Durante quase duas horas nesta segunda-feira, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, realizou a defesa da presidente Dilma Rousseff diante da comissão especial que analisa o processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Em sua fala, o ministro afirmou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB) abriu o processo por "vingança".
Além disso, a sustentação de Cardozo (veja aquina íntegra) contou com argumentos que, segundo ele, mostram como a denúncia é "fraca e bastante reprovável e passível de reprovação". Ele também alegou que o direito de defesa da presidente foi ferido e que impeachment, sem base legal, é "golpe". Confira os principais argumentos apresentados por Cardozo:
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Cunha teria aberto o processo de impeachment por "vingança"
Para o ministro, o recebimento do pedido de impedimento de Dilma por parte do presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) consistiu em um ato de "vingança". Cardozo sustentou que há "indiscutível, notório e clamoroso desvio de poder" neste ato.
– Conforme (foi) fartamente noticiado pela imprensa, a decisão do presidente Eduardo Cunha não visou à abertura do (processo de) impeachment, não era essa sua intenção, não era essa a finalidade. Sua Excelência, Eduardo Cunha, usou da competência para fazer uma vingança e uma retaliação à chefe do Executivo porque esta se recusara a dar garantia dos votos do PT no Conselho de Ética a favor dele – argumentou.
O ministro disse também que a decisão de Cunha "não visou o cumprimento da Constituição" e que o presidente da Câmara havia deixado claro que se fosse aberto processo no Conselho de Ética contra ele, o impeachment seria aberto.
– A presidente não se curvou a isso. Governo que se curva a esse tipo de situação não tem legitimidade para governar – afirmou. – Imediatamente após o PT votar por abrir o processo contra Cunha, ele admite impeachment de Dilma disse, afirmando que se tratam de "indícios suficientes de desvio de poder", que é "uma verdade inexorável".
Denúncia não teria embasamento legal
Para Cardozo, o pedido de afastamento faz "grotesca" confusão jurídica sobre o conceito de pedaladas. Em sua opinião, a denúncia aceita pela Câmara "salta aos olhos por inépcia".
– Onde está o ilícito, a má-fé? Não há. E se não há, não há pressuposto para impeachment.
Aos parlamentares, Cardozo afirmou que se pretende pegar um pretexto para construir a figura de um crime de responsabilidade e que o processo de impeachment contra a petista "equivaleria a rasgar a Constituição". O ministro alegou ainda que a denúncia apresenta erros básicos conceituais de direito financeiro.
Ele explanou sobre a diferença entre gestão fiscal e orçamentária e observou que os decretos de crédito suplementar não implicavam em aumento de gastos, mas em realocação de recursos. Afirmou ainda que a meta de superávit primário, a despeito dos decretos, foi cumprida – mesmo que com mudança da meta por meio de lei. Cardozo afirmou ainda que a edição de decreto de crédito suplementar não ocorre apenas no governo federal, mas em todos os Estados.
– Se o Congresso reconhecer impeachment de Dilma, governadores também praticaram o mesmo e terá de ser feito impeachment em todos os Estados –observou. – O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, seria um dos governadores a ser punido por edição de decretos suplementares. É correto impeachment de Alckmin? Não – argumentou, dizendo que ao defender a presidente, também atua em favor de todos os governadores e prefeitos que "agiram da mesma forma e que agiram, sem má-fé, entendendo cumprir a lei".
Ao abordar ainda a falta de fundamentos jurídicos, Cardozo afirmou que os decretos de crédito suplementar foram editados com base em autorização legal, citando o artigo 38 da lei 13.080/2015 e o artigo 4 da leu 13.115/2015. Segundo ele, os decretos editados estavam fundamentados na manifestação de equipes técnicas, além da análise jurídica de órgão da Advocacia Geral da União.
– Em relação às alegadas "pedaladas fiscais", não há ato da presidenta da República que possa ser configurado como crime de responsabilidade.
O ministro defendeu que as pedaladas não configuram crime porque as operações realizadas no âmbito do Plano Safra, decorrentes de subvenções econômicas (equalização de juros), não se enquadram às operações de crédito indicados nos artigos 36 e 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LFR).
Sem base legal, impeachment "é golpe"
Segundo Cardozo, o pedido de impeachment de um presidente da República precisa, obrigatoriamente, caracterizar um atentado à Constituição, apresentar ato imputável diretamente ao presidente e ação dolosa do mandatário do país. Caso não se observem tais termos, seria "golpe de Estado".
– (Exige-se) que seja um atentado à Constituição, uma violência excepcional, capaz de abalar os alicerces do Estado e que tenha tipificação legal. Portanto, todo um conjunto de ingredientes necessários para a configuração desse processo. Fora desses pressupostos, qualquer processo de impeachment é inconstitucional, é ilegal – detalhou o advogado-geral da União. – O que é um golpe? É a ruptura da institucionalidade, golpe é o rompimento de uma Constituição, golpe é a negação do Estado de Direito. Não importa se ele é feito por armas, com canhões ou baionetas caladas, se ele é feito com o simples rasgar de uma Constituição, sem base fática, ele é golpe – acrescentou o ministro.
Cardozo falou ainda que, embora não tenham mais havido golpes militares, isso não significa que golpes não continuem ocorrendo.
– Por isso, hoje buscam-se recursos retóricos, buscam-se discursos de formulação de falsos ingredientes jurídicos para justificar golpes. E isso é grave – alegou. – Caso um novo golpe nasça de um processo de impeachment como um golpe à Constituição de 1988, ele não terá direito, pode ter poder. Não terá estabilidade, não terá condições democráticas de reunir as energias necessárias para que o País possa sair desta crise – finalizou.
Dano ao direito de defesa da presidente
O ministro também citou o fato de a comissão ter ouvido os juristas autores do pedido, alegando que isso feriu o direito de defesa da presidente Dilma. Para Cardozo, se a peça não era clara o suficiente, deveria ser negada.
Cardozo ressaltou ainda que, na exposição feita na semana passada, os juristas foram além do que foi acatado pelo presidente da Câmara no pedido de impeachment, o que, para o ministro, claramente afronta o direito de defesa da presidente da República.
– A defesa não foi intimada a acompanhar. Se o fosse, faria contestações.
Para o ministro, a mera presença da delação premiada de Delcídio Amaral (sem partido-MS) é motivo de nulidade ao andamento do processo de impeachment contra a presidente Dilma. A delação chegou a ser desconsiderada da ação pelo presidente da comissão especial que analisa o impedimento, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), mas, na ocasião, o parlamentar disse que não poderia impedir que os membros do colegiado levassem o tema em consideração na hora de dar seu voto por se tratar de fato amplamente divulgado.
Cardozo destacou que o conteúdo da delação premiada do senador não é objeto da ação proposta inicialmente e que a juntada das informações dele aos autos pelo presidente da Câmara contraria a própria decisão do peemedebista no ato de deferir a abertura do processo.
– Essa situação de juntada mostra que o desvio de poder teve um início e permanece. Criou ilegalidade insuplantável neste processo – pontuou.
*Zero Hora com agências