"Todas as pessoas têm direito a praticar esportes sem discriminação", recordou o Comitê Olímpico Internacional (COI) em uma nota publicada nesta quinta-feira (1º). A declaração veio em meio a uma polêmica envolvendo duas atletas do boxe feminino reprovadas em testes de gênero no passado que estão nas Olimpíadas de Paris.
No Mundial de Boxe de 2023, realizado na Índia, a argelina Imane Khelif e a taiwanesa Lin Yu-ting foram desclassificadas pela Associação Internacional de Boxe (IBA) após a realização de testes de gênero. O presidente da entidade, Igor Kremlev, disse que "elas tinham cromossomos XY (que determina o sexo masculino)".
O torneio olímpico de boxe, no entanto, não tem mais ligações com o IBA — após problemas entre as duas entidades — e está sendo organizado pelo próprio COI, que não reconhece as decisões da outra instituição. A desclassificação das atletas, especificamente, foi chamada de "arbitrária" pelo comitê olímpico.
"As atletas foram desqualificadas repentinamente e sem um processo adequado", afirmou o COI. "De acordo com os documentos da IBA disponíveis em seu website, a decisão foi inicialmente tomada de forma independente pelo secretário geral e CEO da IBA."
Desta forma, destacou o comitê, seria imprudente desclassificar as atletas, que cumpriram os requisitos para participar dos Jogos Olímpicos, baseado apenas neste caso. "Regras de elegibilidade não devem ser mudadas durante uma competição e qualquer regra que seja alterada deve seguir um processo adequado e a alteração deve ser baseada em evidências científicas", acrescentaram.
O COI ainda destacou que Imane Khelif e Lin Yu-ting competem há anos em torneios femininos de boxe e já participaram dos Jogos Olímpicos de Tóquio e outros campeonatos internacionais da modalidade.
"Estamos comprometidos em proteger os direitos humanos de todos os atletas participando nos Jogos Olímpicos", seguiu a nota. "O COI lamenta o abuso que estas duas atletas estão recebendo no momento."
Entenda a polêmica
A polêmica no boxe ganhou força após a luta entre Khelif e a italiana Angela Carini. Válido pela primeira rodada da categoria até 66kg do boxe feminino, o confronto durou apenas 45 segundos, terminando prematuramente após a italiana receber um forte golpe no rosto.
Carini se dirigiu ao corner, inicialmente para arrumar o capacete, mas abandonou a luta na sequência. Assim que o árbitro decretou a vitória de Khelif, ela se recusou a cumprimentar a adversária e, ainda no ringue, não segurou as lágrimas.
Muitos assumiram que ela deixou a competição por ter se sentido injustiçada, mas em entrevista à imprensa Carini negou que tenha sido o caso e revelou um problema anterior no nariz.
— Eu entrei no ringue e tentei lutar. Eu queria ganhar. Recebi duas injeções no nariz e não estava conseguindo respirar. Isso me fez muito mal — disse. — Não sou ninguém para julgar e não tenho nada contra minha adversária. Eu tinha uma tarefa e tentei executá-la. Tudo o que aconteceu antes do confronto não teve absolutamente nenhuma influência.
Repercussão
Apesar das palavras da atleta, o governo italiano, através da ministra da Família, Eugenia Roccella, classificou como "muito preocupante saber que duas pessoas transgênero foram admitidas nas competições de boxe feminino".
— É muito preocupante saber que duas pessoas transgênero foram admitidas nas competições de boxe feminino, homens que se identificam como mulheres e que, em competições recentes, foram excluídas. É surpreendente que não existam critérios certos, rigorosos e uniformes, e que precisamente nos Jogos Olímpicos, que simbolizam a lealdade, possam haver suspeitas de uma competição desigual e até potencialmente arriscada — afirmou Roccella.
Nas redes sociais, personalidades como a escritora J.K. Rowling e o empresário Elon Musk também teceram críticas à atleta da Argélia.
Regras olímpicas
Segundo as regras do comitê olímpico, atletas só podem ser excluídas das competições femininas quando está claro que elas têm uma vantagem injusta sobre as outras competidoras ou por questões de segurança.
A Associação Internacional de Boxe não especificou porque Imane Khelif e Lin Yu-ting não passaram nos testes de gênero no último ano, mas informou que os níveis de testosterona das atletas — que poderiam afetar seu desempenho — não foi medido.
Nenhuma das lutadoras se identifica como transgênero e existem síndromes e desordens genéticas que podem levar mulheres a possuírem o gene Y.
A estreia da taiwanesa Lin Yu-ting na categoria até 57kg será nesta sexta-feira (2), contra Sitora Turdibekova, do Uzbequistão.