Há menos de quatro meses para o início dos Jogos Olímpicos de Paris, o diretor de Desenvolvimento e Ciências do Esporte do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Kenji Saito, esteve nesta semana na PUCRS para ministrar aula aberta na Escola de Ciências da Saúde e da Vida.
Antes do evento, o dirigente atendeu à reportagem de GZH para falar sobre o presente e o futuro do país no principal evento do esporte mundial. Confira:
Fala para a gente sobre sua visita a Porto Alegre e à PUCRS há quatro meses do início dos Jogos Olímpicos?
A PUCRS sempre foi referência para nós, e essa aproximação com a universidade vai trazer excelentes frutos para a gente no movimento olímpico, certamente. A gente valoriza muito as iniciativas científicas, queremos cada vez estar mais próximos dessa área acadêmica. Eu acredito muito nessa aplicação prática do que a gente descobre na academia. Penso também que a própria estrutura da universidade pode colaborar para que a gente tenha descentralizado no nosso país estruturas que atendam atletas olímpicos que estão mais distantes dos grandes centros. Penso muito que aqui a gente tem diversos atletas de expressão que poderiam, de repente, estar utilizando as grandes estruturas que a gente tem na universidade.
O que ainda tem para fazer nesses quatro meses até o início dos Jogos de Paris?
A gente está acompanhando, de forma bastante próxima com as confederações, odo o processo de classificação olímpica que está nessa reta final. A gente, com muita expectativa, dá suporte até o último momento nesse processo de preparação. O COB não mede esforços para dar suporte às confederações, comissões técnicas e atletas que estão nesse processo. A gente tem conquistado diversas vagas. Então, em paralelo, que estamos trabalhando para conquistar as vagas que ainda estão abertas, a gente tem trabalhado com os atletas que já conquistaram suas vagas, para potencializar, de fato, a preparação nessa reta final, com todo o suporte de equipe multidisciplinar. A gente está acompanhando, de forma bastante próxima, os passos de todos os atletas que estão se classificando.
Este foi um ciclo mais curto. Quais foram os desafios de ter que se programar para Paris em menos tempo?
Muitas vezes, no ano logo após os Jogos Olímpicos, as coisas tendem a ser um pouco mais calmas. Como esse ciclo foi muito mais curto do que o normal, a gente não teve muito tempo para se preparar. Além do processo de preparação dos próprios atletas, temos toda uma operação de preparação logística, administrativa, para poder oferecer os melhores serviços para os atletas que vão aos Jogos Olímpicos. Então, aceleramos todo esse processo, visitamos bases, definimos estratégias para ter uma rede de apoio, uma equipe capaz de dar as melhores condições para os atletas agora em Paris e também nos outros locais de competição, como Marseille, na vela, e no Tahiti, para o surfe.
Você e o COB têm um olhar muito grande para o desenvolvimento. Vamos ter muitos jovens em Paris. Qual é o grau de satisfação disso?
Fico muito feliz de perceber como tem acontecido o desenvolvimento desses jovens atletas. Acho que o suporte que o COB dá, através de projetos de incentivo a esses jovens, é fantástico. Tivemos exemplos do programa Conexão Santiago, em que pegamos atletas que garantiram suas vagas ainda nos Jogos Pan-Americanos Júnior e foram para Santiago, conquistaram mais de 40 medalhas. A gente fez um programa de preparação individualizado, específico para esses atletas e agora percebemos transferências, inclusive, para os Jogos Olímpicos. Claro que o trabalho é de médio e longo prazo e a área surgiu na administração do presidente Paulo Wanderley em 2018. Ainda é muito recente para enxergar todo o potencial que ainda, eu acredito, vai ser gerado com essa área. A gente percebe esse caminho de desenvolvimento do atleta e é isso que estimulamos dentro do sistema esportivo, entender o atleta jovem que tem potencial e ir dando condições adequadas para que ele se desenvolva, respeitando suas individualidades, momentos de transição e o caminho de desenvolvimento que ele tem. Até por isso também vai ter essa experiência olímpica para alguns.
É isso que estimulamos dentro do sistema esportivo, entender o atleta jovem que tem potencial e ir dando condições adequadas para que ele se desenvolva, respeitando suas individualidades
KENJI SAITO
Diretor de desenvolvimento esportivo do COB
A gente sabe que alguns também serão levados, não vão para competir, mas estarão em Paris para ter essa experiência, pensando em Los Angeles...
Exatamente. A gente tem um programa muito bacana, que é o Vivência Olímpica, que nós estamos esperando o processo de classificação chegar ao fim para definir os atletas que vão fazer parte desse grupo. Serão 12 atletas no total que terão essa experiência. A gente sabe que muitos atletas jovens irão conquistar suas vagas, irão ter essa experiência olímpica. Isso faz total diferença, muitas vezes, para o sucesso nos próximos Jogos Olímpicos.
Um dos aspectos muito importantes que foi ressaltado nos Jogos de Tóquio foi a questão psicológica. Como tem sido trabalhado isso nesse ciclo?
A gente tem potencializado bastante o nosso suporte na área da psicologia do esporte. Nós temos, logicamente, uma limitação, porque é um tipo de serviço que precisa do contato entre profissional e atleta. Atendemos hoje uma média de 150 atletas, hoje de alto rendimento, com os nossos 15 profissionais que a gente tem no Comitê Olímpico do Brasil, mas sabemos que a necessidade é muito maior. Então, a gente potencializa a intervenção com atividades em grupo, que possam tentar massificar e levar a informação, essa nossa preocupação com a saúde mental, para mais atletas. A gente usa treinos de campo, onde tem um grande volume de atletas concentrados no mesmo local, para transmitir conhecimento a respeito dessa nossa preocupação com a saúde mental. Até para que os atletas estejam cada vez mais preparados para enfrentar os desafios do esporte competitivo, de rendimento.
É você entender o atleta como um indivíduo que tem sentimentos, com sua família, sua rede de suporte, precisa estudar e se desenvolver como pessoa
KENJI SAITO
Diretor de desenvolvimento esportivo do COB
É uma preocupação não só com quem completou o ciclo, que vai estar no alto nível de competição, mas também, voltando nessa questão dos jovens, que ainda precisam desse trabalho?
Um grande diferencial, uma inovação no Brasil, foi área de desenvolvimento. Criamos e publicamos o modelo de trabalho. Ele traça todo o processo de um atleta jovem, e tem um olhar muito particular dentro do modelo que a gente aplica na prática. É entender que o atleta vai muito além do aspecto físico, técnico e tático. Hoje nós entendemos a importância de entender o atleta de forma holística. Então, a saúde mental está aqui dentro, o desenvolvimento pessoal está aqui dentro, é você entender o atleta como um indivíduo que tem sentimentos, com sua família, sua rede de suporte, precisa estudar e se desenvolver como pessoa. Esse compromisso que nós temos, eu tenho certeza que tem tudo para que a gente cause um impacto na formação dos novos atletas, para que eles sejam cada vez mais saudáveis, com menos lesões. Que passem por um processo de desenvolvimento que tenha respeitado, de fato, o momento que ele está dentro dessa jornada que a gente chama de caminho de desenvolvimento do atleta, desde quando ele inicia sua prática esportiva até ele ser um atleta vencedor, um atleta de elite que inspira novos praticantes.
Eu acredito muito no potencial esportivo olímpico do nosso país. Tem tudo para que a gente aumente gradativamente essa expectativa de medalha
KENJI SAITO
Diretor de desenvolvimento esportivo do COB
A tendência é de que se vá para a terceira edição com crescimento em número de pódios. Se tem uma ideia de onde é o limite do Brasil?
Eu acredito muito no potencial esportivo olímpico do nosso país. Eu acho que a médio e longo prazo, com todas as intervenções que a gente tem feito no sistema esportivo, mudar a cultura da gestão do esporte, mudar a cultura do processo de avaliação e monitoramento dos nossos atletas, coisas mais estruturantes dentro do sistema esportivo que, consequentemente, darão a chance de termos mais sucesso no futuro. A gente utiliza ferramentas de gestão com conceitos extremamente comprovados cientificamente, que mostram que o resultado é consequência de vários fatores críticos de sucesso, que você pode fazer em diversos cenários, melhorando locais de prática, tendo profissionais cada vez mais capacitados, aumentando e buscando mais suporte financeiro para o sistema esportivo. Então, assim, eu acredito que alguns ajustes que estão sendo feitos recentemente no sistema e com um impacto muito forte da gestão do COB, tem tudo para que a gente aumente gradativamente essa expectativa de medalha. Mas é muito difícil, é um desafio muito grande a gente falar assim, qual é o teto? Porque os outros países também estão nessa corrida. Os outros países também estão buscando melhorar, também estão se desenvolvendo. E, claro, nós estamos falando de um país de mais de 200 milhões de habitantes. Então, eu acredito muito no potencial que a gente possui.
A tua origem é o judô. O que representa a Mayra para o esporte brasileiro, com toda a carreira que ela vem tendo em grandes eventos?
A Mayra é uma grande ídola do esporte. E no judô, então, nem se fala. Talvez a atleta mais vencedora que nós temos. Eu tive a oportunidade de conviver bastante com a Mayra, desde as categorias de base, quando eu estava na Confederação Brasileira de Judô, e pude perceber o quão diferenciada ela é como atleta. Estive com ela quando ela foi medalhista em Campeonato Mundial Júnior. Passamos grandes temporadas no Japão em treinamento. Então, assim, eu tenho uma grande admiração pela Mayra, não só pela atleta que é, mas também como pessoa. E temos outros grandes nomes aqui do esporte do Rio Grande do Sul, não dá para deixar de mencionar João Derly, bicampeão mundial, que foi superbem sucedido, caminhou também pela política, pela gestão do esporte. Então, tenho admiração grande pelos atletas aqui do sul do País. Não só atletas, mas também treinadores. O Kiko, treinador tanto da Mayra quanto do João. O (Douglas) Potrich, que também é daqui, de Canoas. Então, tenho grandes amigos aqui no sul e sempre com excelentes referências aqui do estado.
A gente tem grandes potenciais para poder fazer uma quantidade maior de finais, termos mais medalhas e um resultado esportivo melhor do que em Tóquio.
KENJI SAITO
Diretor de desenvolvimento esportivo do COB
Projetando Paris, o que você espera em relação ao número de atletas? O que Paris pode trazer para o Brasil nesse acréscimo de desenvolvimento?
A gente vai com força total, estamos batalhando para que os atletas cheguem na melhor condição possível, para que a gente tenha evolução do cenário que nós tivemos no ano passado. Infelizmente, nós tivemos algumas perdas no meio do caminho de alguns esportes coletivos, mas temos conquistas importantes de atletas que estão participando pela primeira vez também dos Jogos Olímpicos, com essa oportunidade de adquirir experiência, de repente para uma próxima edição, mas eu acredito muito no efeito surpresa também. Acredito que a gente tem grandes potenciais para poder fazer uma quantidade maior de finais, termos mais medalhas e um resultado esportivo melhor do que em Tóquio.