O caos nas prisões gaúchas tem ganhado novos e preocupantes capítulos a cada dia. Desta vez, foi a Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA) de Canoas que mobilizou a abertura de uma sindicância e uma reunião de emergência na manhã desta quarta-feira após dois presos passarem a noite algemados ao corrimão da rampa de acesso ao local, dormindo na calçada do lado de fora do prédio. A entrada deles na delegacia havia gerado protesto dos demais detidos por causa da superlotação e condições precárias a que estavam submetidos.
Na tarde de terça-feira, o local, que comporta 8 presos (duas em cada uma das quatro celas), estava abrigando 19 pessoas, além de outros três na sala de triagem. Alguns deles já estavam há mais de 10 dias na delegacia. Para agravar ainda mais a situação, no início da manhã de quarta-feira, um terceiro detido que chegou ao local teve também que permanecer algemado na calçada.
Leia mais:
Presos em delegacia de Canoas planejavam render policial e fugir em massa
Da superlotação em cadeias a van da Brigada depredada, entenda o caos prisional do RS
Com cadeias já superlotadas, país tem 564 mil mandados de prisão em aberto
Os três só foram encaminhados para dentro da delegacia por volta das 9h de quarta-feira, quando Brigada Militar, Polícia Civil e a segurança do município se reuniram para buscar uma solução.
De acordo com o delegado regional substituto da 2ª Delegacia de Polícia Regional Metropolitana (DPRM) em Canoas, Rosalino Seara, na reunião foram discutidas estratégias para conter a superlotação, além de outras questões relacionadas à segurança da região.
O delegado afirmou que as medidas a serem tomadas serão mantidas em sigilo, mas que, durante a reunião, já haviam conseguido pelo menos uma vaga em uma casa prisional.
– A Polícia Civil está sofrendo com as consequências de um problema maior, que é a falta de vagas nos presídios. O que tem acontecido é que, quando está superlotado, os presos ficam em viaturas – afirmou Seara.
O delegado Marcos Machado, que estava de plantão durante a madrugada, explicou que o primeiro dos detidos a ficar na rua chegou na delegacia por volta das 17h de terça, e o segundo pouco antes da meia-noite. Ambos tinham condenações por tráfico de drogas e homicídio e estavam foragidos do sistema prisional. O terceiro, que chegou durante a manhã, também era foragido.
Eles ficaram, inicialmente sob custódia da Brigada Militar dentro das viaturas, mas, segundo informações preliminares, teriam pedido para saírem dos veículos devido ao calor e às más condições.
Após as imagens dos detentos presos ao corrimão serem divulgadas, o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, determinou, na manhã de quarta-feira ao Comando-Geral da Brigada Militar e à Chefia da Polícia Civil, a abertura de uma sindicância para apurar responsabilidades dos servidores que os deixaram naquela situação.
Em nota, Schirmer disse que este tipo de conduta por parte de agentes públicos é inadmissível e que a SSP vem "tomando todas as medidas para minimizar o problema da superlotação das carceragens das delegacias".
Superlotação não é novidade na delegacia
De acordo com funcionários da delegacia, a superlotação no local e a manutenção de presos no corrimão ou em micro-ônibus e viaturas não é uma novidade. Na última semana, pelo menos dez presos tiveram de dormir em um veículo estacionado em frente à delegacia, além de outros que também foram algemados na calçada.
O delegado Seara explicou que, quando as celas estão lotadas, os detidos que chegam são levados a uma sala de triagem, que dispõe de uma barra de ferro à qual ficam algemados. É somente quando esta também está cheia que as demais medidas, como a manutenção deles em viaturas ou do lado de fora da delegacia, são tomadas.
O agravamento da situação da delegacia de Canoas nas últimas semanas fez com que o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Ricardo Breier, enviasse um ofício o governador do Estado, José Ivo Sartori, cobrando providências imediatas para que os presos mantidos irregularmente no local sejam transferidos com urgência.
O documento foi redigido após a Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto (CDH) da entidade realizar uma inspeção na delegacia, na última quarta-feira:
– Os detidos estavam em condições terríveis, sub-humanas. Além da superlotação, estavam sem acesso a banho, com comida que vem do presídio e muitas vezes chega azeda. É para eles ficarem até 24 horas nas celas das delegacias, mas alguns estavam ali há mais de 10 dias – explicou a coordenadora geral da CDH, Neusa Rolim Bastos.
De acordo com Neusa, pelo menos três detidos estavam com problemas de saúde e sem condições de higiene, em uma situação que colocava em risco não só eles, como os servidores da delegacia:
– Não estamos agindo assim para passar a mão na cabeça dos detidos, mas sim para que eles possam cumprir devidamente as suas penas conforme a previsão da lei de execução penal e para que tenham condições de retornar ao meio. Da forma como estão sendo tratados, teremos verdadeiros monstros convivendo com nossos familiares – concluiu.
A OAB afirmou que, até a manhã desta quarta-feira, não havia recebido um retorno do governo do Estado em relação ao ofício.
Situação se repete na Região Metropolitana
As condições precárias com que os integrantes da CDH depararam na delegacia de Canoas fez com que ampliassem, ainda na semana passada, o número de vistorias. Até a última sexta-feira, o grupo havia apurado as condições de outras delegacias da cidade, além de Porto Alegre, Gravataí, Alvorada e Viamão. De acordo com a entidade, a situação é ainda mais grave nas demais cidades da Região Metropolitana.
Se na Capital foram identificados 27 presos de forma irregular, nas demais foram registrados 77 presos. O diretor do Departamento de Execução Penal da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Ângelo Carneiro, reconhece que o problema é generalizado, mas acredita que medidas a serem tomadas ainda neste mês devem aliviar a superlotação das delegacias.
É que está prevista, ainda para o segundo semestre de fevereiro, a inauguração do primeiro de quatro centros de triagem para onde os detidos poderão ser encaminhados inicialmente:
– Lá teremos celas com banheiro e uma estrutura melhor para que os detidos permaneçam antes de ir ao estabelecimento prisional. Somente neste primeiro centro, serão 83 vagas oferecidas.
Carneiro explica, ainda, que o grande problema enfrentado atualmente pelo setor é o fato de que o número de presos não acompanha a abertura de vagas. Hoje, o Estado possui 104 estabelecimentos prisionais, sendo 23 deles interditados por questões estruturais ou de superlotação.
– Conseguimos abrir uma média de duas a três vagas nos estabelecimentos prisionais por dia, mas isso não é o suficiente, pois o número de presos é muito maior. Estamos encaminhando os presos em no máximo 10 dias, mas já há um acúmulo que não estamos conseguindo superar.
Atualmente, explica Carneiro, a média diária é de mais de cem presos mantidos em delegacias da Região Metropolitana.