O Congresso que retoma as atividades na próxima terça-feira, após 11 dias de folga remunerada em R$ 279 milhões no Carnaval, é o mais independente dos últimos 10 anos. Com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à frente da Câmara dos Deputados e Renan Calheiros (PMDB-AL) do Senado, o Legislativo debaterá principalmente ajustes fiscais e econômicos. Temas progressistas e sociais, além de projetos prioritários do PT, tendem a ser trancados.
Desde Severino Cavalcanti, em 2005, o Partido dos Trabalhadores não enfrentava um Congresso tão disposto à autonomia e com poder de barganha. Cunha, na primeira semana de trabalho, desengavetou a reforma política, pautou o orçamento impositivo contra a vontade da equipe econômica e autorizou a criação da CPI da Petrobras. Em entrevista a Zero Hora (leia acima), deu o novo tom da Câmara: "O que está faltando ao governo é articulação".
Evangélico, o novo presidente da Casa dificilmente será sensível à criminalização da homofobia, legalização do aborto e flexibilização do combate às drogas, entre outras pautas progressistas. A Câmara deve ainda pressionar o governo a diminuir os investimentos em programas sociais em nome do controle de gastos, o que deve gerar uma insatisfação dentro do PT com Dilma Rousseff.
- Vários assuntos já estão sendo colocados de forma independente. O potencial de atrito é maior. O Planalto não pode ficar isolado de sua base política. Dilma terá de se envolver diretamente, os chefes de poderes querem falar com os chefes de poderes - analisa o mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) Murillo de Aragão.
Os escalados para fazer esse trabalho são Aloizio Mercadante (ministro-chefe da Casa Civil), Pepe Vargas (ministro de Relações Institucionais) e José Guimarães (PT-CE, líder do governo na Câmara). Para o também professor de Ciência Política da UnB Ricardo Caldas, o primeiro confronto se dará nos próximos dias, na votação do reajuste da tabela do Imposto de Renda. Caldas afirma que o PT está sendo testado para o rigor na economia que está chegando:
- É o ano de colocar a casa em ordem, arrumar as finanças, aumentar a carga tributária. Deve ser desgastante para a presidente. A dúvida é se o PT conseguirá recompor a maioria.
Diálogo "estilo Lula"
Nesta segunda-feira, o deputado José Guimarães conversou com Eduardo Cunha, almoçou com o líder do PMDB na Câmara e marcou um encontro com o vice-presidente da República, Michel Temer. O objetivo é mostrar ao partido que Dilma está aberta para o diálogo, como fez Luiz Inácio Lula da Silva nos oito anos de Presidência da República.
Ela se envolverá pessoalmente, a partir de agora, na articulação para aprovar as medidas de ajuste fiscal no Congresso. De acordo com Guimarães, a presidente receberá todos os líderes de bancada no seu gabinete e ouvirá as demandas dos parlamentares:
- A minha missão é recompor a base do governo, que estava com sérios problemas, e construir a agenda. A pauta é do governo que ganha, precisamos retomar a iniciativa nesse sentido. Precisamos de mais diálogo, humildade e espírito público - admitiu o líder petista.