Há dois meses no comando do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), o desembargador Luiz Felipe Silveira Difini concedeu entrevista em seu gabinete, no 13º andar do prédio localizado no bairro Praia de Belas, na Capital, na última quarta-feira. A conversa ocorreu em meio a um momento delicado, marcado pela crise nas finanças estaduais e pela tensão na política nacional.
Por uma hora, Difini falou sobre a relação com o Executivo, os controversos benefícios pagos ao Judiciário, a legalidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff e as polêmicas em torno da Operação Lava-Jato. Eleito presidente aos 57 anos, o desembargador natural de Porto Alegre concilia o novo cargo com a atividade de professor de Direito Tributário na UFRGS. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Qual o balanço dos primeiros dois meses à frente do Tribunal de Justiça?
É um período bastante curto ainda, em que mais nos habituamos com essa estrutura do tribunal, que é bastante grande. Embora já fosse vice-presidente, sempre há um momento de adaptação. Mas diria que tudo está dentro da expectativa, porque a nossa expectativa realmente era de que fôssemos encontrar as dificuldades que sabemos que o momento nacional e estadual impõe. Estamos lidando com essas dificuldades dentro do previsto, tentando, mesmo com elas, manter os nossos serviços da melhor maneira possível.
O senhor disse, em seu discurso de posse, que "a crise não pode ser programa de governo", em um recado ao governador José Ivo Sartori. Como estão as relações com o governo?
Não diria que foi um recado ao governador, até porque não se manda recados. É uma visão que se tem de um projeto para o país e para o Estado. O que move as pessoas é a esperança, e acho que a função de qualquer líder, seja o líder de uma organização empresarial, familiar, sindical, político ou administrador, é dar esperança. As relações com o governo do Estado estão absolutamente normais, como manda a Constituição, dentro dos parâmetros constitucionais, que são de independência e de harmonia. Inclusive criamos um grupo de desembargadores que tem se desincumbido da função de permanente diálogo com o Poder Executivo, Legislativo e outras instituições.
O governador tem orientado a base aliada a protelar a votação do projeto que reajusta o salário dos servidores do Judiciário, manobra que foi alvo de críticas de seu antecessor. Isso gera desconforto?
Diria que isso gera uma absoluta necessidade política de que o projeto seja votado. O projeto deve ir ao plenário da Assembleia, cada deputado deve votar de acordo com a sua consciência e, então, deve ter o trâmite constitucional. Porque, a essa altura, o que mais prejudica o nosso serviço é que os nossos servidores já não suportam mais a constante protelação. Eu disse à presidente da Assembleia (Silvana Covatti) que os servidores se sentem enrolados. E isso é muito ruim para o andamento dos nossos serviços, que estão cada vez mais exigentes.
O senhor acha que o governador erra ao pedir para a base manter o projeto em banho-maria?
Não sei se ele está pedindo, se não está pedindo. Confio que cada deputado seja independente. Como eu olho para o futuro, acho que é absolutamente necessário deliberarmos sobre esse projeto, porque a Assembleia representa a população do Estado, e a população deliberando. É evidente que o regime permite algumas manobras regimentais, mas manobras regimentais, em qualquer parlamento do mundo, sempre foram recursos de minoria. A maioria vai lá e vota.
Agora esse recurso está sendo a opção da maioria.
Não sei. Nós esperamos. Ainda disse hoje (quarta-feira, 6 de abril) à presidente da Assembleia que esperamos que o Legislativo delibere sobre o projeto e que a decisão do Legislativo seja respeitada, porque assim é no Estado democrático de direito. O servidor pode entender se há uma deliberação em um sentido ou noutro, mas não pode compreender que um dia a comissão não tem quórum, no outro alguém pede vistas, depois devolve sem parecer. Isso é uma situação para a qual precisamos ter uma deliberação.
Essa interferência do Executivo compromete a harmonia entre os poderes?
Como disse, não sei se há interferência do Executivo ou se são os deputados que compõem a base parlamentar que assim deliberam. Então, sem ter esse pressuposto, não posso responder sobre isso.
Como conceder reajuste a servidores de um poder se servidores de outro poder, o Executivo, têm os salários parcelados desde o ano passado?
A questão é a seguinte: um poder que fez todo o seu dever de casa, que nesse período teve um crescimento da sua folha de 80%, enquanto outros tiveram de mais de 200%, não pode ficar inibido por situações que não estão ao seu alcance. É uma situação que me preocupa muito com toda a minha experiência de serviço público. Diz-se que tem de ser tudo igual. Só que, como é difícil melhorar o que está ruim, acaba se estragando o que está razoável, e isso certamente não é uma boa política. Se há recursos orçamentários por conta de uma melhora na gestão, e não por aumento de participação no orçamento público, isso deve ser reconhecido. Os servidores do Judiciário colaboraram com os resultados, e é justo que sejam valorizados. Quanto ao restante, desejamos que se solucione a situação do Estado como um todo, e creio que as alternativas que se colocam para resolver essa situação não estão ao alcance de quem não lida nem com 5% dos recursos públicos. No caso do resultado, no ano passado, tem um número que não é divulgado, um número muito expressivo. Quanto foi repassado ao Poder Judiciário de recursos do Tesouro? R$ 2,3 bilhões. Quanto o Poder Executivo sacou de depósitos judiciais? R$ 2 bilhões. A diferença é de R$ 300 milhões. O Judiciário saiu praticamente grátis para o Poder Executivo.
Em 2015, o TJ abriu mão de parte dos juros dos depósitos judiciais, reduzindo os custos do Poder Executivo em cerca de R$ 1 bilhão por quatro anos, mas, só o déficit do Estado neste ano é estimado em R$ 4,3 bilhões. Não há mais nada que o TJ possa fazer para ajudar?
Não tem. O déficit do Estado está em R$ 4,3 bilhões. Todo o orçamento do Poder Judiciário é R$ 3 bilhões. Ponto.
O governo do Estado vai ampliar o corte de gastos neste ano e não está descartada a possibilidade de impacto sobre o duodécimo (valor repassado mensalmente para folha e custeio) dos poderes. Há margem para negociação?
Tanto quanto sei, essa foi uma notícia publicada pela Zero Hora que foi, no mesmo dia, desmentida em nota pela Secretaria da Fazenda, e ficamos muito tranquilos com os termos da nota.
Nos bastidores, não está descartada essa possibilidade.
Não posso presumir que se diga uma coisa em nota e que seja outra. Sinceramente. Isso não posso presumir porque estaríamos em uma situação problemática.
O senhor considera justo que não se compartilhe a redução de receita em meio à crise?
Tem dois lados. Temos um orçamento. Se há ampliação da receita, não crescemos. Houve aumento de ICMS e, nisso, nós não crescemos. Por outro lado, poderia se dizer que esse contingenciamento seria um contingenciamento de 6%, a redução dos depósitos judiciais, que neste ano será, no mínimo, de R$ 250 milhões.
Que não é nada, porque, em um mês, faltam R$ 500 milhões para fechar as contas.
Isso é verdade, mas isso representa 8% do Poder Judiciário. Então, fala-se em um contingenciamento de 6%, e a nossa redução é de 8%. Não é nada? Bom, todo o orçamento do Poder Judiciário não dá para fechar as contas. Então, a solução não está aí.
Mesmo frente à crise financeira, o senhor está 100% tranquilo quanto ao repasse do duodécimo pelo Executivo?
Creio que a Constituição será cumprida.
Caso o governador lhe chame para conversar, o senhor aceita negociar?
Negociamos aquilo que podemos negociar. Não podemos negociar o cumprimento da Constituição. O cumprimento da Constituição não é uma questão que qualquer agente público fica autorizado a negociar.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff é golpe?
Em tese, impeachment é uma questão prevista na Constituição. Se está prevista na Constituição, impeachment, em tese, não é golpe. Ele poderá ser uma situação de fragilização constitucional, por exemplo, se os motivos não forem relevantes, se o rito e as necessárias garantias do contraditório e da defesa não forem observados. Quando há uma questão do impeachment como o do presidente (Fernando) Lugo, do Paraguai, para o observador distante, chama a atenção que tudo foi resolvido em 24 horas. Ora, um processo de 24 horas indica um processo málico, que não atende suficientemente os direitos de defesa. Agora, impeachment, em tese, não é golpe, não, porque há previsão constitucional. Ele eventualmente pode ser utilizado de uma forma correta ou de uma forma errônea.
Neste caso, está sendo usado de forma correta ou errônea?
Não tenho elementos porque o processo mal iniciou. Só poderemos fazer o juízo à medida que esse processo siga, e, aí, vamos poder ver se está observando, ou não, as garantias e parâmetros. Então, não é possível fazer um julgamento apriorístico disso, porque, qualquer julgamento a priori, é um julgamento em que... Enfim, o princípio de um processo é primeiro ouvir para depois julgar.
As pedaladas fiscais podem ser enquadradas como crime de responsabilidade?
Depende de toda uma situação que não tenho elementos suficientes, porque não conheço o processo no TCU (Tribunal de Contas da União), no Congresso. O juiz se acostuma a julgar depois de conhecer. Agora, realmente me parece que, de todos esses motivos alegados, o das pedaladas fiscais parece ser o mais fraco. Inclusive porque parece que situação semelhante existe em vários Estados.
O juiz Sergio Moro errou ao divulgar os áudios envolvendo o ex-presidente Lula e a presidente Dilma?
O país está em um nível de emocionalidade que eu acho preocupante. Temos visto nas redes sociais e até em relações familiares. No Rio Grande do Sul, tem muito a figura da "grenalização". Isso é ruim. O Brasil terá de ter um governo, seja a continuidade da presidente Dilma, seja um outro governo, que consiga uma certa estabilidade. Ou será ruim para todos nós.
Mas Moro errou ou não errou?
Já vou chegar à questão do doutor Sergio Moro. Creio que esse trabalho da Lava-Jato foi muito importante. Todo o processo da Lava-Jato é um momento de afirmação das instituições. É um momento de afirmação do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos órgãos de investigação. E isso tem sido muito pessoalizado. Não é só o juiz Sergio Moro. Alguém perguntou: mas as decisões desse juiz não estão sujeitas a recurso? Elas têm sido recorridas e, em número significativo, têm sido mantidas. Nesse caso da divulgação das escutas, houve um julgamento liminar, mas não de mérito. Não vou fugir da pergunta, se errou ou se não errou. A questão é que a situação envolve um conflito de princípios constitucionais. Tem um importante jusfilósofo norte-americano, Ronald Dworkin, que diz que, nesses casos, não existe resposta certa. Até existe uma resposta que, em um determinado momento, é a mais adequada, a mais conveniente, e isso, muitas vezes, não se vê com clareza naquele momento. Só irá se ver com maior clareza com um maior distanciamento histórico.
Recentemente, um professor do curso de Direito da UFRGS, onde o senhor também dá aula, entrou em uma sala e arrancou uma faixa pró-impeachment que estava pendurada na janela do prédio. Ele agiu de maneira correta?
Como também sou professor do curso de Direito da UFRGS, não farei um julgamento ético da atitude desse colega, porque não seria uma atitude ética, correta. Só creio que todos esses episódios demonstram o nível de radicalização que está posta e, naturalmente, nas faculdades e universidades, essas coisas se apresentam com maior ebulição. Creio que a situação é representativa da radicalização que tem ocorrido sobre esses temas, que tem despertado muitas paixões.
Essa radicalização representa um perigo para a democracia brasileira?
O acirramento, sim. Primeiro, sou um otimista. Acho que a nossa democracia está consolidada há mais de 30 anos. É, talvez, o maior período de estabilidade democrática da nação brasileira. Acho que a democracia está em risco, que vai acabar amanhã? Não. A formação democrática do país é mais forte. Agora, o acirramento disso não será bom. Não será bom para a economia, não será bom para a estabilidade. O sistema político tem de ser capaz de encontrar consensos e soluções. Isso é a necessidade para o sistema político funcionar. Já estou bastante convencido, sempre fui contrário a isso, e não deve ser uma coisa casuística, para hoje, para interromper mandatos, mas o sistema parlamentarista seria melhor, em uma perspectiva futura, para alcançarmos uma maior estabilidade das instituições. Basicamente, no sistema parlamentarista, pode-se afastar um governo por mau desempenho. No presidencialista, não.
Mesmo tendo um Congresso em que muitos respondem por suspeita de envolvimento em crimes de corrupção?
Se formos por aí, não vamos ter solução nenhuma. O fato é que ainda não se encontrou melhor instituição representativa do que o parlamento. Conseguiram-se pequenos avanços, como a Lei da Ficha Limpa, mas, basicamente, isso depende da estruturação dos nossos partidos e da consciência do nosso eleitor. Todas essas autoridades foram eleitas.
A nossa classe política está sendo capaz de criar consensos?
Muito limitadamente. Se essa atividade fosse exercida com maior eficiência, não estaríamos na situação de instabilidade que estamos.
Apesar de existir previsão legal, é justo receber auxílio-moradia mesmo tendo casa própria?
Esse tema do auxílio-moradia tem sido bastante explorado. Vou falar com absoluta clareza. O subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal foi fixado, em janeiro de 2006, em R$ 24,5 mil. Se fosse corrigido até 1º de fevereiro deste ano, quando fiz esse cálculo pelo IGP-M, seria de R$ 45.231,92. Hoje, o subsídio do ministro do Supremo é de R$ 33.763. Somado o auxílio-moradia, de R$ 4.377,73, dá R$ 38.140,73. Então, o subsídio mais o auxílio-moradia são bem menos do que seria o subsídio simplesmente corrigido pela inflação. O que leva à resposta: o auxílio-moradia foi uma solução, vamos dizer, contornante, de não haver os devidos reajustes do subsídio.
Então é justo?
O nome está errado. Com esse nome, é óbvio que não. O que está errado é o nome. Temos feito um grande esforço, via colégio de presidentes, inclusive junto ao Senado, para que seja substituído o auxílio-moradia pelo antigo adicional de tempo de serviço, que é algo necessário à carreira da magistratura e que teria outra roupagem, chamaria, agora, valorização de tempo de magistratura, e contaria, exclusivamente, com o tempo de magistratura. Não contaria, como antes, tempo privado, tempo de outros tipos de serviço público. Então, o auxílio-moradia é algo que, como não se reajustava o subsídio, foi encontrado um desvio lateral, inclusive porque havia uma situação de instabilidade muito grande, principalmente junto à magistratura federal. Agora, sempre que se fazem esses contornos, acaba se fazendo uma coisa que têm inconvenientes. Aqui, tem um nome errado, expõe a uma visão muito negativa por parte da opinião pública e cria situações de injustiça. Por exemplo: quando são cônjuges, não dá, quando, na verdade, é um substitutivo salarial, não paga para os aposentados, e esse é um problema que rompe uma das coisas que é mais cara para a magistratura, a paridade entre aposentados e ativos. Então, acho que, com esse nome, realmente não poderia. O que está errado é o nome.
Então, auxílio-moradia é outro nome para reposição salarial?
Não. O auxílio-moradia foi uma forma encontrada pelo Supremo Tribunal Federal de, alguma forma, fazer o poder aquisitivo se aproximar daquilo que seria uma mera correção de subsídio, ante a situação de a correção do subsídio não ser aprovada.
Há, também, o pagamento do auxílio-alimentação, retroativo a junho de 2011 e incorporado nos vencimentos no ano passado. Não soa injusta essa diferença de tratamento entre as carreiras, se compararmos, por exemplo, com o magistério, que não ganha nem o piso nacional?
Vamos por partes, embora eu creia que essa seja uma questão a qual se dá importância superior ao que ela tem. De auxílio-moradia, gastamos, no ano passado, R$ 40 milhões. O valor todo que não realizamos e devolvemos ao Poder Executivo foi de R$ 429.852.549,18, 11 vezes o auxílio-moradia. Quanto ao auxílio-alimentação, todo mundo ganha auxílio-alimentação. Bom, podemos discutir valor. Quanto ao valor, o que foi adotado no Rio Grande do Sul é o que é pago na Justiça Federal para todo mundo, do porteiro da Justiça do Trabalho ao ministro do Supremo. Não vejo o porquê de toda essa polêmica sobre o auxílio-refeição se qualquer funcionário público ou qualquer trabalhador recebe vale-refeição, auxílio-alimentação, seja lá o que for. Pode-se discutir o valor. O valor é o fixado para toda a Justiça Federal, que é um dos mais baixos do Judiciário. Tem vários Judiciários estaduais nos quais esses valores são muito superiores. Poderia se dizer o contrário: que todo mundo, toda a vida, sempre recebeu o auxílio-alimentação, e os juízes só receberam a partir de 2011.
E o valor é justo?
Esse valor é o valor fixado para todos os servidores e juízes do Judiciário Federal, e não me parece que seja um valor fora do normal, R$ 30 por dia, para alimentação. Parece-me que é compatível com o custo de três refeições. Até para fazer três refeições com esse valor terá de fazer certa economia.
O Judiciário enviou projetos ao Legislativo que preveem aumento de despesas, como a lei da automaticidade...
A lei da automaticidade não causa aumento de despesas.
Ela permite que os reajustes sejam automáticos e não seja mais necessário mandar para a Assembleia...
Ela não permite que os reajustes sejam automáticos. É outra coisa que tem de se esclarecer. Vamos por partes. A lei da automaticidade existe em 16 Estados brasileiros. Resta saber com que Estados pretendemos nos comparar. Digo que Grêmio e Internacional jogam com Corinthians, Atlético-MG, Fluminense - não com CRB, Lusa... Em primeiro lugar, não aumenta despesa. Se fosse aprovado hoje, o aumento de despesa seria zero. Em segundo lugar, também não torna os reajustes automáticos. Por uma questão muito simples: mesmo que haja a lei da automaticidade, para ser pago, vai depender de que haja a aprovação no orçamento dos recursos compatíveis. Então, a Assembleia sempre vai, mesmo que aprove a automaticidade, para permitir o pagamento de algum reajuste à magistratura, ter de aprovar o orçamento que contemple esse valor. Tanto isso é verdade que, na reunião em que estive com os presidentes dos tribunais de Justiça, vários presidentes do país disseram que têm lei de automaticidade, mas que, se vier um reajuste, agora, não poderiam pagar. Então, ela simplesmente elimina uma etapa repetitiva e que só serve para repetir o que já foi feito, que é aprovar a lei federal. A lei federal tem de ser proposta pelo Supremo, aprovada por duas casas do Congresso e sancionada pelo presidente da República. Depois, no Estado, precisa aprovar mais uma lei estadual para repetir a federal e precisa aprovar o orçamento. Vamos retirar esse passo intermediário. Mas, absolutamente, não vai retirar o poder que a Assembleia e o governo têm de decidir sobre a possibilidade de pagamento, ou não, quando vota o orçamento.
O senhor está aberto a negociações?
Certamente.
Por exemplo, se a lei passar e, depois, o governador lhe chamar e falar que não terá como pagar o reajuste, apesar de o STF ter aprovado. Existe margem para negociação?
Se a lei passar, o que irá definir se podemos pagar, ou não, o reajuste será a aprovação da lei orçamentária. Esse é o momento oportuno para a discussão, e ainda temos referido a nossa evidente abertura para discutir a lei orçamentária, que esperamos que seja fixada de acordo com o que prevê a Constituição, através do consenso entre os poderes.
A concessão de benefícios, como os recém citados, conferem ao Judiciário a fama de corporativista. O senhor concorda?
É uma fama que vem da desinformação, porque um poder que aumentou o seu gasto total, de 2005 para cá, em 107% - enquanto o Executivo aumentou em 116%, as autarquias em 122%, as fundações em 120% e a média do Estado foi de 150%. Não pode punir quem tem feito um enorme esforço para aumentar a arrecadação própria e diminuir as despesas ao longo de 10 anos para responder pela crise de órgãos que não fizeram essa mesma contenção nos últimos 10 anos.
Então, na sua avaliação, o Judiciário está sendo injustiçado?
Não sei. Não usaria termos que têm conteúdo emocional, mas diria que a opinião pública não tem sido informada com a necessária amplitude sobre todos esses fatos para fazer um julgamento sereno.
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional suscita polêmica ao conceder uma série de auxílios que aumentariam o custo do Judiciário. Entre os quais, a possibilidade de que juízes e desembargadores recebam até 17 salários, auxílio-creche, auxílio-funeral. Qual a sua opinião sobre a proposta em tramitação no STF?
Como 17º salário? Só recebo 13º. E, durante vários anos como juiz, só recebi 12 salários, porque juiz não tinha 13º. Com toda a franqueza, essa pergunta é desinformação. O 17º saiu de qualquer lugar sem nenhum fundamento, porque não existe nada como isso. Não tem nem 14º, nem 15º. Isso, às vezes, falavam do Legislativo com aquelas ajudas de custo, mas, no Judiciário, todo mundo recebe 13º e nada mais do que isso. Isso foi noticiado por um site, e passaram a reproduzir textos preliminares feitos por assessorias a partir de várias reivindicações de associações que sequer tinham sido submetidas ao crivo do STF. O texto que saiu por aí é um texto absurdo, absolutamente apócrifo, que ninguém assumia a paternidade. Essa questão está sendo votada, aos poucos, dentro do STF, para definir qual o projeto do STF e não contemplará, certamente, essas situações aí postas. É claro que é desinformação pegar um texto que sequer é um anteprojeto. É o mesmo que você pegar as reivindicações que uma categoria está fazendo e apresentar aqui como resultado... É óbvio que não é.
Esses auxílios...
No Rio Grande do Sul, só existem dois auxílios, determinados pelo Tribunal de Justiça do Estado. Existe o auxílio-moradia, determinado pelo STF e judicializado no STF. O governo do Estado entrou com agravo regimental. O auxílio-alimentação, que não era pago para magistratura do Rio Grande do Sul e só para a magistratura do Rio Grande do Sul no país, porque qualquer categoria tem auxílio-refeição, até os nossos servidores já tinham antes, foi determinado pelo Conselho Nacional de Justiça. Acho que a política de auxílios é ruim. Excepciona auxílio-alimentação, que é uma política de auxílio-refeição que deve ter, quanto ao resto, o que deve ter, é o subsídio com a adequada fixação e correção e o adicional de tempo de serviço, pelo nome que tiver que é algo inerente a qualquer carreira. Só não se paga para cargos isolados.
O subsídio surgiu justamente para acabar com os penduricalhos.
Adicional de tempo de serviço não é penduricalho.
Mas esses auxílios todos. Talvez, por isso, essa imagem (de corporativismo).
Auxílio todos também não, porque, aqui, só existem dois. Os dois fixados por determinação superior. Agora, se me perguntar o que o Estatuto da Magistratura deve fixar, subsídio, valorização de tempo de serviço sobre a forma que for e fim. Eventualmente, um auxílio-alimentação que é pago a qualquer trabalhador. Mas creio que essa não é a discussão principal sobre os objetivos do Poder Judiciário. Estamos preocupados com os serviços que prestamos, com a falta de servidores, com a necessidade de avançar no processo eletrônico. Essas são as pautas principais para a nossa administração. Talvez não seja para a imprensa, mas, para a nossa administração, é.
As pessoas, de um modo geral, não compreendem porque um juiz precisa de dois meses de férias, por exemplo. Essa é a questão, não é a imprensa.
A questão dos meses de férias não é nenhuma questão principio lógica. Então, poderá se determinar, no Estatuto da Magistratura, como o Supremo, o Congresso Nacional e o presidente da República acharem mais adequado. Havia uma tradição de algumas categorias terem um período de férias mais alargado, por uma razão ou outra. Por exemplo, os professores, que têm 45 dias de férias. No serviço jurídico da União, que também tem um período de dois meses de férias, a justificativa que se apresentava é que o juiz, principalmente na comarca única, está sempre de plantão. Ele não tem sábado, ele não tem domingo. O juiz tem de estar na comarca e pode ser chamado a qualquer momento, no sábado e domingo, e seria essa a justificativa. Mas essa não seria uma questão de princípios. É uma questão que hoje está posta na Loman (Lei Orgânica da Magistratura). A Loman é uma lei antiga. Quando se pretende modificá-la, esbarra-se em obstáculos. Então, permanece. O novo estatuto é uma questão que pode perfeitamente ser examinada.
O senhor tem dito que pretende recompor os quadros do Judiciário. Frente à crise, como pretende fazer isso?
O orçamento deste ano foi congelado. Mais do que congelado, foi diminuído, porque saiu a metade dos depósitos judiciais. E isso é uma coisa que ficou. Quando se for discutir orçamento do ano que vem, não vai se buscar esse período, que dá mais de 10%.
O senhor não irá exigir que o governo devolva os saques dos depósitos?
Isso é outra questão. Agora, estamos falando em orçamento. Temos consciência que não é possível buscar a correção retroativa desse valor que ficou congelado. Precisamos, para o ano que vem, um orçamento que nos permita nomear, pelo menos parcialmente, as nossas vagas de juízes e de servidores.
Qual o tamanho do déficit (de servidores no TJ) hoje?
Hoje, temos vagos 178 cargos de magistratura, 1.629 de servidores no primeiro grau e 248 no segundo. Isso dá quase 1,9 mil. É um número muito alto. Se tivermos correção do orçamento que contemple ao menos a inflação do ano passado para esse, poderemos, se não totalmente, ao menos as maiores carências suprir. Se não, o prejuízo será da população, que é a destinatária do serviço. Porque não existe milagre. Por que as nossas despesas com pessoal cresceram muito menos do que as de outros poderes? Grupo de pessoal, crescimento desde 2005 do Poder Judiciário: 88%. Crescimento do Poder Executivo: 210%. Esse é um número que tem sido divulgado amplamente à população? Não. Tem-se falado muito mais em R$ 799 de auxílio-alimentação do que nisso. Isso foi feito com a compressão do nosso quadro de pessoal que, em parte, foi substituído por terceirização (pessoal de limpeza, segurança, etc.), em parte ficaram vagos e foram substituídos pelo aumento de estagiários e, em parte, ficou vazio mesmo. Se não conseguirmos responder a isso, isso (se) responde, sim, com recursos, o serviço que prestamos à população vai piorar.
No que diz respeito à carência de pessoal, também há um déficit grande na área da segurança pública. Muitas vezes, juízes são criticados pelo chamado "prende e solta", que contribui para a reincidência e para a sensação de impunidade. Qual a sua avaliação sobre essas críticas?
Essa é uma frase de efeito, mas, como todas as frases de efeito, não corresponde exatamente à realidade. O sistema constitucional é assim, as forças de segurança prendem e o Poder Judiciário examina a legalidade da prisão. Esse é um sistema de garantias que remonta aos direitos humanos mais fundamentais.
A Justiça está soltando mais hoje do que há 10 anos?
Está se prendendo muito mais hoje do que há 10 anos. É só ver a população carcerária há 10 anos e hoje. Se fosse verdadeira essa frase, que a polícia prende e o juiz solta... Se o juiz soltando, as cadeias estão tão cheias que os presos estão presos em delegacias, imagina se não. Mas não é isso. O sistema constitucional de garantias individuais é que a polícia prende, o juiz examina a legalidade da prisão. No Brasil, na história recente, isso só foi excepcionado durante a ditadura militar, em que se retirou o habeas corpus dos crimes contra a segurança nacional. Lembro-me que foi, na época, uma das grandes bandeiras do nosso grande jurista rio-grandense já morto Raymundo Faoro na presidência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o restabelecimento do habeas corpus.
Os delegados têm dito que os juízes estão sendo mais flexíveis em casos envolvendo crimes graves, que estão mandando para casa gente que deveria ficar presa. O senhor discorda?
Sempre tenho medo das generalizações. O que houve foi a modificação da legislação processual penal, que foi se modificando. Em alguns sentidos, foi se modificando bem. Na década de 1970, tínhamos a prisão preventiva compulsória. Quer dizer que se um cidadão em sua casa matasse alguém notoriamente em flagrante delito que estava assaltando a casa, se uma pessoa que fosse vítima de estupro matasse um estuprador em flagrante delito, ia preso. Porque a prisão era compulsória. E ficava um mês preso. O que se fazia, na época, era agilizar o processo. Então, dessa situação, em que a regra era a prisão, passou-se para outra situação, em que a regra é a liberdade. A aplicação disso é passível de um erro aqui, um erro acolá? Evidentemente que é, enquanto for obra de homens.
De que forma o Judiciário poderia adotar uma posição mais efetiva para solucionar a questão do sistema penitenciário?
A quem cabe construir estabelecimentos prisionais é o Poder Executivo. Não vamos nos iludir achando que se pode tudo. Não, não se pode tudo. O Judiciário tem tentado, muito modestamente, dar alguma colaboração também nesse setor, porque havia a situação das chamadas penas de multa e outras penas alternativas que eram recolhidas na comunidade. Ficavam na comunidade, e o juiz das Execuções administrava ali, alcançava ao Consepro (Conselho Comunitário Pró-Segurança), a alguma entidade. Já no ano passado, a corregedoria fez um programa em que uma parcela dessas multas será posta em um fundo estadual e, daí, dará um montante maior. Inclusive, já há o projeto de construção de uma determinada casa prisional com esse recurso. Mas a nossa colaboração sempre será limitada, porque, repito, não gerimos nem 5% do orçamento do Estado. Já é complicado gerir essa parcela, e não nos cabe a construção de presídios. Mas que é necessária, é. Preocupa-me muito estarmos com presos nas delegacias. Isso é um retrocesso de mais de 30 anos. Isso foi na década de 1980, lembro que o doutor Jarbas Lima era secretário de Justiça, e fomos o primeiro Estado do país a abolir essa prática, que é muito nociva e prejudicial à segurança.
O juiz Sergio Moro fez mais de 130 prisões cautelares na Operação Lava-Jato, que, normalmente, não são prisões comuns, mas utilizadas em casos de exceção. Como o senhor vê essa questão?
A prisão cautelar ocorre quando houver risco para a ordem pública ou prejuízo da instrução criminal. Acho que é preciso pontuar a maior incidência de prisões cautelares. Parece-me, não saberia dizer todas, mas a grande maioria dessas prisões foi atacada por um número de habeas corpus e medidas judiciais e, em instâncias superiores, mantida.
Há juristas que criticam Moro por acreditarem que ele exagerou ao usar métodos pouco convencionais.
Não é um método dele se a prisão foi mantida ou pelo Tribunal Regional Federal, ou pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo STF. Ele determina, mas a grande maioria das determinações dele foi mantida. Por exemplo, Marcelo Odebrecht entrou com inúmeros hábeas. Por que, neste caso, foi essa a decisão e não foi o juiz Moro ou do Poder Judiciário? Porque, pelo caráter daqueles fatos e pela importância econômica, social e política desses acusados, eles poderiam, em liberdade, eficazmente, tomar medidas que obstruíssem a investigação, influir sobre testemunhas, destruir provas. Houve uma questão, que eu também só sei pela imprensa, não posso dar um julgamento técnico, se era para destruir e-mails... Creio que, nesta operação, houve um maior número de prisões cautelares, que não são prisões decididas só pela pessoa do juiz Sergio Moro, mas prisões que foram mantidas pela estrutura judiciária, foram pela maior possibilidade desses acusados destruírem provas ou, até mesmo, se evadirem. Por exemplo, aquela gravação do Delcídio (senador Delcídio Amaral), apareceu que havia uma cogitação muito presente de evasão.
A delação premiada tem sido amplamente usada na Operação Lava-Jato. Há quem critique por se trata de uma forma de "extorquir confissões" em troca de redução de pena.
A delação premiada, que é algo novo na nossa legislação penal, e não sou um especialista em Direito Penal e nem em processual penal, a minha área é Direito Tributário, é algo que tem justamente a ideia de que alguns acusados, cuja participação deletiva fosse menos importante, poderiam, através desse instrumento, trazer elementos que pudessem esclarecer outras participações deletivas. As delações premiadas, nessa operação e em outras, foram importantes. E não é coisa incomum. Não vou mencionar quais os fatos, mas, hoje, despachei, apenas para mandar distribuir por prevenção aos relatores de ações de processos principais, vários expedientes de delação premiada de processos que estão em curso no Tribunal de Justiça. Creio que, em várias investigações, sem esse instituto, não se alcançaria o esclarecimento de alguns fatos. Talvez seja essa a diferença entre essa operação que se convencionou chamar de Lava-Jato e outras anteriores. Agora, o instituto da delação premiada, como todos os outros, pode ser bem ou mal usado. Creio que usado com respeito às garantias individuais e com a razoabilidade que se espera de qualquer autoridade pública em geral, ele, enquanto instituto, é positivo. E não é utilizado só no Brasil. Em uma série de outros países democráticos, é amplamente utilizado.
Caso seja aprovado na Assembleia o projeto de extinção do Tribunal de Justiça Militar, a Justiça comum teria capacidade para assumir os processos?
Esse projeto está sob a deliberação do Poder Legislativo. Em questão de assumir processos, não haveria dificuldade maior porque é um número limitado de processos. Outra questão é a avaliação de conveniência e oportunidade. O meu respeito ao Poder Legislativo faz com que eu aguarde serenamente a decisão do Poder Legislativo, se é conveniente ou não a especialização da Justiça Militar face as peculiaridades da disciplina interna da instituição militar.
O senhor prefere não opinar.
O tribunal tem um posicionamento institucional. Ele mandou um projeto assim há vários anos, agora, o papel do tribunal é enviar. Depois, a deliberação cabe ao Poder Legislativo.
Que marca a gestão Difini irá deixar no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul?
Não tenho muita preocupação com a questão de marcas. A preocupação que eu tenho é que consigamos passar com eficiência sem prejudicar o serviço que prestamos à população gaúcha, e melhorando onde puder. Por exemplo, no avanço do processo eletrônico, em um período de grave instabilidade institucional, econômica e financeira do país e do Estado.
E como fazer isso?
Com muito esforço, com capacidade de diálogo e contando, inclusive, com os meios de comunicação para que exponham e informem adequadamente a população sobre as dificuldades que existem e o que cada um dos administradores públicos faz para superá-las. Tenho certeza, e digo com muito orgulho, que, no Poder Judiciário, temos tido, desde que conquistamos nossa autonomia financeira, administradores que são humanos, que cometem erros aqui e acolá, que não são perfeitos, mas que foram, também, administradores eficientes, como esses números aqui demonstram.