Nos grupos, é assim. Tem o engraçado, o inteligente, o bonitão, o gordo, o coitado. E o Fabrício. Aquele que explode, que extravasa, que rompe os limites. Lembra da sua turma no colégio? Garanto que tinha um. No seu trabalho? Também tem. O pavio-curto. Quase todos os grupos têm os seus Fabrícios.
Se não houvesse papéis diferentes, não sobreviveríamos. Se todos tivéssemos que ser tudo ao mesmo tempo, a humanidade e sua vocação social estariam falidas. É a mesma dinâmica das famílias. Determinadas funções são exercidas por determinados membros. Um é o mais rígido. Outro, o bom aluno. Outro, o esportista.
A saúde de um grupo também se mede pela capacidade de mobilidade dessas funções. Não todas. Pai é pai. Filho é filho. Mesmo assim, de vez em quando, é bom brincar de inverter papéis. Agora eu sou tu e tu é eu. Se a criança sair xingando-o e batendo as portas, esse é um recado poderoso.
Rodar os papéis e não torná-los exclusivos. Se o rabugento um dia quiser ser inteligente, que ele possa. Se o mau aluno resolver estudar, que ele possa. Se o inteligente emburrecer em determinados momentos, que seja igualmente acolhido. Grupos com papéis engessados demais não são saudáveis, são estruturas podadoras e repressivas.
Eu estava no Beira-Rio quando o Fabrício explodiu. E vi como os colegas foram instantaneamente solidários a ele. Quatro ou cinco tentaram contê-lo. D'Alessandro, o líder, fez um gesto de "calma, calma" para a torcida. Depois, quase todas as declarações tiveram o mesmo sentido. O grupo não quer que Fabrício vá embora. Porque, lá no fundo, sabe que as vaias não eram só para ele, que a reação do colega foi o elo mais frágil da corrente que se rompeu.
Sem Fabrício no time, haverá um novo Fabrício. Talvez um Fabrício diferente, um pouco mais equipado para lidar com a pressão. A torcida precisa de um Fabrício. Que, no caso do Inter, já se chamou Valdomiro, Gabiru, Sobis, Michel. E vejam só que curioso. Fabrício saiu dos trilhos justamente quando o vice-Fabrício, Rafael Moura, não estava lá. A pressão ficou concentrada demais.
Me pergunto por que as torcidas precisam tanto de Fabrícios. Compreendo que, até certo ponto, o futebol é uma válvula de escape. Vaiar é um direito. Mas antes mesmo de a bola rolar? No meio de uma jogada quando está 0 a 0 ou mesmo quando o time está ganhando? O futebol é assim, eu sei. Cada um torce do seu jeito. O que não impede que eu me comova com o drama humano do Fabrício. Lidar com a pressão é difícil.
Se libertar de um papel desconfortável, muitas vezes, é impossível.
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