Escancarada por investigações da Polícia Federal, a promiscuidade entre políticos e empresários está levando o Congresso a retomar um debate sempre postergado no país: a necessidade de se regulamentar o lobby. Enquanto 11 projetos de lei sobre o tema estão parados em Brasília, a cada dia aumentam as dúvidas sobre a linha tênue que separa o tráfico de influência da legítima intermediação de interesses.
Figuras proeminentes no escândalo da Petrobras - muitas delas já presas e condenadas -, lobistas costumam circular com desenvoltura pelos corredores do poder. Visitam gabinetes, organizam jantares e distribuem brindes, nem sempre módicos, a quem possa auxiliá-los a cumprir seus objetivos, legais ou escusos. A urgência para a criação de um marco regulatório da atividade visa a estabelecer parâmetros para o desempenho profissional, garantindo sobretudo transparência nas ações.
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A recente suspeita de que o ex-ministro do Trabalho Manoel Dias teria atuado em prol de empreiteiras flagradas descumprindo obrigações trabalhistas em obras da Petrobras apimentou ainda mais essa discussão. Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro afirma que detentores de cargos públicos jamais podem fazer lobby. Para ele, a atividade precisa ser exclusivamente privada e obedecer critérios rígidos.
- No Brasil, há uma desconfiança geral. Todo mundo acha que o lobby, por princípio, é desonesto. Muitas vezes, a ação não é ilegal, mas fica esse vazio jurídico. E a regulamentação ainda não ocorreu porque, se você mostra determinados vínculos, se verá que muito da atuação política é pautada por interesses privados - pontua Janine.
No Congresso, a regulamentação do lobby foi encampada pelo DEM. Autor da iniciativa, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) defende a criação de uma comissão especial para acelerar a análise dos projetos em trâmite na Câmara. O texto mais antigo, apresentado pelo então senador Marco Maciel (DEM-PE) em 1989, chegou a ser aprovado pelo Senado, mas jamais foi apreciado pelos deputados.
- Sinto que agora há um ambiente propício para avançarmos nesse debate. Não vamos acabar com a corrupção, mas é possível separar o joio do trigo, deixar claro o que é admissível do que é ilegal na defesa de interesses - diz Mendonça.
Criação de conselho para a categoria divide opiniões
Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, o consultor jurídico Gilson Dipp diz que o ideal seria a criação de um conselho nacional da categoria, um órgão responsável por registrar os profissionais, fiscalizar e punir quem infringir as regras de conduta. O jurista apregoa que o lobby é uma atividade legítima e que precisa deixar de ser estigmatizada.
- Muitos projetos de lei não são feitos pelos deputados ou assessores, mas sim pelos segmentos interessados. Por isso, o lobista tem de ostentar crachá e ter livre acesso ao Congresso e ao Executivo. É justo que ele apresente estudos e faça pressão, mas tem de haver transparência. Do jeito que está, há sempre a suspeita de que é um bandido.
Janine, contudo, discorda da criação de um conselho nacional. Para o ex-ministro, a autorregulamentação tem poucos efeitos práticos. A visão dele é corroborada pelo exemplo do Reino Unido, onde foi adotado sistema semelhante: as penas são brandas e muitos dos punidos deixaram o conselho mas permaneceram fazendo lobby.
- Autorregulamentação vira ação entre amigos, a tendência é de autoproteção -
argumenta Janine.
Destaque nas ações da polícia federal
Lava-Jato
- Os principais lobistas envolvidos na Operação Lava-Jato percorreram o mesmo roteiro ao longo das investigações. No início do cerco, Fernando Baiano, Milton Pascowitch e Hamylton Padilha negaram ações criminosas, resumindo suas atividades junto à Petrobras a lobby profissional. Ao final, os três fecharam acordo de delação premiada, admitindo a autoria de crimes em troca de redução de pena.
Zelotes
- Presos na Operação Zelotes, Alexandre Paes dos Santos, Mauro Marcondes e José Ricardo da Silva jamais admitiram os crimes dos quais são acusados. Eles são suspeitos de corromper servidores públicos para aprovar medidas provisórias e anular multas aplicadas pela Receita Federal. Eles alegam que a investigação é um retrocesso para a democracia por tentar criminalizar a atividade dos lobistas.
A ORIGEM DO TERMO
O lobby ganhou esse nome por uma situação inusitada. Presidente dos Estados Unidos de 1869 a 1877, Ulysses S. Grant costumava encerrar o expediente degustando conhaque com charutos no lobby do hotel Willard, em Washington.
A presença de um presidente bebericando em um local público logo atraiu pessoas que não titubeavam em reivindicar obras públicas ou até mesmo intervenção federal em disputa por terras. Pela manhã, ao despachar na Casa Branca, Grant se referia aos interlocutores como "lobistas do hotel Willard".
Os EUA têm hoje cerca de 30 mil lobistas profissionais. Juntos, movimentam mais de US$ 2 bilhões por ano. Em 2013, a categoria mudou o nome de sua principal entidade de Liga Americana de Lobistas - da sigla em inglês ALL, que também é a palavra "tudo" na língua americana e poderia denotar ausência de limites - para Associação dos Profissionais de Relações Governamentais.
ENTREVISTA
"Lobista tem de prestar serviços, não fazer negócios", diz diretor de uma das maiores empresas do ramo no Brasil
Sócio-diretor de uma das maiores empresas do país no setor de relações governamentais, a Patri Políticas Públicas, Eduardo Carlos Ricardo é um defensor ferrenho da regulamentação do lobby. Com a experiência de quem atua há 30 anos em Brasília e há 20 em Washington, nos EUA, Ricardo diz que é fundamental proibir honorários por sucesso, principal vetor de corrupção. Ele também prega a instituição de um mandato de representação para os lobistas, uma espécie de escritura pública na qual fica explícito quem o profissional representa.
Como deveria ser feita a regulamentação do lobby?
Por lei federal, com regulação das relações privadas com a administração pública, em todos os poderes, inclusive autarquias e estatais, no plano federal, estadual e municipal. Mas é importante que não haja alto custo burocrático e administrativo. Para eliminar a zona cinzenta do lobby, é preciso garantir transparência, uma ação combinada à Lei de Acesso à Informação, ao combate à corrupção, à responsabilidade jurídica das empresas e ao financiamento das campanhas eleitorais.
Por que a regulamentação da atividade nunca foi feita?
Ninguém se interessou. O projeto do ex-senador Marco Maciel é de 1989 e muito simples. Ele só queria saber com quem estava falando e quais interesses esse lobista defendia, mas até hoje está parado. Por isso, é importante o mandato de representação. É como se você estivesse diante de uma ponte recém construída. Se houver algum problema, está ali o registro profissional do engenheiro responsável.
Com o regramento, será possível separar lobbys do bem e do mal?
Não acredito em lobby do bem ou do mal. Acredito em lobby. O que se precisa ter é representação qualificada. Não pode ser alugada. Não alugo a minha cara, nem a minha cabeça. Faz cinco anos que não vou ao Congresso.
Como o senhor atua, então?
Hoje, há no Congresso 24 mil propostas de legislação, sobre tudo que é assunto.
O meu trabalho é monitorar tudo o que afeta cada cliente. Lobista tem de prestar serviços e não fazer negócios. Quando meus clientes vão a Brasília, precisam ter a orientação correta e não de alguém que fale em nome deles. O serviço tem de ter materialidade, você não pode ser pago por conhecer as pessoas certas nos locais certos.
E as taxas de sucesso?
É preciso acabar o quanto antes. Cobro mensalidade, não cobro honorários por sucesso. Eles são o principal vetor da corrupção. No Canadá, é crime. Na Europa, está sendo banido culturalmente.