O governo estadual está pronto para protagonizar uma disputa judicial contra a União que além de zerar a dívida que hoje está na faixa de R$ 8,5 bilhões poderia ter efeito sobre o endividamento de outros Estados e municípios. É chamada de "tese de Santa Catarina" a linha de argumentação arquitetada pela Secretaria da Fazenda e pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) que aponta a cobrança de juros sobre juros no recálculo da dívida proposto pelo governo federal.
A expectativa no governo é de que a PGE apresente até dia 15 de fevereiro uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o decreto do governo federal que regulamenta a renegociação das dívidas aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2014. A forma do cálculo apresentada pelo Ministério da Fazenda praticamente mantém os valores devidos. Os estudos do governo catarinense estão concluídos e trazem o aval do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o órgão que reúne todos os secretários estaduais da Fazenda. Incluem ainda pareceres contratados junto à Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do jurista Carlos Ayres Britto, ex-ministro do próprio STF.
– Seria muita irresponsabilidade com os catarinenses pagar sem analisar profundamente, por isso não assinamos o aditivo e agora vamos à Justiça. Nossa dívida era de R$ 4 bilhões. Até 2015 já pagamos R$ 13 bilhões e ainda devemos R$ 9 bilhões. Não existe isso – diz o governador Raimundo Colombo (PSD), que chegou a participar de um encontro com Ayres Britto para discutir o tema no dia 20 de janeiro.
A forma como o governo federal recalculou as dívidas pode levar o Estado a ver o débito crescer para até R$ 9,4 bilhões em vez de diminuir, por causa do "juro capitalizado". A lei aprovada determina o uso da Selic "acumulada" no período. Isso, no entendimento dos catarinenses, significa que o juro deve ser cobrado só sobre a dívida em si e não sobre sua correção. Nesse cálculo, Santa Catarina não teria mais nada a pagar à União.
– Fizemos todo o trabalho com base na lei, e aguardamos o decreto que regularia a aplicação dela. Quando o decreto veio, ele afrontou, reduziu o conteúdo da lei – afirma o secretário da Fazenda, Antonio Gavazzoni (PSD).
A articulação chamou atenção de outros Estados que podem ser beneficiados pelo efeito dominó de uma decisão favorável aos catarinenses. O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, participou de reuniões em Santa Catarina e chamou a tese jurídica de "bala da prata" para a questão da dívida gaúcha – ela cairia de R$ 51,6 bilhões para R$ 3,7 bilhões. De São Paulo, veio o secretário adjunto da Fazenda, Roberto Yamazaki.
Entenda o caso
- Em março de 1998, Santa Catarina e a União assinaram o contrato de federalização da dívida do Estado. Eram R$ 4.165.150.816 que seriam corrigidos pela taxa de inflação IGP-DI mais 6% de juros. As parcelas mensais eram limitadas a 13% da arrecadação. Se o valor não alcançasse a parcela, o que faltava se tornava resíduo, com correção maior.
- Ao final de 2007, o governo estadual ainda devia R$ 9,9 bilhões à União. No ano seguinte o valor pularia para R$ 11,9 bilhões por causa do processo de incorporação do Besc ao Banco do Brasil, que previa acrescentar à dívida os valores gastos durante a federalização do banco.
- No final de 2012, o governo federal autorizou o Estado a contratar empréstimo de R$ 1,5 bilhão junto ao Bank Of America para quitar a dívida extralimite. Isso permitiu a redução da parcela mensal para a União, que passou a ficar em torno de 8%.
- Em dezembro de 2014, o Congresso Nacional aprovou a lei que permitia a troca dos índices de correção das dívidas de Estados e municípios com a União. A fórmula IGP-DI + 6% seria substituída pela IPCA + 4%. Na época, a estimativa em Santa Catarina era uma redução de R$ 5,75 bilhões no valor total da dívida e de R$ 10 milhões na parcela mensal.
- Em janeiro de 2015, Joaquim Levy assume o Ministério da Fazenda com a missão de promover ajuste fiscal. Ele posterga a regulamentação da lei que determinava a renegociação da dívida.
- Diante da falta de regulamentação, Congresso aprova nova lei em abril, dando prazo até o final do ano para que seja feita.
- Levy deixa o ministério em dezembro do ano passado. Com Barbosa no cargo, decreto que regulamenta é publicado no final do ano. A aplicação da taxa Selic de forma capitalizada, o chamado juro sobre juro, mantém as dívidas nos padrões atuais. No caso de SC, pode até aumentar de R$ 8,5 para R$ 9,5 bilhões.
- Secretaria estadual da Fazenda e Procuradoria Geral do Estado finalizam em janeiro os estudos em que defendem a tese de que a lei aprovada pelo Congresso determina a correção apenas sobre o valor da dívida contraída, não sobre sua atualização. A tese chama atenção de outros Estados que também poderiam ser beneficiados.
Tese foi baseada em lei de 2014
A base da "tese de Santa Catarina" é a lei aprovada no final de 2014 pelo Congresso determinado a mudança da forma de correção das dívidas de Estados e municípios que foram assumidas pela União entre 1997 e 1999. Essa correção era feita com base no Índice inflacionário IGP-DI e mais um percentual de juros que variava – no caso de Santa Catarina, são 6%. Dessa forma, o Estado financiou R$ 4,1 bilhões, já pagou R$ 11 bilhões e ainda deve R$ 8,5 bilhões.
A proposta aprovada pelo Congresso determinou que a troca do IGP-DI pelo IPCA, que variou menos no período, e limitou os juros a 4%. Além disso, previu a aplicação da taxa Selic, a tava de juros oficial do país, como teto dessa correção. A expectativa era de que essas mudanças dessem algum alívio aos Estados e municípios, especialmente por prever que o novo cálculo deveria ser aplicado a toda dívida, com perspectiva de redução do volume total.
O texto necessitava da regulamentação do governo federal. Em meio ao ajuste fiscal, o então ministro da Fazenda Joaquim Levy tentou segurar ao máximo a mudança dos indicadores. Apenas após sua saída do cargo, em dezembro, veio o decreto que regulamentou a questão. Uma ducha de água fria em governadores, prefeitos e secretários da Fazenda porque mantinha os patamares da dívidas.
– Fizeram um ajuste semântico que reduziu o conteúdo da lei. Ela era para beneficiar e acabou não beneficiando – afirma Gavazzoni.
Quando isso aconteceu, os técnicos da Fazenda e da PGE já se debruçavam no que viria a ser a "tese de Santa Catarina". Em abril foram iniciados os estudos com as simulações dos possíveis impactos da lei aprovada na dívida catarinense. Técnicos da Fazenda defenderam a possibilidade de que o governo federal fizesse a correção do valor da dívida utilizando a taxa Selic com juro sobre juro. Ao longo de sucessivas reuniões, o governador Raimundo Colombo (PSD) foi convencido de que o Estado não poderia assinar o aditivo da dívida baseado no decreto do governo federal.
No final do ano passado, a Alesc aprovou o projeto que autoriza o governo estadual a renegociar a dívida com a União. Presente no encontro de Colombo com Ayres Britto, o presidente da Alesc, Gelson Merisio (PSD) diz que os deputados estaduais votaram com base na renegociação prevista na lei e não a do decreto:
– O Estado não quer dar calote. Essa dívidas já está paga. Estão assaltando Santa Catarina.