Se muitas pessoas veem no isolamento social uma oportunidade de poder estar mais tempo com a família, para os profissionais da saúde, essa afirmação não reflete a realidade. Para quem está na linha de frente do combate ao coronavírus, o alívio maior está em chegar em casa e saber que não há ninguém e, assim, evitar uma possível contaminação.
Pensando no sentimento de quem está tendo que abrir mão do convívio familiar para ajudar a salvar a vida da população, o escritor Fabrício Carpinejar presenteou os filhos de 40 profissionais da saúde do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, com bonecos vestidos de jalecos e estetoscópios, confeccionados pela artista paranaense Juliana Vermelho Martins.
Para o escritor, essa é uma forma de chamar atenção para o que os médicos estão vivendo. É uma forma de humanizá-los. Ele conta que essa ideia de fazer uma ação pra valorizar esses profissionais já estava sendo amadurecida antes da pandemia, mas que escolheu esse momento em que eles estão mais vulneráveis para entregar.
— Minha ideia foi, justamente, presentear os filhos dos médicos, pois são eles que estão emprestando parte da família deles, agora. É simbólico dar um boneco que representa a profissão do pai ou da mãe de uma criança. A gente precisa tirar da cabeça a ideia de que o médico é independente e autônomo, e saber que ele também tem preocupações, crises e explosões humanas. Os médicos estão tendo que se doar ainda mais do que antes — explica.
O escritor faz ainda uma reflexão a respeito de que os profissionais da saúde só podem sofrer depois, pois, primeiro, precisam salvar vidas. E defende que precisamos mudar nossa concepção de consulta médica.
— Eles vivem emendado turnos, e, mesmo cansados, não podem errar. Errar é quase uma culpabilidade fatal. Temos que mudar a nossa concepção de consulta. A consulta é um encontro, é um diálogo. Quando a gente vai a um consultório, por exemplo, queremos ser tratados com carinho. Você também pode dar ternura, não só receber. A gente não se importa com quem vai ficar, temos que tirar um pouco dessa aura do sacrifício do médico por nós. A gente também precisa se sacrificar por eles. Principalmente quando falamos da rede pública — relata Carpinejar.
Luiz Gustavo Marin, médico e coordenador da UTI do Conceição, relata que o presente foi recebido com muita alegria pelos médicos.
— Alguns resolveram guardar para quando os filhos estiverem maiores, e outros preferiram guardar de recordação. Mas todos ficaram muito felizes por receber esse carinho — diz Marin.
A escolha do Hospital Conceição se deu pelo fato de Carpinejar identificar o local como característico de Porto Alegre, além de estar fortemente engajado no combate à pandemia. Os bonecos foram doados aos médicos da UTI, e entregues pelo diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição, Cláudio Oliveira, que representou o escritor. Carpinejar está em Belo Horizonte. Os médicos da Central de Covid-19 GHC, do Centro Respiratório Covid-19 da UPA Moacyr Scliar e da Sala Vermelha da Emergência do Hospital Conceição também receberão o presente.
Como parte da homenagem, Carpinejar dedicou um capítulo do livro que lançou recentemente, Colo, por favor!, aos profissionais da saúde. A obra trata de temas como solidão e gentileza, medo e esperança, sentido da vida e relacionamentos.