A inflação não é um fenômeno novo na história econômica do brasileiro. Quem tem mais de 35 anos lembra bem dos tempos da hiperinflação, que chegava a dois dígitos mensalmente. Mas, após o advento do Plano Real, o país viveu um período de relativa estabilidade dos preços. Nos últimos anos é que o comportamento começou a fugir à regra e desobedecer as metas estabelecidas na política econômica.
Em 2015 e neste início de 2016, a inflação acelerada pela crise econômica no país e pelos gastos do governo tem resultado em novos recordes que preocupam empresários, consumidores e também os responsáveis por manter a economia nos trilhos. É o que economistas têm chamado de "a maldição dos 13", quer dizer, há 13 anos não se tinha uma inflação anual tão alta, um câmbio tão desvalorizado para o real e um saldo tão baixo na poupança dos brasileiros.
Embora as previsões mostrem que 2016 não deverá repetir os quase 11% de alta generalizada de preços e apontem para 2017 uma retomada no crescimento e na estabilização, a população vem perdendo poder de compra gradativamente, especialmente aquelas pessoas com faixa de renda mais baixa.
Isso ocorre porque a inflação dos alimentos têm sido muito superior à inflação geral. De junho de 2006 a dezembro de 2015, os alimentos subiram, em média, 142% em Santa Maria, enquanto a alta geral do custo de vida, medida pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra), foi de 86% no mesmo período.
O prejuízo é maior para os mais pobres porque é a parcela da população que gasta mais, proporcionalmente, para se alimentar do que para outros gastos, como lazer.
- Tenho visto os preços subindo muito. Não tem como escapar, então tento garantir a qualidade e comprar produtos mais naturais, que acabam custando menos do que os industrializados - afirma a estudante Priscila Pacheco, 19 anos.
Custos mais altos
Comerciantes, que têm um custo cada vez maior com luz, combustíveis e mão de obra, acabam repassando rapidamente ao consumidor, e notam a trajetória dos preços:
- Os alimentos oscilam muito, e o tomate é o campeão. Tem semanas em que na segunda eu compro uma caixa por R$ 35 e na quinta, por R$ 80. É a oferta e a demanda, o clima, várias coisas influenciam - diz o dono da fruteira Fruta Mania, Claiton Colpo.
A oscilação no valor dos alimentos é considerada sazonal por economistas, já que a estação do ano e o regime das chuvas afetam a oferta dos produtos. Porém, o que se vê, nos últimos anos, é que a alta nos meses de entressafra não tem sido compensada na época da colheita, gerando uma inflação acumulada.
Tanto no país quanto em Santa Maria, os alimentos subiram bem acima da média geral da inflação nos últimos anos:
Entenda mais sobre a inflação:
Por que a inflação dos alimentos é maior do que a inflação geral?
É o setor em que os custos de produção, transporte e armazenamento dos produtos mais pesa. Produtores têm de arcar com gastos maiores em energia e combustíveis, entre outros, além dos riscos climáticos que a atividade envolve e, por isso, o consumidor paga mais caro.
Como não há como substituir os alimentos por outros itens, o consumidor fica sem alternativas para fugir da alta - o que favorece, também, o repasse de custos por parte dos vendedores. Além disso, o cálculo dos índices de inflação leva em conta o peso de cada item no orçamento das famílias.
Quem sente mais forte o peso da inflação?
Justamente porque os alimentos aumentam mais rapidamente de preços, são os mais pobres que sentem o maior peso da inflação. Enquanto uma proporção maior dos salários das famílias de classes mais baixas é gasta com alimentação, em famílias que ganham mais, essa proporção é menor.
Quem tem renda maior também consegue encontrar alternativas de investimento em que, mesmo não consumindo, não perde dinheiro. Mas de forma geral, todos estão tendo o seu poder de compra deteriorado.
Em Santa Maria, os preços subiram menos do que no restante do país?
Não necessariamente. Os diferentes índices têm metodologias variadas, o que dificulta a comparação. O IPCA leva em conta no que gastam famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos. Ou seja, o levantamento de preços inclui produtos consumidos tanto por quem ganha um salário mínimo quanto por quem tem renda maior do que R$ 35,2 mil por mês.
Já o Índice do Custo de Vida de Santa Maria (ICVSM) avalia gastos de famílias com renda de 1 a 8 salários mínimos, refletindo mais fielmente a população da cidade.
- Mas, nos dois casos, na prática, se fosse ter um índice específico para quem ganha um salário mínimo, ele certamente seria bem maior do que o oficial. Na vida real, as pessoas sentem uma inflação maior do que a divulgada - explica o professor de Economia da Unifra José Maria Pereira.
Que diferenças entre a inflação de hoje e a da década de 1980?
Hoje, a inflação é conjuntural, causada por um déficit público grande e agravada pela crise econômica. Na década de 1980, a inflação começou a aumentar aos poucos. Quando foi criada a correção monetária, no início dos governos militares, entrou o ingrediente que alimentava, mês a mês, a elevação de preços. Com isso, quem deixava o dinheiro na poupança não era atingido pela hiperinflação, que chegou a 5.000% ao ano. Ao sacar, sabia que o dinheiro não perdia valor.
- Agora, vemos sucessivos recordes de saques da poupança porque não existe mais a correção. Quem deixa o dinheiro guardado, além do sacrifício de não gastar, perde valor - diz Pereira.
O que ocorre, como consequência, é que as pessoas podem achar mais vantajoso gastar do que poupar. Nas décadas de 1980 e 1990, foram necessárias medidas monetárias para conter a inflação. Hoje, o remédio é outro - veja a seguir. O que ocorre, como consequência, é que as pessoas podem achar mais vantajoso gastar do que poupar.
Qual o remédio para a inflação?
Há diversas correntes de pensamento que defendem variados tipos de medidas para conter os preços. A mais ortodoxa é a que eleva juros e força uma paralisia nos investimentos e no consumo das famílias.
É o que vem sendo feito no país, porém, só funciona quando ocorre a chamada inflação de demanda, quando os preços sobem porque as pessoas estão gastando demais. Quanto maior a demanda, os preços tendem a subir. Mas não é isso que ocorre no país hoje, conforme economistas.
- Esse é o diagnóstico errado do governo. A inflação atual é de custos, o comerciante repassa aquilo que está pagando mais de energia elétrica, gasolina... preços administrados, que o próprio governo determina - diz Pereira.
Nesse caso, o correto seria o governo cortar radicalmente seus gastos, inclusive restringir subsídios fiscais e outras formas de transferência. Além, é claro, de cessar os desperdícios. Dar aumentos salariais menores para os servidores públicos é outra medida que faz cortar gastos públicos, já que a folha de pagamento pesa no orçamento.
O que esperar do futuro?
- Economista é pessimista por natureza. Mas a verdade é que não se vê no governo federal que a atual equipe econômica tenha uma política de medidas coerente para barrar a inflação. Não tem isso - afirma José Maria Pereira.
A aceleração dos preços, que se viu principalmente em 2015, mas já dava sinais desde 2013, deve continuar em 2016. O mercado financeiro é mais otimista, prevendo que o IPCA não passe de 7,56% este ano. Ainda fora dos limites da meta de inflação, que vai até 6,5%, mas bem abaixo dos quase 11% de 2015.
Na prática, significa que os preços não devem aumentar tanto neste ano, mas a situação será delicada porque o desemprego tende a crescer, e o PIB deve seguir em queda.