Homologada na manhã desta terça-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, a delação premiada do senador petista Delcídio Amaral traz uma série de acusações à presidente Dilma Rousseff. Entre elas, a de que Dilma influenciou a escolha de um ministro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tivesse "compromisso" com a liberação de habeas corpus para políticos presos na Operação Lava-Jato. Isso teria ocorrido após outras tentativas frustradas do governo para que isso ocorresse.
Segundo Delcídio, a presidente também teria tido atuação direta na contratação de Nestor Cerveró na diretoria financeira da BR Distribuidora. Além disso, a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que gerou um prejuízo de US$ 792 milhões à Petrobras, seria do conhecimento de Dilma, que chegou a alegar não ter participado de reuniões que definiram os detalhes do contrato.
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No documento, o senador cita ainda que o governo e a classe política "se preocupavam muito" com a Operação Lava-Jato, em especial em razão da "instabilidade política causada por ela". Segundo Delcídio, o governo avaliava que o processo estava se alongando por muito tempo e que estava interessado em "dar celeridade e equacionar uma série de pendências", que incluíam a liberação de presos com "importância no cenário político e empresarial".
As principais acusações feitas por Delcídio contra Dilma
1 - Intervenção no STJ para libertar presos da Lava-Jato
Delcídio cita três investidas do Planalto para tentar esquematizar a liberação dos pedidos de habeas corpus de políticos e empresários presos na operação. Segundo o delator, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e a presidente Dilma, com auxílio do advogado Sigmaringa Seixas, tentaram alterar os rumos da Lava-Jato 18 dias após a prisão de Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo. Em 7 de julho do ano passado, Dilma, Cardozo e o ministro do STF Ricardo Lewandowski tiveram um encontro em Portugal onde supostamente falaram sobre o reajuste das verbas do Poder Judiciário. Entretanto, Delcídio afirmou que a reunião tinha como tema a Lava-Jato. Porém, a conversa teria sido "deserta" e "árida", sem nenhum feedback, o que frustou esta primeira investida do governo de intervir na operação.
Na sequência, como não houve êxito na conversa com o ministro, o governo teria mudado de estratégia e se voltou para o STJ. Conforme o delator, Cardozo foi a Florianópolis para negociar a indicação do presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Nelson Schaefer, para o STJ. Em julho de 2015, Cardozo teria se reunido com o governador Raimundo Colombo, que intermediaria com o desembargador Newton Trisotto, à época interino no STJ, a indicação de Schaefer em troca de votos pela "liberação do pessoal preso" e de que ele fosse mais "flexível" na Lava-Jato.
A ideia, segundo o relator, era ver se Trisotto "aliviava na mão" e, em troca, Santa Catarina "ganharia" um novo ministro do STJ. A proposta não seria apenas para a liberação rápida dos presos, mas ter alguém que pudesse contribuir para "mitigar os efeitos da Operação Lava-Jato". Delcídio diz que Schaefer não teria conhecimento desta articulação. Conforme o depoente, "as coisas não andaram" e a iniciativa se mostrou frustrada.
Por fim, após as duas tentativas fracassadas, de acordo com a delação do senador, começou a se desenhar a nomeação do desembargador Marcelo Navarro Ribeiro Dantas ao STJ. Delcídio relatou que, na semana de definição da estratégia, teve um encontro com Dilma no Palácio da Alvorada, para uma conversa privada. Eles teriam conversado enquanto caminhavam pelos jardins e a presidente pediu ao senador que falasse com Ribeiro Dantas, para que ele se comprometesse com a soltura de Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo.
Delcídio disse então ter se encontrado rapidamente com o desembargador no Palácio do Planalto, em uma saleta do andar térreo, onde o "compromisso" foi ratificado. Ribeiro Dantas foi nomeado e, na condição de relator, votou favoravelmente pela soltura dos dois executivos de empreiteiras, mas as prisões foram mantidas pelos votos de seus colegas. Como provas destas alegações, Delcídio apresenta registros de sua agenda oficial atestando encontros e ligações feitas entre ele e o Ribeiro Dantas.
2 - Ingerência na nomeação de Cerveró na diretoria financeira da BR Distribuidora
Ao contrário do que afirmou em várias oportunidades, segundo o depoente, Dilma teve participação ativa na nomeação de Nestor Cerveró para a diretoria financeira da BR Distribuidora. Delcídio disse que no dia da aprovação da indicação pelo Conselho, quando estava em um casamento em Salvador, recebeu seis ligações da presidente. Ela havia contatado o senador para perguntar se Cerveró já tinha sido convidado para o cargo na BR Distribuidora e, depois, ligou para confirmar a nomeação, que se concretizou na segunda-feira seguinte, 3 de março de 2008.
Delcídio garante que Lula já tinha o nome de Cerveró e "inclusive" Dilma, como então ministra de Minas e Energia. Questionado sobre a escolha, Delcídio disse acreditar que tenha sido um "prêmio de consolação" ou um "cala boca". Ele afirmou ainda que Cerveró "ajudou muito o PT", em especial "o caso que envolve a Sonda Vitoria 10.000", cuja finalidade era arrecadar fundos e valores para pagamento de dívidas de campanha do PT e também do PMDB.
Neste trecho da delação, Delcídio cita ainda que após a CPI dos Correios e o mensalão, entre 2005 e 2006, escândalos que atingiram diretamente o PT, ele ficou sem apoio e que, como o governo de Lula precisaria de base parlamentar para se manter no Congresso, o PMDB "se aproveitou da situação" e "assumiu" Cerveró, o que deu força ao partido dentro da Petrobras. Além do PT e PMDB, o PP também teria influência dentro da estatal, segundo o depoente. Paulo Roberto Costa também seria apadrinhado por partidos, no mesmo esquema que Cerveró.
O senador petista diz que não sabia ao certo o que Cerveró e Costa faziam, mas que o PMDB influenciava ambos e isso representava "a escolha de empresas de interesse do partido, em especial pela forma coma e flexibilizado o processo seletivo na Petrobras". Os dois diretores "ajudavam" as empresas e os partidos recebiam "doações" em troca. Como provas, são apresentadas a agenda do senador, voos feitos, relação de telefonemas feitos e recebidos e a data de nomeação de Cerveró.
3 – Relação de Dilma na compra da refinaria de Pasadena
Na delação premiada, Delcídio diz entender que "haviam sido cometidos ilícitos" na compra da refinaria de Pasadena e que não há "qualquer possibilidade de isenção de responsabilidade" do Conselho de Administração, do qual Dilma fazia parte. Ele relatou considerar que foi "vendido um peixe" de que a compra da refinaria não teria tido o conhecimento deste Conselho. A decisão da aquisição seria decorrente, segundo o depoente, de uma "ação entre amigos", no âmbito dos executivos e técnicos da Petrobras e que Cerveró, Paulo Roberto Costa e Fernando Baiano, entre outros, estavam interessados no negócio.
Delcídio também relata ter recebido dinheiro advindo de propinas pagas pela compra da refinaria de Pasadena, usados para quitar dívidas de campanha eleitoral ao governo do Mato Grosso do Sul da ordem de R$ 5 milhões. Ele teria recebido pelo menos R$ 1 milhão por intermédio de Cerveró e Baiano. O valor global da propina pela negociação seria de US$ 15 milhões.