Uma prática abandonada em 2004 vai voltar a ser aplicada no Estado americano de Utah: a morte por um pelotão de fuzilamento. Nesta segunda-feira, o governador Gary Herbert (Partido Republicano) sancionou a lei aprovada em 10 de março pelo Senado.
O método será utilizado em condenados à pena de morte como uma alternativa a drogas letais, caso não estejam disponíveis 30 dias antes da data marcada para a execução.
Apesar da injeção letal estar sendo discutida no país devido à falta dos medicamentos necessários, especialistas apontam que o problema maior está na aplicação da pena de morte, e não nos procedimentos a serem utilizados.
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O cientista político Samuel Alves Soares, professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, acredita que os Estados Unidos venham a se conscientizar do problema social de executar apenados.
- Há uma vinculação entre abolição da pena de morte e o aprofundamento democrático. Nesse caso dos EUA, o método faz uma diferença. Penso que existe uma causa razoável a ser defendida que o condenado deve sofrer o menos possível. Porém, a questão a ser primeiramente discutida é a pena de morte - disse.
Segundo o cientista, a própria existência da pena capital é uma afronta aos direitos humanos, ainda que a argumento de usar diferentes métodos de execução seja justificável em busca de uma diminuição do sofrimento.
- Não é uma nova possibilidade, é um regresso a um formato que parece muito mais do século 19 do que do século 21. Mas a questão que está presente é a pena de morte em si, e esse é um ato bárbaro - ressalta.
No momento do fuzilamento, o preso fica, na maioria dos casos, de olhos fechados. De cinco a 12 soldados preparam-se para atirar, mas, para não gastar munição e fazer com que os militares não se sintam culpados ou julgados pelas mortes, apenas dois ou três deles tem balas verdadeiras na arma. Os demais usam com balas de festim. Desta forma, não se descobre quem foi o atirador. O perfil dos soldados costuma ser o mesmo - solteiros e sem filhos.
A prática também é utilizada na Coreia do Norte, na China e na Indonésia, sendo a última um regime democrático. Nos últimos dias, o tema também tem circulado por ruas e jornais do Brasil.
Em janeiro, o brasileiro Marco Archer, em suas últimas palavras, pediu uma segunda chance. Ele foi sentenciado à morte na Indonésia - a única pena que não permite a ressocialização -, vindo a ser executado a tiros em razão de condenação pelo crime de tráfico de drogas.
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Se estivesse no Brasil, Marco não seria morto. A Constituição de 1988 garante o direito à vida a todos os cidadãos, exceto em crimes militares de guerra onde a pena de morte pode ser aplicada - dentre eles, favorecimento ao inimigo (traição, covardia, espionagem, motim e revolta etc), crimes contra a pessoa (homicídio, genocídio e lesão corporal); crimes contra o patrimônio (furto, roubo, extorsão e saque), bem como os crimes de rapto e violência carnal.
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De 1969 até a Anistia, houve um período da ditadura militar em que a pena de morte foi regulamentada no Brasil. Porém, nenhum preso chegou a ser sentenciado à morte na Justiça.
De acordo com o sociólogo Hermílio Santos, coordenador do Centro de Análise Econômicas e Sociais da PUCRS, a condenação à morte não poderia ser executada no país devido ao entendimento civilizatório. Os legisladores da Constituição consideraram que o Estado não pode dispor da vida das pessoas.
- As pessoas falam mal da Constituição de 1988, mas isso é um componente que é positivo. Se deixasse que a população decidisse, decidiriam pela pena de morte. Os legisladores que aprovaram as leis eram pessoas mais instruídas do que nossos parlamentares de hoje, pois vinham de uma resistência militar.
Santos também aponta que, tanto a opinião pública, quanto os jornais, sempre repreenderam esse tipo de manifestação [a favor da pena de morte], por isso nunca foi adiante.
- Mesmo os partidos políticos representados não têm esse ideal como premissa. O que há é uns políticos e outros, que tem sua opinião própria. Por sorte, isso nunca vingou. Não há possibilidade de ter pena de morte no Brasil, mas não estamos imune a uma proposta dessa - entende o sociólogo.
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Os especialistas também compactuam de uma opinião em comum. Seja qual for o método utilizado à pena de morte, não dá suporte para que o apenado possa refletir ou se redimir de sua infração.
- O governo que aplica essa punição incentiva o ódio e o espírito de vingança nas pessoas. Nós batemos nessa tecla há muito tempo: não à pena de morte, não aos extermínios. Não existe o que é menos pior (injeção ou fuzilamento). O estado democrático de direito tem de garantir a vida de qualquer um - acredita a historiadora Cecília Coimbra, uma das fundadoras do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro.
Hoje já é possível considerar alternativas que visem efetivamente a reinserção social - recuperação da pessoa para que não volte a cometer delitos. Porém, devido às relações diplomáticas dos países, como por exemplo Brasil-Indonésia, não há o que fazer em casos como o de Marco. Cada país rege as suas leis.
- O meu temor, de fato, é que a sociedade de um lado tente resistir a esse tipo de barbárie, enquanto do outro, grupos possam ser iludidos com as possibilidades de que há soluções fáceis e simplificadoras, cujos resultados, cujo custo, é uma desumanização desenfreada - defende o cientista político Samuel Soares.
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