Londres - Velhos amigos, Maggie Smith e o dramaturgo Alan Bennett estavam sentados no sofá de um hotel chique, contando, com uma frase aqui outra ali, como se conheceram. "Aí ela pulou em cima do porco", diz Bennett. Maggie se joga para trás, às gargalhadas. "Foi terrível", comenta, enxugando os olhos. Bennett olha para ela, imperturbável. "Para o porco também, eu imagino", conclui.
O porco em questão contracenou com a atriz no filme de Bennett de 1985, "Meu Reino Por Um Leitão"; três anos depois, ela interpretou a mulher solitária de um vigário anglicano no monólogo de sua autoria, "Bed Among the Lentils". Nesse dia agradável de dezembro, porém, eles se reencontraram para falar da nova parceria: o filme "A Senhora da Van", escrito por Bennett e dirigido por Nicholas Hytner, que estreou no dia quinze de janeiro nos Estados Unidos.
Todos têm uma associação de longa data com "The Lady in the Van", a improvável história de Mary Shepherd, uma sem-teto intratável que morou no tal veículo na garagem da casa de Bennett. Durante quinze anos.
Para um escritor, um material desses parece bom demais para ser verdade, mas Bennett só veio a registrar a vida de Mary e o curioso relacionamento que mantinham - relutante da parte dele, extremamente exigente da dela - só depois de sua morte, em 1989, primeiro publicando uma série de passagens de seu diário na London Review of Books, depois em um livro curtinho, "The Lady in the Van". Em 1999, ele o adaptou para uma peça de mesmo nome, estrelada por Maggie e dirigida por Hytner no National Theater, em Londres.
Dezesseis anos depois, eles se reuniram para recriar a narrativa em forma de filme, com Alex Jennings encarnando um Bennett, mais jovem e as filmagens, feitas em um mês e meio, na locação original: Gloucester Crescent, em Camden, hoje um bairro exclusivo, mas, na época, uma área de refinamento decadente, na região norte da capital inglesa, onde o dramaturgo morou durante quase 40 anos. (E ainda é dono da casa.)
Ambos têm 81 anos e gozam do prestígio de serem considerados verdadeiros Tesouros Nacionais no Reino Unido. ("Ah, pelo amor de Deus", diz Maggie, abanando as mãos, horrorizada com a sugestão.) Ela há muito é considerada uma das maiores atrizes do cinema e do teatro do país, mas, de uns anos para cá, nos papéis da inesquecível e ácida Violet, a Condessa viúva de Grantham em "Downton Abbey", e Minerva McGonagall na franquia "Harry Potter", alcançou o estrelato internacional.
Alan Bennett e Maggie Smith trabalharam juntos na história de A Senhora da Van desde o lançamento da peça, em 1999
Com a série, a saga e filmes como "O Exótico Marigold Hotel", ela vem seguindo há tempos uma agenda apertadíssima que intimidaria qualquer profissional 50 anos mais novo. Por que encarnar a Sra. Shepherd, como ela se chama no filme, de novo?
- Eu a encarei de uma maneira completamente diferente da primeira vez. Achei que seria uma boa oportunidade para estudar essa mulher tão estranha e tão excêntrica mais de perto. Por que vivia daquele jeito? O que a levou a isso? Na peça eu reforço só a ideia de sua excentricidade, mas, no cinema, é possível seguir outro caminho, agir como um observador mais sutil - revela Smith.
Ela olha para Bennett. "E também tem o eterno mistério do porquê Alan ter tolerado a situação por tanto tempo. Já se cansou dela?". Bennett ri.
- Eu a tolerei porque parecia uma solução mais fácil do que deixá-la onde estava. O pessoal ia lá perturbar, batia na van, gritava e o meu escritório dava para a rua. Distraía, não me deixava trabalhar. Por isso, quando sugeri que ficasse na garagem, não estava fazendo gesto humanitário nenhum.
Mesmo que Bennett não pense assim, o filme mostra que sua atitude deu a Mary proteção contra um mundo que a desprezava. Geniosa, mal-agradecida, maluca ("Sou guiada pela Virgem Maria") e dona do que ele descreve como "nobreza vagabunda", ela certamente não é uma personagem simpática.
- Dificilmente alguém poderia lhe fazer uma boa ação sem pensar em estrangulá-la - ele escreve.
O filme mostra a van amarelo-ovo decaindo cada vez mais com o passar dos anos, cercada de sacos de lixo e excremento. Maggie, de roupas manchadas e lenços esquisitos na cabeça, mãos sujas e o cabelo desgrenhado, não se esquivou do aspecto repulsivo da personagem.
- Foi uma mudança total em relação a todos aqueles chapéus e vestidões de 'Downton'. Não dá para ter um mínimo de vaidade - afirma, sucinta.
Como na peça, o filme usa a narrativa de dois Alan Bennetts, um representando o escritor e o outro, o homem "real" que interage com Mary e o mundo - mas ele se aprofunda na vida íntima tanto dele quanto dela, fazendo uma relação entre a senhora da van e a mãe do escritor, que sofre de demência, sugerindo que, na juventude, Mary tinha tudo para ser uma pianista promissora e as razões por que ela se afastou de tudo.
- Com os detalhes que aparecem no filme dá para imaginar o que se passava na cabeça dela e as razões para ter feito o que fez. O pano de fundo musical é um detalhe realista e torna a personagem mais rica, pois me deu uma narrativa. No cinema também a ênfase no que ela perdeu, aquilo de que se afastou e como deve ter se sentido em relação a tudo é muito maior - explica Maggie.
A crítica britânica elogiou o desempenho de Maggie, que lhe rendeu um Globo de Ouro e especulações de que até concorreria ao Oscar. "Ela transforma uma troglodita durona em uma força da natureza gaguejante e cambaleante, determinada a não se mostrar agradecida a ninguém. Talvez essa seja a atuação mais humana e verdadeira dessa fase de sua carreira", escreveu Tim Robey para o Telegraph.
Hytner explica que deu instruções relativamente pouco específicas.
- Ela me pediu para mandá-la parar caso fosse longe demais (por excesso de dramatização) ou por permitir que o desempenho do teatro levasse a melhor. Nunca está satisfeita consigo mesma e o clima é sempre meio tenso porque ela sempre questiona o que faz. A minha função mais importante era ficar alerta e convencê-la de que todas as suas razões irrefutáveis para não ir bem na cena seguinte eram irrelevantes. Ela precisa de alguém com pulso firme; não gosta de quem se mostra assustado.
Maggie confessa que a filmagem foi cansativa e, por isso, não vê a hora de poder tirar férias nos próximos meses.
- Estava ridículo, tenho que dar uma parada. Nessa profissão ou é oito ou oitenta, então agora é hora de pisar no freio - diz ela, resoluta.
Bennett levanta a sobrancelha. "Eu acho que não, hein", comenta.