Celebrado pelos petistas como o salvador quando assumiu a coordenação dos esforços para livrar Dilma Rousseff do impeachment, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fracassou na etapa da Câmara e, apesar da dedicação exclusiva, arrebanhou apenas 137 dos 513 votos. O processo avançou e ficou a dúvida sobre a perda de capacidade daquele Lula dos grandes acordos, capazes de contornar crises como a do mensalão.
A situação do petista é paradoxal. Em recente pesquisa do Datafolha sobre intenção de voto para a Presidência, apareceu em primeiro lugar, com 21%, demonstrando ainda ter significativo capital político. Ao mesmo tempo, sua rejeição ultrapassou os 50%, foi amplamente derrotado na disputa do impeachment, é investigado pela Operação Lava-Jato, que chegou a levá-lo para depor coercitivamente, e aceitou a nomeação para ser ministro da Casa Civil, o que deixou a imagem de que buscava o foro privilegiado para fugir do juiz Sergio Moro.
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A posse de Lula, suspensa liminarmente, entrará na pauta desta quarta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento dos 11 ministros da Corte. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer favorável à anulação do ato que pôs o petista no cargo por entender que houve desvio de finalidade. A decisão do governo provocou protestos pelo país.
Aliados do ex-presidente dizem que a culpa pelos poucos votos obtidos na votação do impeachment é de Dilma. O fracasso da operação capitaneada por Lula, que transformou o hotel Royal Tulip em bunker, onde oferecia cargos e favores em troca de apoio de deputados, somou apenas um voto a mais do que os 136 obtidos por Arlindo Chinaglia (PT-SP) na eleição à presidência da Câmara em fevereiro de 2015 – vencida por Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A base de apoio ao governo não cresceu em nada.
– O que aconteceu no último domingo reflete uma relação de cinco anos que o governo tem mantido com o parlamento. São muitas dificuldades que se acumularam e isso não se resolve em 15 dias – analisou Humberto Costa (PT-PE), líder do governo no Senado, responsabilizando a criticada inabilidade política de Dilma e dos seus ministros para lidar com o Congresso.
Nas negociações, Lula enfrentou uma série de percalços. Deputados que se reuniram com ele prometeram entregar apoio, mas o traíram no momento de ir ao microfone declarar a posição. Já durante a sessão, o ex-presidente tentou contatar parlamentares por telefone, mas houve quem disse que não podia lhe atender. Para o senador Paulo Paim (PT-RS), o resultado pró-impeachment também é fruto de promessas de entrega de cargos que o vice-presidente Michel Temer fez às bancadas. Aliados do governo voltam a isentar Lula de culpa nas atuais crises políticas e econômica. Mais uma vez, apontam para Dilma.
– Não posso responsabilizar quem está de fora há seis anos. A presidenta Dilma tentou aplicar um receituário que não é exatamente o que defendemos – diz a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), criticando a política econômica do Planalto, que, diante da situação de endividamento, buscou o ajuste fiscal.
– A situação de hoje é reflexo do quadro internacional e de erros que a gente cometeu ao longo do primeiro governo da presidenta Dilma – afirma Humberto Costa.
Se a presidente é alvo de críticas dos companheiros, Lula continua prestigiado, inabalável na condição de líder maior do PT.
– Ele está sendo bombardeado 24 horas por dia. E, ainda assim, está em primeiro lugar nas pesquisas. Isso mostra a força do carisma do Lula. Ninguém resistiria. É algo fora no normal – interpreta Paim.
Decisão de assumir pasta foi arriscada, diz especialista
Para Rodrigo Augusto Prando, sociólogo e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Lula está "colhendo os frutos pela decisão pessoal de indicar Dilma" para ser a candidata do PT em 2010. Ele aponta que a "presença constante" do petista e de ministros indicados por ele para o núcleo do governo atrapalharam a presidente, que sempre enfrentou duras resistências do PT. O professor também avalia que a manobra de se tornar ministro foi "muito arriscada". Além dos problemas jurídicos, causou indignação popular e culminou na revelação de grampos telefônicos que danificaram ainda mais a imagem do ex-presidente. Para o sociólogo, foi um episódio que demonstrou queda na capacidade de Lula de fazer prognósticos políticos.
– Na verdade, Lula é um excepcional comunicador e muito inteligente. Morto ele não está, mas hoje vive o pior momento da sua vida pública. A intenção de voto registrada na pesquisa é o teto dele. Um ex-presidente transformado em um boneco com roupa de presidiário traz uma simbologia muito forte – analisa Prando.
Para a oposição, o ex-presidente tem papel central na crise. Por isso, entrou em declínio.
– Não só decadência, mas o povo hoje está tomando conhecimento sobre quem é Lula. Ele é o mentor intelectual de todo esse desastre. A presidente Dilma Rousseff é uma outsider, uma invenção do Lula, um poste sem luz que ele insistiu em colocar para cumprir as suas determinações – critica o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
O caminho de volta à Esplanada
Benesses de construtoras
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é investigado por ter recebido supostos benefícios de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato, como um triplex no Guarujá, litoral paulista, e benfeitorias em um sítio de amigos que frequenta em Atibaia, interior de São Paulo. Além disso, pagamentos à empresa LILS e doações ao Instituto Lula são alvo de apurações da força-tarefa.
Prisão decretada
O caso do triplex foi investigado inicialmente pelo Ministério Público de São Paulo, que denunciou o ex-presidente e pediu a prisão preventiva dele e de mais seis pessoas. A mulher de Lula, Marisa Letícia, e um dos filhos do casal, Fábio Luís, o Lulinha, também foram denunciados. Por decisão da Justiça paulista, o processo foi remetida para a Justiça Federal de Curitiba, sob o comando do juiz Sergio Moro, onde tramitam os inquéritos da Lava-Jato.
Condução coercitiva
Em 3 de março, Lula foi alvo da 24ª fase da operação e levado coercitivamente para depor na Polícia Federal em São Paulo. A ordem de Moro provocou protestos em apoio e contra o ex-presidente no aeroporto de Congonhas, onde ocorreu o depoimento. A medida gerou críticas ao juiz, inclusive de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e levou também a movimentos de apoio ao magistrado.
Foro privilegiado
Após a ordem de condução coercitiva, ganha força a tese de nomear Lula ministro do governo Dilma Rousseff. A alegação é de que o ex-presidente seria alvo de perseguição de Moro. Para evitar ser preso por ordem do juiz, passaria a contar com foro privilegiado e seria investigado somente pelo STF.
Nomeação, gravações e protesto
Em 16 de março, o Palácio do Planalto anunciou a nomeação de Lula para o cargo de ministro da Casa Civil. No final da tarde, Moro divulga gravações de conversas telefônicas do ex-presidente. Em uma delas, com Dilma, é tratada a entrega do termo de posse a Lula no aeroporto, com o alerta de que deveria ser usado somente "em caso de necessidade". Manifestações contra o governo com milhares de pessoas nas ruas ocorreram em diversas cidades do país, mais um fato negativo para o governo.
À espera do STF
No dia seguinte, Lula assume o cargo em Brasília, mas em seguida uma liminar impede o ato. Outras ações são analisadas no país. O caso chega ao STF, e o ministro Gilmar Mendes decide vetar a posse até que o plenário decida, o que vai ocorrer nesta quarta-feira. Nesse período, as investigações sobre Lula foram enviadas ao Supremo por decisão do ministro Teori Zavascki.