A manifestação do presidente Nicolás Maduro a respeito das eleições legislativas deste domingo, uma das tantas intervenções em suas exclusivas e frequentes participações na TV pública, dá a senha do tipo de democracia praticado na Venezuela e da importância deste dia 6 de dezembro eleitoral - o chamado "6D". Em discurso transmitido pela TV estatal Venezolana TV, Maduro se disse preparado militarmente para assumir o poder caso seu partido perca a disputa.
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- Para que querem chegar à Assembleia Nacional (unicameral)? Para negar os recursos ao povo? O país entraria no caos. Eu não vou deixar - bradou o presidente, falando do palácio presidencial de Miraflores.
Das 32 pesquisas elaboradas desde agosto, 30 preveem vitória oposicionista, com diferenças que variam entre 20 e 35 pontos. Mais de 19 milhões de venezuelanos estão habilitados a votar para renovar 167 cadeiras.
O chavismo, movimento político criado pelo ex-presidente Hugo Chávez no final dos anos 1990, corre o inédito risco de perder a maioria parlamentar que ostenta há 16 anos. Com a morte de Chávez, em março de 2013, o comando do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e do país ficou com Maduro, um chavista fiel. Poucas semanas depois da morte do líder, ainda sob a comoção provocada por esse episódio, o atual presidente foi eleito com 1,5 ponto a mais que o opositor moderado Henrique Capriles. Na ocasião, a lisura dos resultados foi questionada, e pairou a sensação de que, se as eleições tivessem ocorrido alguns dias depois, a vitória oposicionista seria inevitável. Desde então, o desgaste chavista se agravou, com inflação anual de três dígitos, desabastecimento superior a 50% dos produtos básicos, retração de 10% na economia, filas que duram turnos inteiros nos mercados, hospitais que deixam de atender pacientes mediante a falta de medicamentos, pobreza já retomando padrões anteriores ao do chavismo e índices recordes de violência.
Ex-presidentes pedem transparência em eleição na Venezuela
Maduro sustenta que o governo tem dados segundo os quais o PSUV contaria com 40% dos votos, sem contar os indecisos e nulos. E adianta o que fará caso seja "surpreendido":
- Se chegar a acontecer a hipótese negada, rejeitada, transmutada e sepultada, estou cerebralmente, espiritualmente, politicamente e militarmente preparado para assumi-la. Lanço-me à rua com o povo. Somos milhões, um bloco compacto de revolucionários - vociferou ele, sempre se utilizando com exclusividade dos canais públicos.
Autoritários e golpistas no governo e na oposição
O presidente tem sustentado o discurso agressivo com um argumento. Haveria, segundo ele, uma "contrarrevolução extremista" por parte da oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD) para afastá-lo do poder. Ocorre que, pela lei, a Venezuela poderá ter o "referendo revogatório", por meio do qual, com assinaturas de 20% do eleitorado, convoca-se votação a partir da metade do mandato (que se iniciou em abril de 2013 e tem duração de seis anos - até 2019). No referendo, se o mesmo percentual do eleitorado que elegeu o presidente decidir afastá-lo (são pouco mais que 50%), serão marcadas novas eleições. O risco, portanto, é latente, e a preocupação se justifica.
Além da emissora pública, o chavismo usa o Twitter como ferramenta de propaganda, defendendo programas sociais do governo, que têm arrefecido na medida em que o preço do petróleo (produto responsável por 95% das exportações venezuelanas) cai vertiginosamente. "Vamos, pátria amada, garantir desde já a vitória, para dar continuidade aos programas sociais da revolução", escreveu Maduro, usando a palavra "pátria" como sendo o seu espaço político - na TV, o presidente é definido como a personalização da pátria.
Venezuelanos que não querem o chavismo, nem a oposição
O cientista político Luis Vicente León, presidente do instituto Datanálisis, estima que haverá uma vitória da oposição e que representará a abertura das portas para o referendo revogatório. Define como "muito baixas" as chances de "Maduro não aceitar os resultados e cumprir suas ameaças".
Mas León vai além na sua análise. Faz uma crítica severa ao estilo polarizado da sociedade venezuelana.
- O empobrecimento econômico e de valores que nossa sociedade vive ocorre porque o problema não está em mudar pessoas, mas mudar algo em que todos estamos envolvidos. É a forma como nos organizamos, nos relacionamos, solucionamos nossos conflitos e participamos da construção do país - diz.
Chavismo perde força na Venezuela de Maduro
León se refere a uma sociedade dividida e polarizada, com perfis autoritários e golpistas no governo e na oposição. Por isso, ele diz que o mais importante é a criação de regras que "permitam o equilíbrio de forças e garantam os direitos de todos por igual". O contrário disso, diz ele, é "o fracasso".
À oposição, recomenda que, com a provável vitória, não se jogue à sanha de depor o presidente. Em vez disso, recomenda negociar consensos para mudar o atual perfil polarizado do país.
ENTREVISTA
"Referendo revogatório pode ser aplicado, sim, já em 2016", diz pai de líder oposicionista preso
Leopoldo López Gil, pai de líder oposicionista preso Leopoldo López (Foto: Mateus Bruxel)
De dentro da prisão de Ramo Verde, o líder oposicionista Leopoldo López envia mensagens. Pede que os apoiadores "se encham de fé, de coragem cívica e inteligência para votar no 6D", provocando "mudança democrática e pacífica" para efetuar "uma constituinte ou um referendo revogatório". López define a eleição como "plebiscito, não entre opositores e governistas", mas entre o povo e Maduro, a quem ele critica por exercer o poder de forma autoritária e não se desapegar dele. ZH fez cinco perguntas ao pai de López, Leopoldo López Gil.
Qual a importância das eleições deste domingo?
As importantíssimas eleições deste dia 6 são a oportunidade que temos, todos os venezuelanos, de começar a recuperar um espaço democrático e as liberdades que não temos hoje.
Pode significar alguma mudança?
Os candidatos da Mesa da Unidade Democrática (MUD) estão comprometidos em dar, a partir do Legislativo, respostas para as exigências da atual crise social, política e econômica que a Venezuela atravessa e que impede o avanço do país.
A vitória da oposição levará à libertação de Leopoldo López?
A vitória da oposição assegura a liberação de todos os presos políticos e o retorno dos exilados, já que existe uma proposta de Lei da Anistia.
Esta eleição pode ser o começo do fim do chavismo?
O fim do chavismo, na verdade, já ocorreu, com a eleição de Nicolás Maduro para a presidência.
Já se planeja um referendo revogatório do mandato de Nicolás Maduro para abril de 2016?
A Constituição venezuelana prevê um referendo revogatório, que pode ser aplicado, sim, já em 2016.
Violência, um fantasma que percorre as ruas do país
Uma constatação generalizada do panorama político venezuelano resulta na seguinte preocupação: há riscos de violência neste domingo. Os últimos dias foram intensos e preocupantes.
Exemplo: na quarta-feira, o Parlamento Europeu suspendeu a missão de deputados que deveria enviar para as eleições de 6 de dezembro, evocando "razões de segurança" e "falta de cooperação das autoridades venezuelanas". No início de novembro, três deputados viajaram para a Venezuela em uma "missão exploratória" para "avaliar a situação política". Ao retornar, a delegação "observou a deterioração preocupante da democracia e do Estado de direito e limitações às liberdades civis e dos direitos civis".
Tudo isso, conforme o cientista político Nicmer Evans, dissidente do chavismo, pode levar a um fartão dos eleitores e a um consequente perfil mais independente do Legislativo.
- A maioria dos venezuelanos, cerca de 40%, segundo o instituto Venebarómetro, pede que a personalidade que surja a partir da mudança seja independente. Teremos, neste dia 6, o último duelo da polarização - diz ele.
Evans chega a falar em uma "polarização pactuada" tacitamente entre governo e oposição.
- Qualquer fator externo a esse pacto perturbará os interesses de uma oposição que acredita que vai ganhar e um governo que acredita que vai manter sua hegemonia - disse.
O sociólogo Ramón Piñango, que aposta em uma "avalanche de votos oposicionistas", entende a atitude dos europeus e imagina um domingo tenso.
- Há sérios riscos de violência - diz, definindo "a presença de observadores estrangeiros como indispensável para o mundo ser informado do que ocorra".
Aprovação de Maduro é de 22%, diz Datanálisis
Um símbolo dessa tensão é o casal formado pelo líder oposicionista detido Leopoldo López e por sua mulher, Lilian Tintori. López está preso há mais de um ano e condenado a quase 10 de cadeia por supostamente incitar a violência - estima-se que 80 venezuelanos estejam presos sob a mesma acusação. Esse incitamento teria ocorrido no ano passado, quando 43 pessoas morreram durante protestos contra o governo. Detalhe: a maioria das mortes ocorreu em confrontos com a polícia.
Lilian exigiu que o governo cumpra as medidas protetivas a ela e a sua família determinadas em outubro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O organismo fez o mesmo pedido para a família de Daniel Ceballos, outro preso político. Argumentou que há risco para suas vidas.
- Sofri dois atentados e peço que cumpram as medidas cautelares para Leopoldo na prisão de Ramo Verde, para meus filhos e para mim - disse ela, durante um comício em Caracas.
O instituto Datanálisis diz que Maduro tem apenas 22% de aprovação.
- Há até chavistas descontentes com Maduro, e a oposição capitaliza isso - diz Luis Vicente León, do Datanálisis.
A cientista política Elsa Cardozo, professora da Universidade Simón Bolívar, afirma que, além da severa crise socioeconômica, o governo foi prejudicado pela estratégia agressiva, de desqualificação, de inabilitações políticas.
No último dia 25, outro líder oposicionista, Luis Manuel Díaz, foi baleado e morto durante comício eleitoral. Ele estava ao lado de Lilian, em Guárico.
Enrique Márquez, dirigente da oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), pediu à Força Armada Nacional que os resultados da eleição "sejam respeitados, sem reservas".
Em Madri, 40 intelectuais e artistas latino-americanos e espanhóis, entre eles Mario Vargas Llosa e Fernando Savater, assinaram manifesto que exige respeito de Maduro aos direitos humanos, à liberdade de expressão e aos resultados da eleição. "Repudiamos a politização dos poderes públicos, que impede um controle ao presidente, uma justiça real e um árbitro imparcial para as eleições, que garanta o cumprimento da Constituição", diz o documento.
O historiador Carlos Malamud, especialista em América Latina, criticou governos como o do Brasil por não cobrar mudanças na Venezuela.
- Isso convalida a violência crescente - disse Malamud, que vive em Madri.