A tragédia da boate Kiss, que causou a morte de 242 pessoas em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, motivou mudanças na legislação de prevenção a incêndios. Não foi a primeira vez que um desastre fez com que o Brasil repensasse suas leis. Confira a seguir.
Gran Circus Norte-Americano
Em 17 de dezembro de 1961, em Niterói (RJ), uma vingança tramada após uma demissão levou a um incêndio no qual morreram 503 pessoas. O circo pegou fogo durante um espetáculo visto por 2,5 mil pessoas. Muitas crianças morreram.
O que mudou: A legislação não foi alterada, mas o trauma ficou na memória de Niterói, que não recebeu nenhum outro circo por 14 anos. A lei de segurança contra incêndios no Rio de Janeiro só foi implementada em 1976.
Edifício Andraus
Em 24 de fevereiro de 1972, o prédio da Avenida São João, em São Paulo (SP), pegou fogo devido à sobrecarga no sistema elétrico causada por um luminoso de propaganda. Dezesseis pessoas morreram e 330 ficaram feridas. A companhia de luz já havia enviado cartas aos donos do prédio, advertindo sobre o perigo. Foi a primeira tragédia transmitida ao vivo pela televisão brasileira – as cenas de pessoas se jogando das janelas chocaram o mundo. Só não houve mais mortos porque 500 pessoas foram resgatadas pelo heliporto, no terraço.
O que mudou: A tragédia do Andraus abriu as discussões sobre as normas de segurança, mas foi só depois do incêndio no Edifício Joelma, em 1974 (leia abaixo), que a lei mudou.
Edifício Joelma
Em 1º de fevereiro de 1974, 191 pessoas morreram e 300 ficaram feridas quando o prédio da Avenida Nove de Julho, em São Paulo (SP), pegou fogo devido a um curto-circuito no sistema de ar-condicionado. Os ocupantes lembraram do Andraus e correram para o terraço, mas, no Joelma, não havia heliporto. O registro das caixas d’água, que poderiam ter contribuído para extinguir as chamas, estava fechado.
O que mudou: Era o segundo grande incêndio em dois anos, o que o tornou emblemático para a mudança na legislação em São Paulo. Seis dias após a tragédia, o prefeito Miguel Colasuonno publicou um decreto com normas específicas para a segurança dos edifícios. Além de ter hidrantes e extintores, os prédios foram obrigados a construir escadas de segurança, instalar alarme e iluminação de emergência. Paredes externas deveriam ser construídas com material à prova de fogo. Pela primeira vez ficou proibida a construção de coberturas com material combustível, a não ser em camada de impermeabilização. Também inéditas eram as normas para a localização dos hidrantes e sua compatibilidade com as mangueiras dos bombeiros e a implementação do sistema de chuveiros automáticos (sprinklers). O uso de madeira só seria permitido, a partir de então, nos corrimões. O decreto ainda seria ampliado e se tornaria lei um ano depois.
Bateau Mouche IV
Em 31 de dezembro de 1988, o barco Bateau Mouche levava 142 pessoas para assistir aos fogos de artifício da virada do ano no Rio de Janeiro (RJ). Às 23h50min, virou em frente à Praia Vermelha. Afundou 20 minutos depois, causando a morte de 55 pessoas. Além da superlotação, causou o incidente o estado precário da embarcação, que tinha seis furos no casco.
O que mudou: A tragédia virou símbolo de impunidade no Brasil. Nos dois processos criminais resultantes das investigações, duas pessoas foram condenadas, mas fugiram para o Exterior. Em compensação, assinalam especialistas, o rigor na fiscalização de embarcações aumentou.
Voo Gol 1907
Em 29 de setembro de 2006, o Boeing 737 seguia de Manaus para o Rio de Janeiro, com escala em Brasília, quando foi atingido no ar por um jato Legacy e caiu na Serra do Cachimbo (MT). Todas as 154 pessoas a bordo morreram. O jato pousou em segurança.
O que mudou: O acidente escancarou carências no treinamento de controladores de voo e problemas de infraestrutura nos aeroportos brasileiros. Uma grave crise se instaurou no sistema de aviação civil do Brasil. Foi criada a CPI do Apagão Aéreo no Congresso. Mesmo assim, mudanças profundas só seriam feitas após outra tragédia aérea: o acidente com o avião da TAM (leia abaixo).
Voo TAM 3054
Em 17 de julho de 2007, menos de um ano depois do acidente com o voo da Gol, 199 pessoas morreram em outro desastre aéreo. Fabricado pela Airbus, o avião que fora de Porto Alegre a São Paulo não conseguiu frear na pista de Congonhas e chocou-se contra o deposito da TAM Cargo.
O que mudou: Para sair da crise, a aviação brasileira passou por uma revolução. As companhias aéreas mudaram processos. A Airbus reviu estruturas de alerta na cabine em caso de problemas em instrumentos de pouso. Houve várias mudanças em procedimentos nos aeroportos, no treinamento dos pilotos e na manutenção da pista.
Mariana
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos de mineração controlada pela Samarco arrastou um volume de lama estimado em pelo menos 34 milhões de metros cúbicos. Os rejeitos chegaram ao Rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. No total, a lama percorreu 663 km até encontrar o mar, em Regência (ES). Ambientalistas consideraram que o efeito dos rejeitos no mar continuará por pelo menos mais cem anos, sem contar os efeitos causados pelo desequilíbrio ecológico em terra. Dezoito pessoas morreram.
O que mudou: O maior desastre ambiental do Brasil não foi suficiente para levar a mudanças significativas no licenciamento e na fiscalização de barragens do país. Projetos de lei que aumentavam o rigor foram arquivados. Continuam a faltar critérios objetivos na legislação para que se defina o que é uma barragem segura. Tampouco algo mudou na fiscalização. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) continua com número insuficiente de técnicos.