O governo do Rio Grande do Sul está próximo de extrapolar o limite máximo de gastos com pessoal permitido pela legislação. Até o fim de 2015, se as projeções se confirmarem, as despesas com o funcionalismo do Executivo atingirão a marca de 48,57% da receita corrente líquida - apenas 0,43 ponto percentual (ou R$ 133 milhões) abaixo do admitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Será o pior resultado desde 2003. Entre as consequências, estão a suspensão de repasses de verbas federais.
Rio Grande do Sul tem bilhões a receber de devedores
Estimado a partir de dados disponíveis no Portal da Transparência, o prognóstico se baseia nos critérios de cálculo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que excluem, por exemplo, os valores destinados a pensionistas. Na prática, a situação é ainda pior (leia abaixo).
Entenda a história do endividamento do Estado
No primeiro quadrimestre, o Piratini já superou o chamado "limite prudencial" (um degrau abaixo do nível máximo), ao comprometer 47,31% da receita com o pagamento de funcionários. Em razão disso, entre outras medidas, está proibido de ampliar horas extras e também de conceder reajustes sem determinação legal, judicial ou contratual.
Se chegar aos 49%, o cenário se agrava. Será a primeira vez que o índice será atingido desde 2001, na administração de Olívio Dutra (PT), quando a LRF entrou em vigor. O risco de isso acontecer ainda este ano, segundo o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Maranhão Busatto, é real.
Como o cofre das finanças secou
Em parte, conforme Busatto, a explicação passa pelos reajustes concedidos a profissionais da segurança pública no governo Tarso Genro (PT), parcelados até 2018. A próxima parcela está prevista para novembro, e o governo se comprometeu a pagar.
- Temos pouca margem de manobra. A receita teria de crescer mais do que a despesa para baixar o percentual, mas isso é muito difícil no cenário atual - diz Busatto.
Depósitos judiciais: uma saída de emergência usada até o limite
Caso o pior aconteça, o governo passará a ter oito meses para se ajustar. Entre as punições, está prevista uma multa ao governador José Ivo Sartori, no valor de quatro meses de salário.
- As consequências pelo descumprimento da LRF são graves. O governo precisa enxugar as despesas, mas não é só isso. Tem de olhar para o lado da receita e buscar fontes alternativas de financiamento. Uma delas é reforçar a cobrança da dívida ativa (débitos de pessoas e empresas com o Poder Executivo por não pagar impostos ou por questioná-los na Justiça) - ressalta o diretor-geral do TCE, Valtuir Pereira Nunes.
Como ZH mostrou em reportagem publicada na edição de 5 de julho, o passivo chega a R$ 36 bilhões, mas dois terços são considerados irrecuperáveis pelo governo. Restam R$ 11 bilhões a resgatar, dos quais R$ 9 bilhões são discutidos em ações que se arrastam na Justiça e R$ 2 bilhões estão em fase de cobrança administrativa.
Na avaliação do especialista em finanças públicas Darcy Francisco Carvalho dos Santos, não dá para contar com essas cifras no curto prazo. Uma das formas de evitar as sanções da lei, segundo ele, seria suspender os aumentos programados para novembro.
- É evidente que os policiais merecem ganhar mais. Os reajustes não são injustos. O problema é que não tem como o Estado fazer justiça nas atuais condições. Vai contra a capacidade financeira - pondera Santos.
Na última semana, sob fortes protestos, a Assembleia aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que define o mapa financeiro do Estado para 2016. O documento prevê aumento de apenas 3% nos gastos com pessoal, o que cobrirá somente o crescimento vegetativo da folha, colocando em xeque os reajustes futuros.
Sindicato diz que "Estado quer culpar servidores"
A possibilidade de que os reajustes aprovados na gestão anterior sejam congelados é motivo de apreensão entre os servidores. Só este ano, a repercussão dos aumentos representará R$ 409,4 milhões a mais nas contas do Estado.
Há cerca de duas semanas, policiais civis e militares, agentes da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) e técnicos do Instituto-geral de Perícias (IGP) fizeram uma manifestação em frente ao Palácio Piratini para pressionar o governo. Com o Cpers-Sindicato, a maior parte do grupo voltou a se manifestar na última terça-feira, na votação da LDO.
- O problema do Estado não é o gasto com pessoal. É o sucateamento da receita. Só em benefícios fiscais se perde quase R$ 15 bilhões. Fora isso, existe a sonegação. O Estado deixa de arrecadar o que pode e quer culpar os servidores, mas a maioria ganha muito mal e merece reajuste, sim - diz o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado (Sindsepe-RS), Claudio Augustin.
O chefe da Casa Civil, Márcio Biolchi, evita polemizar. Reconhece que o quadro é preocupante, mas destaca que "não se trata de uma exclusividade" do Rio Grande do Sul - embora a situação gaúcha seja pior, em função da dívida pública com a União (R$ 50 bilhões), do déficit da previdência (R$ 7 bilhões ao ano) e do passivo com os precatórios (R$ 8 bilhões).
- Estamos fazendo um esforço tremendo para conciliar receita e despesa e faremos o possível para pagar os aumentos previstos para novembro, como fizemos com a parcela de maio - diz o secretário.
Em relação a 2016, os reajustes estão cada vez mais longe de se concretizar, em função dos termos da LDO, embora Biolchi e o governo não confirmem oficialmente. O adiamento das parcelas, no entanto, dependeria de aprovação na Assembleia.
Na prática, cenário é ainda mais crítico
Dependendo do tipo de cálculo adotado, o percentual de comprometimento da receita do Estado com o funcionalismo piora e muito. Na prática, o custo é maior.
Se for utilizado o critério da Secretaria do Tesouro Nacional, que leva em conta dispêndios desconsiderados pelo TCE (como pensões, auxílios, abono de permanência e Imposto de Renda Retido na Fonte), o governo gaúcho está acima do limite máximo desde 2012. No primeiro quadrimestre de 2015, atingiu o índice de 55,67% e já deveria estar sofrendo as sanções previstas em lei.
Tomando por base os gastos com o funcionalismo nos três poderes, sem restrições, o comprometimento do Estado chega a 75% da arrecadação. Este foi o índice divulgado pela Secretaria da Fazenda nas Caravanas da Transparência, que percorreram o Interior para escancarar a situação crítica do Tesouro estadual.
Diretor-geral do TCE, Valtuir Pereira Nunes discorda da conta e defende a forma de atuação da Corte, que, segundo ele, segue a mesma linha desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000.
- Os critérios do tribunal são os mesmos há 15 anos. Nesse período, todos os nossos pareceres foram aprovados na Assembleia e reconhecidos pela Secretaria da Fazenda - afirma Nunes.