O desafio está lançado: a prefeitura de Santa Maria terá de correr contra o tempo, cumprir com todos os prazos e contar com a sorte para colocar em pé, ainda neste ano, o concurso público para a contratação de médicos à rede pública. A constatação vem de dentro do próprio Executivo, que sabe que há muito a fazer em pouco tempo para, assim, viabilizar o certame, proposto pela Secretaria de Saúde.
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A prefeitura quer oferecer, ao menos, 25 vagas para médico, e outras para demais funções como agente comunitário de saúde, farmacêutico, nutricionista, psicólogo e técnico em enfermagem. Contudo, há, basicamente, dois entraves às pretensões da secretária de Saúde, Vania Olivo.
O primeiro é o tempo hábil para montar o edital, com os termos do concurso e a contratação da empresa. E, por fim, ainda há restrição quanto à homologação dos aprovados, isso porque estamos em ano eleitoral. No cenário ideal, a prefeitura quer divulgar a licitação até meados de setembro e, na sequência, aplicar a prova.
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Mas se a situação já é complicada, ainda há margem para se agravar mais. Na tarde desta terça-feira, integrantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) estiveram reunidos com o Ministério Público (MP) para expor a versão da categoria quanto ao cumprimento da carga horária médica nas unidades de saúde (leia mais abaixo). Os profissionais não descartam pedidos de demissão em massa, muito em decorrência da adoção do ponto eletrônico, que passa a valer em 1º de julho. Em meio a tudo isso, a prefeitura adianta que já tem concluído o termo de referência para o concurso.
A Secretaria de Gestão e Modernização Administrativa chegou a dizer, na manhã desta terça, que não tinha conhecimento do concurso. À tarde, a versão mudou, e a pasta informou que já trabalha com a Secretaria de Saúde para preparar a seleção. A tendência é que as vagas prevejam 20 horas semanais de carga horária com remuneração equivalente: R$ 4.310,44 (para trabalhar em pronto-atendimentos) e R$ 3.088,38 (para postos de saúde). Os aprovados poderão, futuramente, pedir acréscimo na carga horária, o que impacta em aumento dos salários.
Mudança de rumos
Um mês atrás, a secretária Vania Olivo propôs a redução da carga horária trabalhada pelos médicos sem alterar o salário. Mas a prefeitura não quis comprar a ideia da secretária devido ao desgaste que isso traria à gestão. Vania alegou, à época, que a medida seria uma forma de manter os médicos nos postos.
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O Executivo optou por um caminho que não lhe causasse mal-estar com os demais servidores. Mesmo que o concurso de agora não tenha salários atrativos, no entendimento da categoria médica, o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) reconhece que, em concursos anteriores, houve baixa procura, muito em função da remuneração:
– Nos três concursos anteriores, a procura sempre foi menor do que imaginávamos. Mas quando alguém faz um concurso, sabe a carga horária a cumprir e o salário a receber.
Se mais médicos pedirem demissão agora, a secretaria pretende fazer contratações emergenciais para não deixar os postos e PAs sem médicos.
SECMP investiga o caso dos médicos e diz que não vai intervir em negociações
Por 1h20min, Maria Rita de Assis Brasil, vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), junto do vice-presidente do Sindicato dos Médicos de Santa Maria (Sindomed), João Carlos Veronese Rodrigues e da assessoria jurídica do Simers, reuniram-se, na tarde desta terça-feira, com o promotor Fernando Chequim Barros, na sede do Ministério Público Estadual em Santa Maria.
O encontro, pedido pela entidade médica, expôs a crise da saúde e a polêmica jornada de trabalho dos profissionais na prefeitura de Santa Maria. Maria Rita enfatizou que as pactuações que organizam as cargas horárias são históricas e não são uma particularidade do município de Santa Maria. No entanto, a secretária de Saúde, Vania Olivo, nega veementemente que haja qualquer tipo de acordo, seja verbal ou formal, para que os médicos não batam ponto e trabalhem menos.
Ainda, de acordo com a vice do Simers, é preciso pactuar o exercício da medicina e a valorização, tanto das condições de trabalho, quanto da carga horária. Com isso, a categoria propõe uma mesa de negociação que passe pela Câmara de Vereadores e seja encaminhada à prefeitura, não descartando o desligamento de outros médicos.
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– Nós queremos uma repactuação e, sim, há possibilidade concreta de exonerações – afirmou Maria Rita.
Conforme o promotor, durante o encontro, o sindicato falou da complexidade e do impasse histórico acerca das contratações que envolvem a categoria. Contudo, segundo o promotor, mesmo que o MP esteja disposto a acompanhar o caso e participar de eventuais debates, não irá participar diretamente de uma decisão administrativa.
– Quero o cumprimento da carga horária, seja 20, 30 ou 40 horas e que o município fiscalize. A promotoria entende que a solução é entre a prefeitura e os médicos. O MP, que atua como fiscal dessa política de saúde e da administração pública, deve agir de forma isenta – disse.
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Este mês, após médicos serem flagrados pela reportagem da RBS TV Santa Maria deixando o local de trabalho antes da hora, o MP abriu investigação para apurar denúncias de que esses profissionais estariam trabalhando menos do que a jornada prevista nos postos de saúde, o que pode ser caracterizado como improbidade administrativa ou infração penal.
Obstáculos na abertura do concurso para médicos
A prefeitura terá de superar alguns obstáculos para realizar o processo seletivo. O primeiro é internamente, já que o certame leva, pelo menos, um mês para tramitar dentro do próprio Executivo. E depois de publicar o edital para selecionar a empresa que organizará o concurso "estiver na rua", a prefeitura ainda precisa torcer para que tudo dê certo. Ou seja, que nenhum interessado questione os termos do edital, o que é comum acontecer e acaba por impugnar todo o processo.
Se isso não ocorrer, a prefeitura, então, terá escolhido a empresa que realizará o concurso. Após conhecida a vencedora, ela deve levar, em média, de 30 a 45 dias, para fazer o edital com os termos do certame.
Depois, mais uma fase: abrir o prazo de inscrição, o que consome mais um mês. Então, vem a marcação da prova e, posterior a isso, a homologação dos aprovados (se algum participante não questionar o resultado do certame). Tudo isso não deve se concretizar antes de dezembro. Mas se der certo, a prefeitura tem outra situação a observar: a homologação dos aprovados. Os servidores aprovados não poderão ser nomeados no período que vai de três meses antes das eleição, dia 2 de julho de 2016, até a posse dos eleitos, dia 1º de janeiro de 2017. Ou seja, eles assumirão somente no ano que vem. Se a prefeitura for exitosa em sua empreitada, ela tentará pedir em caráter emergencial a nomeação dos aprovados ainda em 2016. Caberá a análise aos órgãos de controle, como o MP e o TCE, decidir. O Executivo alegará o caráter essencial do serviço.
Prefeitura já contabiliza 31 exonerações desde 2010
A Secretaria de Saúde lida com uma realidade preocupante: o crescente pedido de demissões dos médicos. De 2010 até agora, foram 26 admissões e 31 exonerações (seja por pedido, por demissão ou casos de morte). Em 2016, dois pediram demissão. O último concurso para a contratação desses profissionais foi em 2014, quando, à época, foram contratados 18 médicos, sendo que, no mesmo ano, 11 profissionais foram exonerados.