Com a chegada do período de chuvas, a duas semanas do inverno, um grupo fica ainda mais vulnerável nas ruas de Porto Alegre: os sem-teto, constantemente expostos às intempéries. Na pandemia do coronavírus, até mesmo os albergues estão com as vagas limitadas devido à interdição de parte dos leitos, medida adotada pelo poder público para manter o distanciamento entre os internos.
Diante disso, uma iniciativa busca amenizar a situação de quem não teve a sorte do acesso a uma casa: a entrega de sacos de dormir impermeáveis, feitos com lonas de banner. A fabricação do material foi divulgada pelo colunista Túlio Milman, em GaúchaZH, na última terça-feira (2).
A iniciativa é da empresa gaúcha Para Evento. O empresário Roberto Petry aproveitou a baixa procura para mobilizar os trabalhadores na costura dos materiais que hoje são entregues de forma gratuita.
Na noite desta quinta-feira (4), GaúchaZH acompanhou uma entrega, realizada pelo grupo de voluntários "Rango na Embalagem" — que recebe e distribui os produtos confeccionados pela empresa de Petry. A alegria no rosto do estudante Philippe Reis Maillard, idealizador do projeto de distribuição de refeições prontas, é contida apenas pela máscara que cobre e abafa o largo sorriso. Desde quarta-feira (3), o voluntário incrementou as entregas, incluindo, além das marmitas, os sacos de dormir.
— A corrente cresceu — celebra Maillard, enquanto aponta para as centenas de contatos no telefone celular, por onde administra as doações.
Em um mês, o "Rango na Embalagem" entregou 10 mil refeições, jantares preparados por uma rede com 120 colaboradores, sem qualquer pagamento em dinheiro para a ação.
Há 16 anos sem um endereço formal, hoje vivendo em uma tenda na Praça Berta Starosta, no bairro Rio Branco, Stefan Berté, 38 anos, se mostra emocionado com mais uma doação recebida. Ao dizer que "somos moradores de rua, mas somos todos seres humanos", ele reflete a forma como é tratado pelos voluntários, a quem chama de "anjos".
— Eu não passo mais fome. Antes me levantava e não tinha o que comer. Agora ando com roupas boas, com alimento e aquecido. Eu sou muito grato — diz, ao se dirigir para a barraca.
Na noite desta quinta, além da nova proteção, Stefan ganhou outro presente: conseguiu ver e conversar com a irmã que vive em Santa Catarina, por meio de um telefone emprestado pelos voluntários. Ganhou, ainda, uma ajuda financeira da familiar, já que os bicos que o morador de rua fazia na vizinhança diminuíram devido à pandemia.
— Eu limpava, ajudava a carregar e descarregar. Agora, diminuiu. Mas eu consegui uma bicicleta e vou tentar um celular para fazer entregas — vislumbra.
As lonas usadas na costura têm origem em banners que já não têm mais a função de propagar qualquer mensagem e seriam descartados. Em parceria com as empresas Sinergy e Ciclo Reverso, esses materiais tiveram a empresa de Petry como destino. Há insumo para cem sacos de dormir, e a ideia é triplicar esse número.
A ideia de unir os materiais com o conhecimento de sua indústria — há 25 anos na zona norte da Capital — surgiu ainda em 2019, mas foi posta em prática somente agora, assim que o empresário selou a parceria com o "Rango na Embalagem".
O diâmetro dos "casulos" impermeáveis tem um metro. A largura foi pensada para ampliar sua serventia, podendo ser usado para o usuário guardar, em segurança, seus itens pessoais — ou, como sugere Petry, até mesmo seus companheiros inseparáveis.
— Sou arquiteto e responsável pelo design dos nossos produtos. Eu pensei em fazer maior porque a pessoa pode guardar ali até o seu cachorrinho, que vai caber — diz.
As entregas são realizadas principalmente na área central, onde há presença marcante de pessoas vivendo sobre marquises e em calçadas. A partir de outra ação do estudante Philippe Reis Maillard, muitos desses moradores tiveram suas fotos postadas nas redes sociais, com placas onde suas necessidades mais urgentes foram escritas, aumentando a chance de atender às demandas primordiais.
Interessados que queiram ajudar os dois projetos podem doar dinheiro, alimentos ou se oferecer como colaboradores para cozinhar os itens e entregá-los aos moradores de rua: projeto "Rango na Embalagem" e empresa Para Evento.