Em Porto Alegre, uma fila de passageiros em uma parada de ônibus é também uma sequência de dramas, frustrações e atrasos semelhantes entre si, um atrás do outro. Há 11 dias, 1 milhão de pessoas sofrem o impacto da greve geral que engessa a cidade.
Zero Hora apresenta, a seguir, as histórias de quatro personagens prejudicados pela paralisação dos rodoviários. Marcelo, Patrícia, Eder e Adriana estavam, na manhã de quarta-feira, no Terminal Nilo Wulff, na Restinga, à espera do que chegasse primeiro para enfrentar mais um dia de trabalho: vans escolares credenciadas pela prefeitura ou ônibus irregulares.
MARCELO DE OLIVEIRA PEREIRA 28 anos, consultor financeiro
Foto: Tadeu Vilani / Agência RBS
Até agora, o consultor financeiro Marcelo de Oliveira Pereira acumulou quatro faltas ao trabalho. Quarta, quinta e sexta-feira da semana passada, esperou inutilmente por uma hora no Terminal Nilo Wulff. Desinformados, os passageiros que lotavam o ponto pensaram que os coletivos circulassem em frota reduzida. Aguardaram até o burburinho de greve geral impregnar a fila e forçá-los a voltar para casa. Na última segunda, vans escolares passavam cheias.
Pereira retomou o expediente na terça-feira, quando a gerente o autorizou a gastar R$ 50 em um táxi até a Av. Borges de Medeiros, no Centro. Na quarta-feira, pagou R$ 4 em um ônibus irregular.
- Como sou comissionado, cada dia é crucial. Em um dia posso vender muito, no outro dia posso não vender. A gente nunca sabe qual é o dia crucial. Um dia de falta pode ter representado o meu mês inteiro de vendas - preocupa-se.
No escritório, os transtornos causados pela suspensão dos serviços de transporte é o tema dominante das conversas.
- Não deixa de ser uma causa justa, mas 8 mil rodoviários estão atrapalhando a cidade inteira. A greve não precisava ter se estendido tanto. Tem que ter um basta - exige.
PATRÍCIA VILANOVA COSTA, 38 anos, auxiliar de serviços gerais
Foto: Tadeu Vilani / Agência RBS
Patrícia Vilanova Costa tem antecipado todas as tarefas para neutralizar a perda de tempo imposta pela falta de ônibus: acorda antes, sai de casa antes, encerra o expediente antes. Da Restinga até a Tristeza, endereço da escola de idiomas onde é auxiliar de serviços gerais, leva uma hora e 30 minutos em duas conduções, contra os 30 minutos despendidos antes da paralisação em apenas um coletivo. No Terminal Nilo Wulff, embarca no que aparece primeiro: van escolar ou ônibus clandestino. Na quarta-feira, 10º dia da greve, foi a primeira vez que não precisou viajar de pé.
Costuma descer na Av. Juca Batista, ligar para o chefe e aguardar a carona dele. Sai às 16h para fugir do horário de pico, toma um lotação de volta até a Juca e fica na expectativa. Na terça-feira, foram duas horas de espera - todos os veículos passavam superlotados. Rachou com três desconhecidas R$ 30 de uma corrida de táxi. Compreensivo, o patrão tem reembolsado as despesas extras.
- Estão pensando em Copa, e aqui não tem nem transporte. Quero que resolvam. De que maneira? Não sei. Aumentem a passagem, desde que a gente consiga levar uma vida mais ou menos normal - suplica Patrícia.
ADRIANA DA ROSA, 40 anos, empregada doméstica
Foto: Tadeu Vilani / Agência RBS
Adriana da Rosa surpreende-se ao efetuar a soma: considerando a caminhada até a parada e os dois trajetos em coletivo (um ônibus irregular até a prefeitura e depois um lotação para o bairro Boa Vista), perdeu três horas e 10 minutos na manhã de quarta-feira.
- É o tempo de ir para a praia - compara, lembrando que o deslocamento para se refrescar em Cidreira pode ser realizado em apenas duas horas. - Por mim, minha paciência já teria estourado. Mas tem que aguentar, né? - completa.
A empregada doméstica confessa já se sentir cansada ao iniciar o serviço. Em um dia normal, bastaria pouco mais de uma hora em um único coletivo. Agora, tornou-se impossível cumprir o horário de entrada, às 8h - na quarta-feira, chegou às 10h25min.
Na residência de quatro quartos de uma família com três crianças, ela faz a limpeza, cuida das roupas e prepara o almoço. Acelera para dar conta de todos os afazeres e compensar o atraso. No retorno, a jornada também é imprevisível. Duas vezes, só pisou em casa às 22h. Adriana teme pela continuidade no emprego se o transtorno se prolongar por tempo indeterminado.
EDER RODRIGUES, 20 anos, suporte de informação
Foto: Tadeu Vilani / Agência RBS
Às 7h30min, Eder Rodrigues tinha uma estratégia:
- No que aparecer eu vou, pirata ou escolar.
Empurrado pelo desejo de abreviar a espera, correu quando avistou uma van que estacionou lá adiante, longe do lugar estipulado para o embarque. Outros fizeram o mesmo, desrespeitando a ordem de chegada e provocando indignação na fila. Logo o veículo lotou, com passageiros de pé "dando um jeitinho brasileiro", para uma hora e 30 minutos de aperto e trânsito engarrafado até o Centro.
- Foi horrível. Só não entrava mais gente porque não tinha espaço - conta o jovem, que trabalha como suporte de informação de uma empresa de merchandising.
Eder reflete antes de definir o que sente diante do caos: impotência. Não enxerga solução ideal, mas torce pelo fim do impasse.
- É falta de consideração total. Por parte dos empresários e também dos políticos. O trabalhador tem direito de fazer greve, eu concordo, mas não tem direito de impedir os outros de trabalhar. Por que, até hoje, não botaram a Brigada a intervir nas garagens? Os motoristas que querem trabalhar conseguiriam sair.
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Larissa Roso
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