Infiltrações em rolamentos de uma frota recém-adquirida por R$ 242,6 milhões estão por trás do recall dos 15 trens novos da Trensurb, que retirou todos de circulação assim que o defeito foi identificado. Essa é a segunda vez, em pouco mais de um ano e meio, que os mesmos carros ficam estacionados no pátio da empresa. A primeira, em abril do ano passado, foi motivada por um descarrilamento das composições, que começaram as operações comerciais em setembro de 2014.
O diretor de operações da Trensurb, Carlos Belolli, explica que o problema está na vedação e fixação das câmaras que abrigam os rolamentos dos truques. Técnicos da empresa flagraram água dentro dos rodeiros, o que acendeu o alerta de que outros trens poderiam estar com o mesmo defeito. Por isso, houve a necessidade de retirá-los de circulação.
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– Essas câmaras têm tampas para evitar que água entre em contato com a graxa dos rolamentos. Mas, por algum motivo, elas apresentaram falhas de vedamento, e começou a infiltrar água. Acionamos o consórcio, que fez uma análise e avaliou que se trata de uma situação que precisava ser analisada. Isso exigiu o recall de toda frota – detalha.
O consórcio responsável pela implantação dos novos trens é o FrotaPOA, formado pelas empresas Alstom e CAF. Apesar de já haver uma solução de engenharia, a Trensurb diz que não tem como dar uma previsão de retomada de operação da nova frota. Por enquanto, os trens antigos suprirão a demanda, e não haverá prejuízo aos usuários.
– Lamentavelmente, não existe outra forma de identificar problemas sem que os trens estejam rodando, em uso. Ainda que não haja risco aos usuários, existe risco ao patrimônio público. Estamos cobrando muito forte do consórcio fornecedor a ação de medidas que viabilizem o retorno o mais rápido possível – acrescenta Belolli.
Luis Henrique Chagas, presidente do Sindicato dos Metroviários do Rio Grande do Sul (Sindimetrô-RS), critica as frequentes falhas da nova frota da Trensurb, mas avalia que a medida de retirá-la de circulação é a mais correta para evitar riscos.
– A gente vê com preocupação todos esses problemas porque são trens novos. Nos estranha muito. É ar-condicionado que não funciona, sistema que para de funcionar, e agora essas infiltrações nos rolamentos, o que é gravíssimo. Se entra água, a roda pode trancar e provocar um descarrilamento, como já aconteceu. A medida de tirar de circulação é correta, só queremos que a empresa apresente uma solução – afirma.
As 15 novas composições têm gasto energético cerca de 30% inferior às atuais, sistema de ar condicionado, comunicação multimídia, iluminação com LED, sistemas de autodiagnóstico e monitoramento de falhas, além de possibilidade de acoplamento, tornando possível a operação de dois trens acoplados nos horários de pico, totalizando oito carros e dobrando a capacidade de transporte de cada viagem.
Licitação é investigada pelo Cade
Iniciado ainda em 2014, um processo administrativo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apura a suspeita de cartel na aquisição de 15 trens pela Trensurb para operação em Porto Alegre. A licitação foi vencida pelo consórcio das empresas Alstom e CAF, citadas no suposto cartel do metrô em São Paulo em gestões do PSDB.
Além do Rio Grande do Sul, as empresas também ganharam a concorrência para fornecer mais 10 unidades, por R$ 171,96 milhões, para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), em Belo Horizonte.
A apuração inicial encontrou "fortes indícios" de acerto de preço para eliminar a competição na compra dos veículos pelo governo federal em Porto Alegre e Belo Horizonte. As duas licitações ocorreram entre outubro e novembro de 2012 e só tiveram propostas da francesa Alstom e da espanhola CAF, que revezaram o controle dos consórcios, batizados de FrotaPOA e FrotaBH.
Na Trensurb, conforme o Cade, a Alstom ficou com 93,14% do consórcio, e a CAF, 6,86%, percentual invertido na CBTU, o que é considerado pela investigação um dos indícios de cartel. "Os supostos ajustes anticompetitivos ocorridos no âmbito desses projetos teriam tido o objetivo de eliminar a disputa e dividir as duas licitações entre as empresas Alstom e CAF", cita o inquérito administrativo.
*Zero Hora