Os dois principais serviços de saúde criados a partir da tragédia na boate Kiss — e que passaram a ajudar vítimas de catástrofes no Brasil e no mundo — só se tornaram possíveis a partir da assinatura de um termo de compromisso entre Ministério da Saúde, Secretaria Estadual da Saúde e prefeitura de Santa Maria. Até agora, o documento garantiu continuidade ao atendimento aos envolvidos na catástrofe, mas está prestes a vencer e, por enquanto, não há definição sobre o futuro.
O prazo expira em 22 de fevereiro, e o risco de que os serviços possam ser afetados preocupa a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia (AVTSM). A entidade aprova o trabalho das equipes do Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes (Ciava), no Hospital Universitário de Santa Maria, e do Acolhe Saúde, mantido pela prefeitura.
— O ciclo de cinco anos está chegando ao fim, mas por hipótese alguma passa pela nossa cabeça deixar que tudo termine. Os profissionais são muito bons e têm uma bagagem que não pode se perder. A gente quer no mínimo mais cinco anos — diz o vice-presidente da entidade, Flávio Silva.
Em outubro passado, o grupo gestor responsável pelas ações decorrentes da catástrofe esteve em Brasília e pediu ao Conselho Nacional de Saúde para que reivindicasse a prorrogação do termo. A medida foi aprovada, mas a questão não avançou.
Por meio de nota, a assessoria de comunicação do Ministério da Saúde informou que a pactuação inicial foi cumprida, pois "o objetivo era prestar a assistência imediata e especializada aos queimados, o que efetivamente já aconteceu".
Ainda segundo a nota, que não deixa claro se haverá a repactuação, "os termos envolvidos na atenção às vítimas e seus familiares (...) já integram o rol de serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o Brasil, incluindo o município de Santa Maria". Por fim, o ministério diz que "a decisão de manter os dois serviços de saúde criados a partir da tragédia compete às secretarias estadual e municipal de Saúde".
Procurada por GaúchaZH, a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Saúde afirmou que "a questão está sendo tratada pela 4ª Coordenadoria Regional de Saúde e ainda não foi concluída".
No Ciava, a coordenadora Marisa Bastos Pereira disse que, mesmo sem a renovação do termo, o órgão continuará funcionando. O objetivo, no futuro, é transformar a iniciativa em um centro de reabilitação capaz de abranger todo o Estado.
— Ainda temos muito a fazer — resume Marisa.
Prefeito de Santa Maria promete manter Acolhe Saúde
Quanto ao Acolhe Saúde, o programa vive um momento de impasse. Nos últimos anos, o número de atendimentos vem caindo — de 6,4 mil em 2013 para 1,7 mil em 2017 — e hoje o serviço é voltado exclusivamente a 135 vítimas diretas ou indiretas da boate, ao contrário do Ciava, que ampliou o escopo.
Especialistas avaliam que a redução na procura é normal nesses casos, em parte porque o tratamento psicológico é marcado por "altos e baixos" e, em parte, porque o objetivo final do serviço deve ser a recuperação dos pacientes — eles precisam, afinal, retomar suas vidas.
— Temos de pensar na perspectiva de que esses dispositivos específicos precisam, um dia, deixar de existir ou mudar. A questão é como e quando. Cada situação vai dizer isso — avalia o psicólogo Sérgio Rossi, de Mariana (MG).
Assumi o compromisso com os familiares de que manteria o serviço mesmo que tivesse de cortar recursos de outras áreas.
JORGE POZZOBOM
Prefeito de Santa Maria
Atualmente, seis funcionários atuam no local. Os contratos temporários se encerram em fevereiro, e um concurso público foi realizado no ano passado para suprir as vagas. Ciente da situação, o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), promete dar continuidade à iniciativa ainda que o termo de compromisso com União e Estado não seja renovado, mas diz que fará mudanças. A primeira delas é transferir o programa para um imóvel próprio e convidar a associação de familiares a se instalar no local, que ainda precisa de reforma.
— Assumi o compromisso com os familiares de que manteria o serviço mesmo que tivesse de cortar recursos de outras áreas. Vou cumprir a promessa. O tratamento não vai parar — garante Pozzobom.
O prefeito diz que irá convocar os concursados aos poucos, à medida que as finanças municipais permitirem. Enquanto não puder completar o time, promete realocar profissionais de outras áreas da Secretaria Municipal da Saúde para dar conta da demanda.
Outra medida prevista, segundo a coordenadora da Atenção Psicossocial de Santa Maria, Cláudia Pinto Malhado Melo, é ampliar as possibilidades de atendimento:
— Entendemos que a estrutura pode e deve abrir as portas para outras vítimas de traumas, mas tudo isso será conversado com a associação. Estamos trabalhando juntos.
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