Um novo modelo de organização social, que utiliza a internet como plataforma e substitui protestos por intervenções criativas, vai mostrar sua força crescente no Fórum Social Temático que se inicia neste sábado na Capital.
Os chamados "coletivos urbanos", que se multiplicam em metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, vão participar de um encontro no domingo para trocar experiências e divulgar as bases do ativismo cidadão com o jeito do século 21.
Em ascensão, os coletivos têm pouca ou nenhuma hierarquia e reúnem pessoas que dedicam parte de seu tempo, geralmente de forma voluntária, para defender propostas tão diversas quanto o uso da bicicleta ou a disseminação de poesia. Em vez de empunhar faixas de protesto e gritar palavras de ordem por alto-falantes, fazem da ação concreta e criativa seu meio de luta.
- Não saímos de megafone para protestar. Provocamos as pessoas a pensarem de maneira diferente fazendo coisa que não costumam fazer, como ir a um parque à noite. Aí, veem que não há iluminação e divulgam isso nos meios digitais - explica o designer estratégico e co-fundador do coletivo Rastro Urbano de Amor (RUA), Luhcas Alves, 27 anos.
A diferença, segundo ele, é que o convite à participação popular aumenta o engajamento e ajuda a transformar a cidade sem depender exclusivamente da boa vontade governamental. Para isso, a internet é fundamental.
- A articulação é feita por Facebook, Google Docs e outras ferramentas digitais, mas usamos isso apenas como instrumento para trocar ideias e marcar eventos. O foco é a prática, e a cidade é o palco - sustenta Alves.
Uma das ações que obteve maior repercussão foi a decisão do coletivo Shoot the Shit de colar adesivos nas paradas de ônibus da Capital com informações sobre as linhas de ônibus. A ideia chegou a ser encampada pela prefeitura, embora hoje se encontre suspensa. Outro projeto do grupo é projetar filmes na Rua Anita Garibaldi.
- Buscamos desenvolver projetos que transformem a cidade em um lugar mais divertido, criativo e inteligente - comenta Gabriel Ahul Gomes, 23 anos, membro do Shoot the Shit.
A criatividade dos novos ativistas se estende tanto aos nomes dos grupos quanto às bandeiras que defendem. O Raiz Urbana, por exemplo, estimula a produção de alimentos em plena cidade. O Passagem com Arte se dedica a reativar pequenas vias, becos e escadarias em situação de abandono. Já a ideia de transformar paradas de ônibus em estantes de livros partiu do Estúdio Nômade.
- Propomos coisas de maneira criativa, sem aquele caráter reativo e agressivo de outros movimentos sociais - avalia Daniel Caminha, do Estúdio Nômade.
Costumam reunir estudantes, empresários, profissionais liberais, funcionários públicos, sem restrição de formação, idade ou sexo. Na maioria dos casos, evitam vinculações diretas com partidos e dependência de governos. A maior dificuldade, até em razão disso, é conseguir recursos.
- Se falta recurso financeiro, sobra humano. No fim do ano passado, por exemplo, nos atrevemos a fazer 24 horas de cultura na cidade e, como não conseguimos dinheiro, contamos com a parceria de dezenas de coletivos que estão nessa espécie de rede afetiva - afirma Vinícius Russo, da Casa da Cultura Digital de Porto Alegre, coletivo dedicado a apoiar projetos culturais e sociais.
Edição temática passa por transformações
Palco da luta contra o capitalismo e o Fundo Monetário Internacional (FMI) no início dos anos 2000, o Fórum Social Mundial (FSM), cuja edição temática se inicia neste sábado na Capital, está passando por uma transformação. A começar pelos participantes.
Enquanto entidades tradicionais - como a CUT - perderam poder e decidiram abandonar a organização do evento, grupos formados por uma nova geração avançam sem alarde e conquistam espaço. São jovens de classe média, em geral sem filiação partidária, fartos do ranço ideológico. Integrantes dos chamados coletivos urbanos, eles fazem parte de um movimento ainda tênue de renovação do fórum.
Entre militantes da esquerda ortodoxa, a mudança é vista com suspeita. E ela não é a única. Setores ligados ao empresariado, antes excluídos, agora fazem parte da mobilização. Não é a toa que a direção da CUT atribuiu sua saída ao que chamou de "descaracterização do evento".
- A velha fórmula se esgotou, e essa juventude que está chegando, com ideias inovadoras e criativas, é o futuro do Fórum. Vai ser um dos pontos fortes desta edição _ afirma o secretário municipal de Governança, Cézar Busatto.
Isso não significa que tudo mudou. Quem visitar o acampamento da juventude, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, continuará vendo participantes "à moda antiga", com suas barracas de lona, alheios às articulações virtuais - como Marcius Rodrigues, 34 anos, que viajou 1,5 mil quilômetros de Kombi com a família e nunca ouviu falar nos coletivos. Mesmo entre os mais novos, como a estudante Asael Sostennees, 10 anos, que chegou trazida pela mãe, o celular limita-se a uma diversão quase lúdica.
- Uso só para tirar fotos - diz a menina.
Quem acompanhar a marcha de abertura, hoje, ainda verá bandeiras de partidos e cartazes contra o neoliberalismo. Mas os coletivos também estarão lá, com seus smartfones conectados às redes sociais. Se são mesmo o futuro do fórum ou apenas uma moda passageira, ainda é cedo para dizer.
A programação
O que: Fórum Social Temático 2013
Onde: Porto Alegre, em diferentes pontos da cidade
Quando: de hoje até o dia 31
Quanto: as atividades são gratuitas
OS DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO
HOJE
17h - Marcha de abertura com concentração a partir das 13h no Largo Glênio Peres
19h - Shows no Anfiteatro Por do Sol
AMANHÃ
9h às 21h - Atividades na Usina do Gasômetro, incluindo oficinas e rodas de conversa sobre ciclismo, naturismo, desenvolvimento sustentável e economia solidária.
PARA SABER MAIS SOBRE OS COLETIVOS URBANOS
1º Encontro de Coletivos Nacionais, com 16 grupos de diferentes pontos do país. Das 19h às 21h, na Usina.
Dica ZH
Para começar bem o domingo, às 8h45min sai uma "pedalada" da Usina do Gasômetro. Qualquer um pode participar. Serão 10 quilômetros pelas ruas da Capital e, na volta, haverá bate-papo sobre ciclismo.
SAIBA MAIS
Para ver a programação completa, acesse o site oficial do evento: www.fsmpoa.com.br