Em um trecho da gravação que provocou a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS) e do banqueiro bilionário André Esteves, o advogado de Nestor Cerveró (ex-diretor da Petrobras, que está preso pela Operação Lava-Jato), Edson Ribeiro, diz que terá de ingressar com outro habeas corpus para tentar soltar seu cliente. Veja o diálogo:
Delcídio – Que tribunal que julga?
Edson – TRF4, Porto Alegre. Esse é meu medo, entendeu?
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Para o leitor mais desatento, fica a pergunta: por que Edson tem medo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), onde são julgados recursos relativos à Lava-Jato? A resposta está nas estatísticas, amedrontadoras para os réus. De 300 habeas corpus impetrados pelos defensores dos presos investigados por corrupção na Petrobras, apenas 10 foram favoráveis aos acusados. Os outros 290 foram negados pelos desembargadores do TRF4, que atuam em Porto Alegre, mas julgam casos de todos os três Estados do Sul. O levantamento foi feito a pedido de Zero Hora.
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Os habeas corpus são medidas jurídicas que visam corrigir uma suposta injustiça ao preso. A mais comum é pedir para soltá-lo, sob argumento de que ele não cometeu atos que justifiquem aprisioná-lo antes do julgamento.
Mais significativo ainda é que nenhum dos presos da Lava-Jato que pediu liberdade ao TRF4 foi atendido. E metade dos habeas solicitados era para soltura do réu. Os recursos aceitos pelos desembargadores foram de outros tipos: tentavam nulidade de provas colhidas pela PF, discutiam determinadas ações e também solicitavam mais prazos de defesa.
No caso da Lava-Jato, o primeiro pedido de soltura do preso é feito ao juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde tramitam os processos relacionados a lavagem de dinheiro desviado da Petrobras. Quando o magistrado não concorda em libertar o suspeito – e Moro raramente concorda – esses recursos referentes à Lava-Jato são todos apreciados pela 8ª Turma do TRF4, em Porto Alegre. O magistrado Moro, aliás, já libertou réus da Lava-Jato. O TRF4, não.
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Um dos que teve rejeitados vários recursos no TRF-4 é o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT), o mais poderoso no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Suspeitando que seria preso por ter obtido R$ 29 milhões com consultorias, algumas para empresas investigadas na Lava-Jato, Dirceu ingressou com habeas corpus preventivo, em julho. Tentava evitar a prisão. O habeas foi negado três vezes – duas por um desembargador-relator, a outra pela 8ª Turma do TRF-4. Dirceu acabou preso em agosto e tentou ser solto. Impetrou ao todo cinco habeas corpus. Todos negados.
Outro que tentou a liberdade foi o empresário Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira com o mesmo nome. Ele impetrou habeas corpus em junho (quando foi preso) e em agosto, ambos negados pelo TRF-4. Ele também teve negada tentativa de trancar o processo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Editorial: Ninguém está acima da lei
O advogado porto-alegrense Alexandre Wunderlich, que defende os cinco réus da empreiteira Odebrecht nas audiências do TRF4, diz que esse tribunal tenta implementar um novo padrão de processo penal: resposta rápida à sociedade, rejeição de nulidades solicitadas pelos advogados e réus presos. Um modelo bastante duro e do qual Wunderlich, professor de Direito Penal, discorda:
– Me parece desnecessário ao processo que pessoas com carreira consolidada, domiciliadas e sem antecedentes tenham de ficar presas. Tanto que conseguimos nos tribunais superiores a libertação de dois réus ligados à Odebrecht. O TRF4 não tem aceito sequer tornozeleira, nem medidas alternativas. Estamos irresignados com isso.