A cúpula do Conselho de Ética classificou como mais uma manobra, tentativa de cerceamento e de obstrução da investigação a decisão do vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que limitou a apuração do processo disciplinar contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Casa. Pela determinação, o relatório final do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) deve se ater ao escopo inicial da representação: se Cunha mentiu ou não à CPI da Petrobras em 2015, quando negou ter contas ocultas no exterior.
– Eu não reconheço a legitimidade, a regimentalidade e a legalidade das decisões do Maranhão. Ele não tem poder correcional sobre o conselho – rebateu o relator.
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Na avaliação dos conselheiros, o regimento deixa claro que não cabe ao presidente da Casa interferir nos processos por quebra de decoro parlamentar, tampouco delimitar o escopo das investigações.
– Não recebi a decisão, vou estudar ainda. Mas a tendência é não tomar conhecimento – declarou o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PR-BA).
O deputado disse que cabe ao relator decidir o que vai colocar no parecer final e que, se não estiver satisfeita, a defesa de Cunha poderá recorrer depois da aprovação do relatório à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar o relatório.
A decisão de Maranhão – que votou contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas fez questão de fazer uma declaração pública de fidelidade a Cunha – se deu em resposta à questão de ordem apresentada pelo deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de primeira hora do presidente da Câmara.
O vice-presidente da Câmara afirma que os documentos solicitados por Rogério ao Ministério Público e ao Supremo Tribunal Federal (STF) de outros processos de investigação contra Cunha só poderão ser incorporados aos autos do processo no Conselho de Ética se estiverem relacionados ao objeto inicial da representação do PSOL e Rede no colegiado.
O vice-presidente do colegiado, deputado Sandro Alex (PSD-PR), lembrou que no parecer preliminar de Rogério ficou claro que fatos novos que surgissem na investigação poderiam ser incorporados ao relatório final e classificou o despacho de Maranhão como um fato grave.
– Ele (Maranhão) não pode nos proibir de incluir fatos novos – concluiu.
Alex considera que a possibilidade de retirar do relatório a informação de que as contas no exterior serviam para receber dinheiro de propina do esquema de corrupção na Petrobras pode enfraquecer os argumentos para eventual pedido de cassação de Cunha.
– Essa conta é oriunda de propina e dinheiro ilícito. Isso piora muito a situação dele – observou.
Os aliados de Cunha trabalham nos bastidores por uma punição mais branda, uma espécie de "anistia" ao peemedebista, que se esforçou para levar adiante o processo de impeachment de Dilma. Adversário de Cunha, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) rechaça a proposta de anistia e diz que mesmo que o escopo dos trabalhos fique restrito, o presidente da Câmara ainda ficará sujeito a cassação, uma vez que também poderá ser investigado por ocultação de bens e valores na declaração obrigatória que todo parlamentar deve apresentar ao assumir o cargo.
– Ele juntou declaração falsa à Câmara, isso já é um fator de perda de mandato. Ele tem conta fora, sim, sonegou informações ao Banco Central e à Câmara. Já temos fundamento para a cassação – disse Delgado. – Eduardo Cunha está vendo que a hora dele vai chegar. Ele é foco de muita gente – completou.
Nota
Na tarde desta terça-feira, o presidente do conselho divulgou uma nota reafirmando que as testemunhas arroladas no processo serão ouvidas e o processo continuará sem limitações. Na mensagem, Araújo enfatizou que a fase probatória permite que o relator ouça os depoimentos e solicite os documentos que achar necessário para a fundamentação de seu parecer, sem questionamento sobre metodologia de seu trabalho.
"Vê-se que há um interesse evidente em limitar o trabalho do relator evitando que novas provas venham à luz nesta fase e o parlamentar investigado responda apenas pelo fato ter mentido à CPI da Petrobras", declara na nota.
Araújo lamenta a nova intervenção indireta de Cunha no andamento do processo disciplinar. "Esta não é a primeira tentativa de barrar os depoimentos. Quando ouvimos Leonardo Meirelles, um mandato de segurança chegou a ser protocolado no STF pedindo a suspensão das testemunhas. A ministra Cármen Lúcia entendeu à época que a medida cautelar tinha apenas o objetivo de impedir a produção de provas testemunhais", diz a nota.