Na boca de políticos e ministros envolvidos com a Lava-Jato e com a crise que atinge o país, o Supremo Tribunal Federal (STF) reagiu nesta quinta-feira à crítica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que classificou a Corte como "acovardada" em escuta telefônica divulgada pelo juiz federal Sergio Moro. Coube ao decano do colegiado, ministro Celso de Mello, responder ao petista. No discurso, de pouco menos de cinco minutos, o magistrado repudiou a fala de Lula, disse que o Judiciário foi insultado por ele e ressaltou que a lei é igual para todos, governantes e governados.
– A República, além de não admitir privilégios, repudia a outorga de favores especiais e rejeita a concessão de tratamentos diferenciados aos detentores do poder ou a quem quer que seja – disse.
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Na mensagem, o ministro também defendeu os juízes brasileiros e atribuiu as críticas de Lula a um suposto temor "pela prevalência do império da lei". Nos bastidores, a pronta resposta do STF foi vista como reflexo do desconforto do Judiciário com o teor das escutas telefônicas, que além do ataque dirigido ao comportamento dos ministros mostra Lula pedindo para o ex-ministro da Casa Civil Jaques Wagner conversar com a ministra Rosa Weber a respeito de uma ação do ex-presidente.
A reação futura do STF diante dessa situação é objeto de opiniões divergentes. Entre alguns especialistas e líderes classistas, a convicção é de que os ministros não têm agido de maneira ativista nas decisões e não estariam se acovardando, como sugeriu Lula. O principal motivo para isso é a avaliação feita dos processos julgados pelo Supremo ao longo dos últimos anos, quando ações com teses favoráveis e contrárias ao governo foram acolhidas. Isso sinalizaria que a Corte não tem demonstrado tendência para nenhum dos lados.
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– As declarações do ex-presidente constrangem todo o Brasil, mas não as vejo como ameaça de modificar o comportamento do Supremo. Temos muita segurança de que isso não vai influenciar. O STF tem cumprido o seu papel e é um momento em que os agentes públicos precisam ter serenidade – opina o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa.
O impacto das afirmações nos eventuais processos contra o ex-presidente que venham a ser examinados pelo colegiado é visto com cautela. O professor de Direito Constitucional Leonardo Grison pondera que os magistrados não estão imunes à pressão:
– Só estando dentro da cabeça do ministro para saber (as reações). Existem garantias constitucionais para a imparcialidade do juiz, mas eles são pessoas que, no fim das contas, são suscetíveis a isso, ainda mais quando a acusação atinge a honra da instituição.
Também especialista na área, o professor da Unisinos Anderson Teixeira acredita que Lula poderá enfrentar problemas:
– A partir do momento em que o ex-presidente adota uma postura agressiva, ele ganha animosidade na Corte. Em outro momento, ele afirma que o procurador-geral da República teria de demonstrar gratidão. Ora, isso é extremamente forte. A Corte tem de zelar pela Constituição, não pelo governo.
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Embora classifique a expressão utilizada por Lula como "infeliz", o ex-procurador de Justiça e professor de Direito Constitucional Lenio Streck não vê o STF como uma instituição acima de qualquer crítica.
– É infeliz você usar essa expressão, embora tenha sido usada em conversa privada. A Corte tem vários defeitos. Seguidamente, julga contra a Constituição. Ela tem sido muito ativista e tenho uma leitura mais ortodoxa da Constituição.
"Tenho certeza que esta Casa não furtará aos cidadãos brasileiros o cumprimento deste elevado múnus (manter a supremacia da Constituição Federal e a manutenção do estado democrático de direito)"
As citações aos ministros da Corte
Prisão de Delcídio
Antes de ser preso, o senador Delcídio Amaral afirmou ao filho de Nestor Cerveró, Bernardo, que poderia influenciar ministros do STF em prol da soltura do pai. "Conversei com o Teori (Zavascki), conversei com o (Dias) Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar (Mendes), o Michel (Temer) conversou com o Gilmar também", afirma na gravação.
Delação de Delcídio
No acordo de colaboração do senador com a Justiça, um áudio de conversa entre seu assessor de imprensa e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, mostra o petista falando em buscar contato com ministros para tentar soltar o parlamentar. Mercadante cita Teori e o presidente da Corte. "Também precisa conversar com o Lewandowski. Posso falar com ele pra ver se a gente encontra uma saída", diz.
Escutas de Lula
Grampos telefônicos da PF flagraram Lula afirmando que o Brasil tem "uma Suprema Corte acovardada". Além disso, o ex-presidente aparece em conversa com Jaques Wagner sugerindo que ele fale com a ministra Rosa Weber sobre uma ação que tramitava na Corte. "Queria que você visse agora, falar com ela, já que ela tá aí, falar o negócio da Rosa Weber, que tá na mão dela pra decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram", afirma.
Os principais posicionamentos do STF na crise
Homologação da delação de Delcídio
Com mais de 400 páginas, o acordo de delação premiada do senador Delcício Amaral (ex-PT-MS)foi homologado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki. Além de registrar o documento, que contém acusações direcionadas aos principais nomes da política no Brasil, o ministro retirou o sigilo do processo. A medida afetou tanto o governo quanto a oposição.
Abertura de inquérito contra políticos
-Em 6 de março de 2015, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, Teori autorizou a abertura de investigações contra 47 políticos com foro privilegiado por suposto envolvimento na Lava-Jato. Eles foram citados por delatores do escândalo de corrupção. A atitude afetou mais a oposição do que o governo, pois envolveu, na maioria, parlamentares do PP e do PMDB (entre eles, os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha).
Ação penal contra Eduardo Cunha
Um dos principais adversários de Dilma Rousseff, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi o primeiro político investigado pela Operação Lava-Jato a ter a situação analisada pela Corte. Por unanimidade, os ministros decidiram abrir ação penal por corrupção e lavagem de dinheiro contra o peemedebista, que agora é réu e pode ser condenado à prisão. O movimento favoreceu o governo.
Aprovação do rito do impeachment
Em dezembro, o Supremo derrubou eleição da comissão especial do impeachment, feita pela Câmara por iniciativa da oposição – decisão que manteve nesta semana. Além disso, o STF reiterou que o Senado tem poder de barrar o impeachment. Pelo rito anterior, aprovado o impedimento pela Câmara, a presidente seria afastada de imediato. Na época, o governo comemorou o despacho, já que derrotava as pretensões do rival Cunha.