Durou cerca de dez horas a reunião da comissão especial do impeachment no Senado nesta segunda-feira, quando foram ouvidos três especialistas a favor do impedimento da presidente Dilma Rousseff. Ao longo de todo o dia, o clima de tensão levou a alguns episódios de discussões acaloradas e até bate-boca entre senadores.
Foi o caso de uma discussão entre os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Lindbergh Farias (PT-RJ) no momento em que Caiado leu uma reportagem que informava que o governo estaria apagando informações importantes dos computadores do Palácio do Planalto para que um eventual governo de Michel Temer não tivesse acesso a elas.
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Lindbergh chamou o senador e a notícia de mentirosos o que provocou reação de Caiado.
– Vamos lá para fora, seu merda – disse o senador goiano já de pé.
Após a intervenção de colegas, os dois retomaram seus lugares e a reunião continuou. Ao fim dos trabalhos, senadores governistas reafirmaram suas convicções de que, apesar das reiteradas afirmações dos convidados de que a prática de pedaladas fiscais e edição de decretos de liberação de créditos sem autorização do Congresso configuram crime de responsabilidade fiscal, eles acreditam que não há motivos para o impeachment de Dilma Rousseff.
– A primeira vez que se analisa as relações com os bancos públicos e a primeira vez que se analisa os decretos de suplementação, o Tribunal de Contas já pede a punição máxima e, a partir disso, abre espaço para que se peça o impeachment da presidente da República para tentar justificar. Quero lamentar o que vivemos no país hoje – disse a senadora Gleisi Hoffmann.
Convidados defendem impeachment
Os três convidados – o promotor do Ministério Público no Tribunal de Contas da União, Julio Marcelo Oliveira; o advogado Fábio Medina Osório e o professor do Departamento de Direito Econômico-Financeiro e Tributário da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Conti – reiteraram, no entanto, suas convicções de que a presidente deve ser afastada.
Júlio Marcelo de Oliveira afirmou que o governo praticou "fraude fiscal" e "contabilidade destrutiva" ao atrasar transferências do Tesouro Nacional a bancos públicos referente à equalização de taxas de juros de programas sociais subvencionados. Segundo ele, governo usou os bancos como um "cheque especial". Eles, explicou o procurador, faziam pagamentos sem terem recebido os repasses da União, o que configuraria empréstimo. Oliveira admitiu que não houve nenhuma antecipação de recursos em 2015.
– Em 2015 o Governo não deveu mais à Caixa. Esse foi um recurso utilizado em 2013 e 2014. Em relação à Caixa Econômica Federal, em 2015, não há o registro de utilização da Caixa como cheque especial – disse.
Ele ponderou, contudo, que a dívida do governo federal com os bancos públicos só foi quitada no final de 2015.
– Na minha visão, o governo não pagou antes porque queria executar outras despesas para as quais não tinha dinheiro e incorreu numa ilegalidade gravíssima. Um dos pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal é impedir que o ente controlador utilize sua instituição financeira como fonte de recursos para despesas primárias – disse.
Também favorável à tese de que Dilma cometeu crime de responsabilidade, o advogado Fábio Medina Osório sustentou que os senadores são soberanos no processo de impeachment e podem levar em consideração "o conjunto da obra" e a má gestão pública quando justificarem seus votos. O processo em sua opinião tem natureza não só jurídica, mas política também.
– Não basta ser honesto para comandar um país das dimensões do Brasil, tem que ser minimamente eficiente também – defendeu.
Já o professor Maurício Conti salientou que a Lei de Responsabilidade Fiscal permitiu um grande avanço em matéria de finanças públicas, obrigando os administradores a manter uma gestão fiscal responsável. Porém, segundo ele, esse avanço começou a retroceder nos últimos anos, especialmente a partir do final de 2012, quando surgiram de forma mais intensa notícias a respeito de "maquiagem" nas contas públicas federais.
Em resposta a uma pergunta do relator, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), ele criticou as práticas de mudanças nas regras de cálculo de superávit, que tiveram o objetivo de garantir resultados fiscais superficialmente melhores. Segundo ele, essa alteração da meta não deveria retroagir:
– Não tenho dúvidas de entender que a meta vigente é a meta vigente na ocasião da abertura dos decretos. Porque a lei autorizou abrir decretos de acordo com a meta. Que meta? A que estava vigente quando foram abertos os decretos. Não vejo como pode ser uma interpretação de forma diferente dessa – avaliou.
Próxima etapa
Nesta terça-feira, a partir das 10h, a comissão ouvirá especialistas indicados pela bancada governista. Falarão Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, professor de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; Ricardo Lodi Ribeiro, professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); e Marcello Lavenère, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um dos signatários do pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.
*Zero Hora com agências