O escândalo da Petrobras guarda pelo menos uma grande semelhança com o Mensalão, mas muitas diferenças significativas.
O processo decorrente da Operação Lava-Jato, cuja lista com 54 nomes suspeitos foi divulgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é considerado muito mais complexo, bombástico e danoso do que o episódio das mesadas que abasteceram o Congresso - o que resulta em inquéritos fragmentados e mais difíceis de serem acompanhados pela opinião pública.
O saque da Petrobras é visto por especialistas em política como uma espécie de "supermensalão" sob os pontos de vista político, financeiro e operacional. A grande semelhança entre ambos, segundo o professor de Ciência Política da Unicamp Valeriano Costa, seria a razão fundamental dos malfeitos: encher os cofres dos partidos envolvidos.
- O objetivo, nos dois casos, é mais ou menos o mesmo: financiamento de partidos, campanhas e enriquecimento de políticos - avalia Costa.
As diferenças são mais profundas. Politicamente, enquanto o caso anterior atingiu sobretudo o coração do PT e do governo federal, arrastando consigo figuras-chave como o ex-presidente do partido, José Genoíno, e o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, o processo atual afeta uma variedade mais ampla de siglas (veja comparação abaixo) e de políticos de peso, como os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
- Até agora, parece uma bomba atômica sobre o sistema político brasileiro - diz Costa.
Em relação ao dinheiro movimentado, também há pouca margem de comparação. Enquanto o STF estimou que pelo menos R$ 173 milhões foram desviados no Mensalão, o Ministério Público Federal (MPF) contabilizou R$ 2,1 bilhões sugados da Petrobras levando em conta apenas os crimes já denunciados até o momento - 12 vezes mais.
- A Petrobras é uma das grandes empresas mundiais, e a corrupção se intensificou em um período de grande bonança - analisa o professor titular de Sociologia Política da Unicamp Ricardo Antunes.
Antunes lembra ainda que a sangria da companhia foi robusta a ponto de, além de irrigar as contas de partidos e políticos, deixar ainda mais ricas as grandes empreiteiras do país. Mas o especialista acredita que, apesar das diferenças entre os escândalos, há uma relação de continuidade entre eles: a partir do momento em que o Mensalão minguou, teria sido necessário encontrar um novo butim para sustentar a farra partidário-política brasileira.
- Certamente, o roubo na Petrobras aumentou para compensar o fim do esquema anterior - complementa Antunes.
Há indícios de conexão entre os casos: o doleiro e delator da Lava-Jato Alberto Youssef, segundo o MPF, teria lavado R$ 1,1 milhão repassados pelo empresário Marcos Valério - o operador do Mensalão - para José Janene (PP-PR), ex-líder do PP na Câmara e também réu no escândalo revelado durante o governo Lula.
Para a historiadora especializada em política e professora da Ulbra e da ESPM Ana Simão, ambos os casos puderam se suceder graças ao ambiente institucional brasileiro:
- Os dois processos ocorreram em uma estrutura que faz parte da história da formação do nosso Estado, patrimonialista e clientelista.
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O que virá pela frente, porém, é difícil prever.
- Tanto no caso do Mensalão quanto no escândalo da Petrobras, a gente sabe como começa, mas não sabe como termina - resume Ricardo Antunes.
Andamento do processo da Lava-Jato deverá ser mais complexo
O caminho do processo da Lava-Jato na Justiça deverá ser bem diferente do que ocorreu com o Mensalão. Enquanto o processo anterior se resumiu a um inquérito com 40 nomes - dos quais 38 foram a julgamento -, agora já existem 28 inquéritos com 54 envolvidos, e esse número pode aumentar.
Além disso, o Mensalão foi avaliado em um julgamento único no plenário do STF que demorou um semestre. A Lava-Jato deverá se desdobrar em processos diferentes, o que pode reduzir o trabalho do Supremo, mas dificultar o acompanhamento do caso por parte da opinião pública.
- No caso dos políticos, o julgamento ficará no STF. O resto do pessoal (sem foro privilegiado), irá para primeira instância. Será algo novo, com diferentes ritmos de andamento dos inquéritos, e vamos ter de aprender como acompanhar um caso tão complexo - analisa Valeriano Costa.
No STF, o processo está sob análise da Segunda Turma da corte (que reúne cinco dos 11 ministros, embora uma cadeira esteja vaga), e não do plenário. Isso decorre de uma mudança feita em 2014 no regimento interno do tribunal, que encaminhou o julgamento de algumas ações penais para as turmas da corte - menores e menos sujeitas a recursos.
A alteração o tem como argumento a tentativa de agilizar o trabalho dos ministros, mas também traz o risco de afastar o julgamento dos olhos do público. As sessões das turmas, diferentemente das deliberações do plenário, não costumam ser televisionadas. As reuniões são abertas, mas comportam no máximo 235 pessoas.
MENSALÃO X LAVA-JATO
Número de inquéritos
Mensalão - 1
Lava-Jato - 28
Nomes apresentados ao STF
Mensalão - 40
Lava-Jato - 54
Delatores
Mensalão - 1
Lava-Jato - 15
Período das irregularidades
Mensalão - 3 anos
Lava-Jato - Pelo menos 15 anos
Quantias movimentadas
Mensalão - Pelo menos R$ 173 milhões
Lava-Jato - R$ 2,1 bilhões dos crimes já denunciados, segundo o MPF
Partidos citados
Mensalão - 5 - PT, PTB, PL (atual PR), PP, PMDB
Lava-Jato - 7 - PT, PMDB, PP, PSDB, PSB, PTB, Solidariedade