Vítima de um ataque coletivo de ódio racial, a jornalista Maria Júlio Coutinho - a Maju, garota do tempo do Jornal Nacional - é mais uma a virar campanha. Algumas horas depois de centenas de comentários xingarem a jornalista, que é negra, de "macaca", "puta africana" e "vagabunda" em uma publicação no Facebook do noticiário, a equipe do JN publicou um vídeo em que demonstrava apoio, com a hashtag #SomosTodosMajuCoutinho. Para especialistas, a explicação para as demonstrações de ira como essa é um somatório de impunidade, anonimato, naturalização do racismo e desejo de fama, ainda que por um motivo como a ofensa racial.
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Posted by Jornal Nacional on Sexta, 3 de julho de 2015
#SomosTodosMajuCoutinho #SomosTodosMaju
No Jornal Nacional, após a previsão do tempo, William Bonner disse que "50 criminosos publicaram comentários racistas de maneira coordenada", mas que "milhares, milhares e milhares de pessoas demonstraram seu apoio" a Maju. Renata Vasconcellos informou que promotores do Rio e de São Paulo acompanham o caso, para apurar crimes de racismo e injúria racial. Os âncoras disseram, ainda, que a Globo estuda tomar providências. Ao fim, Maju falou:
- Muita gente imaginou que eu estaria chorando pelos corredores, mas eu já lido com essa questão desde que me entendo por gente. Fico indignada, mas não esmoreço. Cresci numa família consciente e militante. A militância que eu faço é com meu trabalho. Os preconceituosos ladram, mas a caravana passa.
O Ministério Público de São Paulo decidiu investigar os ataques. Ao jornal Folha de S. Paulo, o promotor Christiano Jorge Santos disse que vai "tentar rastrear de onde vêm os xingamentos e identificar os autores". Entre os usuários que publicaram as mensagens de ódio, muitos fazem parte de grupos fechados que têm como objetivo promover ações coletivas de agressão. Há uma semana, o vlogger PC Siqueira divulgou uma mensagem publicada em um desses coletivos - chamado "Ataques do Povo" - em que um usuário orquestra publicações e denúncias em massa contra ele, tudo por conta de seu apoio público ao casamento gay. Esses grupos parecem ser importantes para entender ataques massivos de ódio, como o praticado contra Maju:
- A característica da internet é a formação de minorias, para o bem e para o mal. Temos, hoje, a possiblidade de construir e cultivar públicos. Essas pessoas têm a certeza de que determinados tipos de procedimento em determinados lugares vão dar a elas um certo tipo de microfama, vão fazer elas virarem microcelebridades. E esses grupos sabem que a espetacularização dos atos é uma tática de divulgação. Nesse caso, é o maior veículo de jornalismo nacional - explica Fábio Malini, professor de cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic).
Assim que o ataque a Maju começou a ganhar o noticiário e as redes sociais, uma outra face da rede acabou ganhando força: a solidariedade. Como uma reação aos xingamentos, a publicação do JN no Facebook foi invadida por usuários que demonstraram seu apoio à jornalista. Para o professor Sérgio Branco, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), essa é uma "consequência benéfica desse absurdo inaceitável".
Organizado ou orgânico, o conjunto de mensagens raivosas contra Maju é crime. Branco ressalta que é importante separar os tipos de trolls: há quem se organize para criticar, destruir, atrapalhar e causar confusão na internet sem que isso possa ser enquadrado criminalmente. E há quem chame uma jornalista de "macaca nojenta". Para Jorge Terra, diretor de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do RS (Apergs), coordenador da Subcomissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB-RS, a solução passa por punir mais fortemente criminosos desse tipo:
- No âmbito penal, estamos fracassando. A punição estatal está aquém do que deveria ser, e isso gera estímulo para que casos como esse aconteçam.
Relembre o caso
Na quinta-feira, uma publicação do JN no Facebook foi comentada com injúrias raciais à jornalista. Às 16h desta sexta, a página do JN divulgou um vídeo com William Bonner, Renata Vasconcellos e toda a equipe apoiando Maju e lançando a campanha #SomosTodosMajuCoutinho.
Entre os comentários racistas, muitos chamam a jornalista de "macaca", "puta africana", "vagabunda", entre outras agressões. Após a repercussão do caso, a postagem recebeu diversos comentários apoiando Maju e defendendo que os comentários preconceituosos fossem denunciados. O comentário mais curtido no fim da tarde de sexta dizia: "Acabo de fazer um print de todos os comentários dessa postagem e irei levá-lo às autoridades cabíveis. Racismo é crime."
No vídeo divulgado pelo Jornal Nacional no fim da tarde de sexta, Bonner diz:
- Oi, eu tô na sala de troféus do Jornal Nacional, que é a nossa sala de reuniões. E essa aqui é a Renata Vasconcellos. Tudo bem, Renata? A Renata e eu e a equipe do Jornal Nacional tivemos uma ideia: a gente queria dar um recado para vocês, e o recado é este aqui, ó: somos todos Maju. Tá aqui, ó, o recado do Jornal Nacional - diz o apresentador, cercado pela equipe do noticiário e mostrando uma folha de papel com a hashtag #SomosTodosMaju.
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Na tarde de sexta, a hashtag #SomosTodosMajuCoutinho já estava em primeiro lugar nos trending topics brasileiros no Twitter. À noite, o vídeo publicado pelo JN tinha 120 mil curtidas e 77 mil compartilhamentos. O Facebook, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que está presente na política de uso do site que não são tolerados comentários de ódio ou racistas. Contudo, é preciso que usuários denunciem páginas ou pessoas que façam esses comentários. Sobre o caso específico de Maju, a rede social não se pronunciou.