a Caixa Econômica Federal, que gerencia os recursos do programa habitacional, a maioria das falhas foi saneada pelas empreiteiras. Elas têm obrigação de providenciar assistência e reparos dentro do prazo de garantia previsto no Código Civil, de cinco anos. Até por isso, 79% dos moradores de imóveis das faixas 2 e 3 ouvidos pela controladoria disseram-se satisfeitos com as moradias apesar dos problemas encontrados.
Embora elogie a iniciativa, a CGU constata que o número de unidades entregues “não resultou em redução efetiva do déficit habitacional, mas contribuiu para conter seu avanço”. Os auditores afirmam que a estratégia adotada no planejamento das alocações de recursos entre as regiões sofreu desfiguração ao longo da implementação do programa, “o que gerou resultados positivos em alguns Estados e insatisfatórios em outros, de acordo com as metas estipuladas”.
AVALIAÇÃO DA CGU NO PAÍS
Na modalidade FAR
Unidades habitacionais construídas com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), destinadas a famílias indicadas pelo poder público e que tenham renda bruta mensal de até R$ 1,8 mil (faixa 1).
- Em 48,9% dos empreendimentos havia problemas de construção. O relatório da CGU não traz o detalhamento de quais das unidades vistoriadas apresentavam defeitos, mas informa que, em alguns casos, um mesmo local apresentou mais de uma incorreção.
- As principais falhas verificadas foram trincas ou fissuras (30,8% dos prédios), infiltração (29%), vazamentos (17,6%) e imperfeições na cobertura (12,3%).
- A CGU também cruzou informações do total de beneficiários (186.271) até agosto de 2012 com dados do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam).
- O cruzamento mostrou que 4.253 dos mutuários (2,28%) tinham mais de um automóvel registrado.
- Ao verificar quantos possuíam carros no valor acima de R$ 20 mil, considerado pelo órgão como incompatível com a faixa de renda da modalidade FAR, foram identificados 1.258 beneficiários (0,7%) nessa condição. Índice de inconsistência baixo frente à amplitude do programa, ressaltou a CGU no relatório.
- Seis beneficiários tinham patrimônio acima de R$ 100 mil. Desses, dois tinham quatro veículos e um, seis carros.
- Avaliação por amostragem em 254 imóveis verificou que 23 estavam ocupados por pessoas que não atendiam aos critérios de seleção do programa.
Nas faixas 2 e 3
Imóveis financiados com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), destinados a famílias com renda bruta de até R$ 4 mil (faixa 2) ou de até R$ 7 mil (faixa 3)
- 56,4% dos imóveis avaliados apresentaram falhas estruturais antes do término do prazo de garantia das obras.
- Os principais problemas identificados foram infiltrações (46% dos imóveis visitados), imperfeições no piso (35%) e falta de prumo e de esquadros (32%).
-Nessa auditoria, a CGU fez uma lista detalhando os problemas encontrados em cada local vistoriado. Confira os do Rio Grande do Sul.
PORTO ALEGRE
Empreendimento Cascais
Avenida Manoel Elias, 505, bairro Passo das Pedras – Construtora Goldfarb
Problemas: Falta de adaptação dos espaços para pessoas com dificuldades de locomoção, deteriorações antes do término da garantia dos imóveis, venda ou aluguel de residências, ligações clandestinas de luz (gatos), possível incompatibilidade entre renda de mutuários e os critérios do programa.
Edifício Porto Guaíba
Avenida Baltazar de Oliveira Garcia, 2.396, bairro Costa e Silva – Construtora MRV
Problemas: Moradores que residem em algumas unidades não são os mutuários que assinaram os contratos. Exigência de valores extracontratuais para venda das unidades por parte da construtora (a prática é vedada por lei e pode inviabilizar a inclusão de potenciais mutuários no Minha Casa Minha Vida, pois o público-alvo almejado é de baixa renda). Relato de deterioração antes do término da garantia em sete dos 10 imóveis analisados pelos auditores da CGU.
Porto Planalto
Rua Tenente Ary Tarragô, 2.080, bairro Jardim Itu – Construtora MRV
Problemas: Alguns moradores não são os mesmos que assinaram contratos. Atraso na execução, em relação ao prazo da obra. Dificuldades na manutenção do esgoto, devido ao projeto da construção, e defeitos construtivos. Unidades vazias e ofertadas para venda ou aluguel. Exigência de valores extracontratuais para venda das unidades por parte da construtora.
SAPUCAIA DO SUL
Condomínio Porto de Alexandria (módulo I)
Avenida Senador Lúcio Bittencourt, 1.410, bairro Kurashiki – Construtora MRV
Problemas: Existência de unidades sem moradores e disponibilizadas para venda ou aluguel. Casos de inadimplência. Área de lazer em desacordo com o previsto no projeto. Problemas construtivos que acarretaram em deterioração
de unidades antes do término da garantia.
CANOAS
Recanto do Sol
Rua João Wobetto, s/n – Construtora Bolognesi
Problemas: Unidades vazias e ofertadas para venda ou aluguel. Impossibilidade de entrevistas com mutuários e inadimplência. Inconsistência nos contratos. Nenhum dos problemas apontados envolve a construtora.