Os 10 anos da retirada israelense de Gaza provocam reflexões com grandes doses de desconforto sobre a falta de avanços na região. Sob a administração do grupo islâmico fundamentalista Hamas e subjugadas por um governo conservador de Israel, 1,8 milhão de pessoas que vivem naquela faixa de 365 quilômetros quadrados são foco de um impasse e um drama humanitário.
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- Os motivos não são um só, eles se alimentam. Vemos retrocessos, em termos humanitários e de desenvolvimento. Há um isolamento grande, e a responsabilidade não é de apenas um agente. Temos o governo conservador de Israel, de um lado, e, de outro, o Hamas não consegue lidar com seus radicais, o que impossibilita a abertura para o diálogo - diz a analista Denilde Oliveira Holzhaker, da ESPM-SP.
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A retirada de colonos judeus se iniciou em 15 de agosto e prosseguiu mês adentro, com a mobilização de 25 mil efetivos israelenses. Desde então, houve guerras, violência e colapso econômico, além de bloqueios de Israel e do Egito. O começo da retirada se deu um mês após ter sido planejada pelo governo do então premier israelense Ariel Sharon. As primeiras saídas foram voluntárias. Depois, colonos judeus se viram obrigados a deixar o território. Alguns saíram arrastados. O Hamas, que rejeita a existência de Israel, venceu as eleições legislativas em 2006 e tomou o controle do território em 2007, adotando a prática de atirar foguetes em território israelense e provocando também um permanente conflito interno entre os palestinos, que esteve muito perto de se tornar uma guerra civil.
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Entre Israel e os palestinos, houve três guerras, separadas por períodos nos quais havia tensão permanente intercalada por episódios de violência. Em 2006, o sequestro do soldado israelense Gilad Shalit pelo Hamas manteve Israel em um estado de angústia coletiva até sua libertação cinco anos mais tarde.
No Estado judeu, a população se divide. Mesmo quem defende a erradicação de todas as colônias em territórios previstos para integrar o Estado palestino por vezes comenta: a retirada de Gaza, da forma como ocorreu e com o ingresso do Hamas, desestimulou outras descolonizações, e isso prejudicaria o processo de paz.
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O embaixador aposentado Sergio Tutikian, que serviu no Irã e é especialista em Oriente Médio, identifica uma "rearrumação" das alianças na região.
- Isso ocorre principalmente no momento em que os 5+1 assinaram acordo com o Irã - diz ele, citando, como "principais atores", Irã, Arábia Saudita, Israel, Síria, Turquia , Rússia, EUA e os Curdistões.
Estado islâmico surge como novo obstáculo
Tutikian não vê perspectivas de avanço na situação de Gaza. Define-se como "muito pessimista" em relação "a qualquer paz na região num futuro próximo". Lembra que a direita, capitaneada pelo atual premier, Binyiamin Netanyahu, tomou conta do poder em Israel tendo de se aliar a grupos ortodoxos e religiosos intransigentes. E acrescenta: entre os palestinos, o problema maior não seria propriamente o Hamas, mas "os tentáculos" que o Estado Islâmico pôs "dentro de Gaza e, principalmente, na península do Sinai":
- Faço minhas as palavras da jornalista Guila Flint (brasileira radicada em Israel e autora do livro Miragem de Paz). Israel ganha as guerras em Gaza mas perde a paz. Isso tem criado desesperança para palestinos para israelenses.
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Passados 10 anos, a colonização israelense de territórios que fariam parte de um Estado palestino é ampliada pelo governo de Netanyahu. Para manter a situação e garantir hegemonia política, o premier usa o exemplo de Gaza, de onde foguetes continuam sendo lançados contra Israel. Seu discurso é o de que isso ocorreria também se os territórios ocupados da Cisjordânia fossem abandonados.
Em meio à intransigência da direita israelense e ao terrorismo de grupos palestinos refratários ao diálogo - um alimentando o outro -, a situação se congela. A perpetuação do medo é arma política. As negociações para um Estado palestino ao lado de um Israel seguro parecem distantes e incertas.
Confrontos milenares
Israel e palestinos se assentam numa área sagrada para as fés monoteístas. Os judeus foram expulsos dali no ano 70. Seguiram para a "diáspora" e sofreram perseguições. No século 19, o antissemitismo fomentou o sionismo moderno. No local, porém, havia a população árabe. Com o Holocausto, na II Guerra Mundial, o Estado judeu ganhou força. A ONU disse, em setembro de 1947: as razões para estabelecê-lo no Oriente Médio eram baseadas "em fontes bíblicas e históricas" - corroboradas por achados arqueológicos. Em novembro, aprovou a partilha, aceita pelos judeus, com a criação dos dois Estados. Israel foi fundado nessa perspectiva, em 14 de maio de 1948. Um dia depois, Egito, Iraque, Jordânia e Síria o atacaram. Israel os deteve e passou a se armar. Um êxodo levou 700 mil palestinos a buscar abrigo nos vizinhos. Era o mesmo número de judeus que, perseguidos, deixaram essas mesmas nações e foram acolhidos por Israel. Com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, o mapa da ONU se desfigurou. Israel ocupou Gaza e a Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (e Jerusalém Leste) da Jordânia; e Golã, da Síria. E vieram outras guerras, como a do Yom Kipur (1973).
Os dois territórios destinados ao Estado palestino são a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Leste), com 5.970 quilômetros quadrados e Gaza, com 365 quilômetros quadrados. O Estado judeu mantém bloqueios a Gaza, por ar, mar e terra. Gaza é controlada pelo Hamas, que não reconhece Israel. A Cisjordânia é governada pelo Fatah, que negocia com os israelenses. A existência de dois Estados enfrenta empecilhos como o status de Jerusalém, "capital eterna e indivisível" para Israel. Os palestinos querem Jerusalém Leste como capital. Outro problema são os assentamentos judaicos nos territórios ocupados após 1967. São centenas de milhares de colonos na Cisjordânia e em Jerusalém Leste. O atual governo israelense defende e incentiva as colônias. Também há o problema dos refugiados.
O Hamas lança foguetes em Israel e constrói túneis para a prática de atentados em território israelense. Israel se defende com um escudo antimísseis que protege sua população e bombardeia Gaza. Violência alimenta violência e impõem um cenário dramático.