A falta de acessibilidade no Fórum de São Francisco de Paula, na serra gaúcha, só não foi mais desafiadora para o advogado cadeirante Dilto Marques Nunes, 46 anos, do que a má vontade do juiz Carlos Eduardo Lima Pinto. Entre 2011 e 2015, o magistrado recusou os sucessivos pedidos de Dilto para que as audiências de seu cliente fossem realizadas no andar térreo do prédio, uma mudança que facilitaria o trabalho do advogado.
Diante da inflexibilidade do juiz, Dilto recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que abriu um processo disciplinar para analisar o caso. No último dia 16, o órgão julgou o comportamento de Carlos Eduardo Lima Pinto, que além de se negar a transferir o lugar das audiências teria recomendado ao cliente de Dilto, o aposentado Júlio Cesar Canani, a procurar outro advogado.
A explicação dada em 2015 por Carlos Eduardo Lima Pinto em entrevista ao G1 foi que, pela falta de equipamentos, as audiências não poderiam ser realizadas no andar térreo do Fórum. No julgamento do TJ-RS, a defesa do juiz também informou que ele teria pedido providências ao serviço de engenharia do tribunal.
Ainda assim, o TJ-RS o condenou por ter encontrado solução para o impasse. No dia 6 de junho, o órgão deve decidir a qual pena Carlos Eduardo Lima Pinto será submetido: se receberá apenas uma advertência ou se ficará impossibilitado de concorrer a promoções durante dois anos.
Impedido de trabalhar
Os contratempos no Fórum de São Francisco de Paula só serviram para abalar a confiança de Dilto, que exerce a advocacia há quase 20 anos. Sem andar desde 2010, depois de um acidente de carro ter lhe fraturado os ossos e lhe deixado em coma por quatro meses, o advogado de Porto Alegre começou a achar que, ao invés de servir como instrumento da justiça, a condição de cadeirante o tornava um empecilho para a garantia dos direitos de seu cliente.
– Eu estava lá para defender o direito de alguém. De repente, estava expondo as pessoas – recorda Dilto.
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Em uma das contendas com Carlos Eduardo Lima Pinto, Dilto teve de ser carregado pelos funcionários do Fórum até o andar determinado pelo juiz para que acontecesse a audiência. Em outra, depois de acordar cedo para viajar de Porto Alegre até a serra e ter telefonado ao secretário do magistrado solicitando que a audiência fosse transferida para o andar de baixo, chegou ao Fórum e ficou sabendo que outro advogado estava no andar de cima defendendo seu cliente. O substituto havia sido escolhido pelo juiz para trabalhar em seu lugar.
Os constrangimentos a que foi submetido tiveram fim em 2015. Acompanhado da esposa Luciane Fernandes, Dilto comparecera a mais uma audiência quando, após receber outra recusa do magistrado, iniciara uma confusão com direito a gritaria no Fórum. Tanto Dilto quanto a esposa foram ameaçados de prisão por desacato.
– Isso abalou muito ele, o psicológico dele. Ele começou a dizer que não poderia mais exercer a função porque prejudicaria os clientes. Ele se sentiu um João ninguém – lembra Luciane.
No mesmo dia, Dilto retornou a Porto Alegre e rapidamente recorreu ao Tribunal de Justiça exigindo providências.
– O doutor Carlos é um magistrado. Ele tem mais conhecimento do que eu e do que a grande maioria do povo brasileiro. Mas eu tive dele essa atitude – lamenta Dilto.
A falta de tato do juiz para conduzir a situação causou espanto no advogado, que na época chegou a pensar em abandonar a profissão. Aliviado com a decisão do TJ-RS, Dilto entende que, agora, a justiça será feita.
– As pessoas têm que ter boa vontade. Ninguém é mais do que ninguém – diz.
O Diário Gaúcho tentou contato com o juiz Carlos Eduardo Lima Pinto, mas não teve retorno